Há 543 dias, o primeiro-ministro Luís Montenegro apresentou o Plano de Ação para as Migrações, descrevendo-o como o eixo central da nova política migratória de Portugal. “Nem de portas fechadas nem de portas escancaradas”, afirmou. Passo a passo, o Governo tornou o país num destino mais restritivo para a entrada de imigrantes, acompanhando outros países da Europa. E, em breve, se os planos da AD avançarem, Portugal poderá tornar-se também um território onde a deportação será mais fácil e rápida, além da possibilidade de detenções de imigrantes por até 540 dias, um prazo muito superior aos atuais 60 dias previstos na legislação.Apesar de afirmar que o país não teria “portas fechadas”, o Governo foi fechando várias, devido às leis aprovadas com apoio do Chega e de decretos-lei que dispensam o aval parlamentar. Entre essas mudanças estão: o fim do reagrupamento familiar sem condicionantes (antes independente de ter filhos ou de possuir recursos como os exigidos para o visto gold); a eliminação do visto de procura de trabalho para quem não for altamente qualificado; e o término da possibilidade de solicitar título de residência em território nacional ao abrigo do Acordo de Mobilidade da CPLP. Na apresentação do plano, a 3 de junho, o fim das manifestações de interesse sinalizava que a nova realidade para os imigrantes ia além da retórica: quem já estava no país ou planeava chegar deparou-se com um Portugal diferente, não só do ponto de vista das regras, mas também da forma como a sociedade olha para estes cidadãos e cidadãs que não nasceram na Europa.Na semana passada, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, classificou a nova proposta de lei que facilita deportações como a “última grande peça legislativa da reforma da política migratória”. Até aqui, o Governo conseguiu avançar nas duas primeiras peças desse conjunto ao longo destes mais de 500 dias. Voltando a 3 de junho de 2024, quando o plano foi apresentado publicamente, grande parte das medidas já ali constava. No entanto, algumas mudaram ao longo do processo. Esse percurso incluiu eleições antecipadas e uma nova confirmação, nas urnas, da preferência dos portugueses por políticas migratórias mais restritivas, refletida na vitória da AD e no reforço do Chega, que chegou a 58 deputados, ambos com o tema da imigração no centro da campanha. O reforço do assunto na AD ficou claro com a mudança do nome do cargo de Rui Armindo Freitas, até então “secretário de Estado Adjunto do Ministério da Presidência”. Responsável pelo assunto desde que o Governo de Montenegro assumiu o país, em maio, teve o cargo alterado para “Secretário de Estado Adjunto da Presidência e Imigração”, sendo o homem que executa as políticas migratórias. O DN sabe que o assunto tem total atenção do primeiro-ministro Luís Montenegro, que é informado sobre tudo que se passa nesta matéria.As mudanças pós-eleitoraisA primeira reunião do Conselho de Ministros após a tomada de posse foi dedicada ao tema imigração. A 23 de junho foi apresentada a proposta de revisão da Lei da Nacionalidade e da Lei dos Estrangeiros, onde constavam mais restrições do que o anunciado no plano inicial. Alguns exemplos: a medida n.º 8, “Reforçar o enquadramento operacional do Acordo de Mobilidade CPLP”, inserida no tópico “Cumprir com Humanismo os Compromissos de Portugal”, foi retirada. Questionado pelo DN na conferência de imprensa se o mercado de trabalho não teria prejuízos, a resposta do ministro foi clara: a economia terá de se adaptar.Além de fechar a via para cidadãos do Brasil e de países africanos de língua portuguesa, o Governo tornou mais difícil o reagrupamento familiar, contrariando a medida n.º 3, “Priorizar canais de entrada para reagrupamento familiar”. Embora Montenegro tenha reiterado, em junho e novamente em 16 de outubro de 2024 em sessão no Parlamento, que o reagrupamento era prioridade, meses depois essa prioridade foi revertida. A nova Lei dos Estrangeiros, já em vigor desde 23 de outubro, estabelece que apenas casais com filhos podem entrar no país e solicitar desde logo o reagrupamento. A mesma possibilidade é garantida a profissionais altamente qualificados e a titulares de vistos gold. Para os restantes, o pedido só pode ser apresentado após 15 meses de residência legal, aos quais se somam até nove meses de espera pela decisão.Convém recordar que, dias antes, o reagrupamento familiar foi alvo de uma onda de ataques do Chega e de grupos de ódio. Tudo começou com declarações de César Teixeira, vogal do Conselho Diretivo da Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA), que afirmou que um número significativo de imigrantes poderia estar em condições de requerer o reagrupamento, e que isso “merecia reflexão”. A partir daí, multiplicaram-se cálculos distorcidos nas redes sociais, rapidamente capitalizados pelo Chega numa campanha pela “suspensão do reagrupamento familiar”, alegando que Portugal poderia chegar a “dois milhões de imigrantes em poucos meses”, algo “insustentável,” segundo o partido.André Ventura mobilizou os seus seguidores para assinarem uma petição sobre o tema, que alcançou quase 85 mil assinaturas. Deputados do Chega também apresentaram no Parlamento um projeto de lei para suspender o direito. Embora o projeto não tenha ido para frente, o Chega desempenhou um papel crucial nas negociações finais da nova lei, contribuindo para tornar o reagrupamento familiar o mais restritivo possível. Este foi um dos principais pontos de crítica da lei, com o Governo a defender que, na prática, os atuais prazos para o conseguir já são longos e, agora, o imigrante pode ter uma previsão real, além da preparação do país. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa não ficou convencido com a lei aprovada e pediu, em pleno verão, uma análise ao Tribunal Constitucional (TC), que a chumbou 8 de agosto. O resultado, além da necessidade de ajustar o texto, foi uma acusação de André Ventura contra os juízes, alegando que “um espírito de esquerda que se apoderou das instituições e contraria aquilo em que os portugueses votaram no dia 18 de Maio”. O Governo mudou o texto, ainda sob críticas, e conseguiu uma nova aprovação, a 30 de setembro, apoiada pelo Chega e consagrada por Marcelo Rebelo de Sousa. Outra vitória neste meio tempo, também com apoio do Chega, foi a aprovação da criação da Unidade de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF) na Polícia de Segurança Pública (PSP), já em vigor. Recorda-se que no final do ano passado o Governo tentou passar esta lei no Parlamento, mas não teve sucesso. Sem desistir, voltou com o texto no verão e conseguiu os votos necessários. Esta aprovação foi um passo decisivo para poder apresentar a proposta de lei que facilita a deportação de imigrantes, atualmente em consulta pública e que será levada ao Parlamento em janeiro. Lei da NacionalidadeA revisão da lei que determina quem pode e quem não pode ser português também não foi uma novidade. Estava no plano eleitoral, restando apenas saber quais seriam os pormenores, que foram apresentados a 23 de junho. Mesmo com críticas, a aprovação com os votos do Chega não foi difícil. Mas, novamente, foi solicitado o aval do TC. Só que não foi preciso o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa pedir: o Partido Socialista adiantou-se e enviou os requerimentos aos juízes. O resultado deverá ser conhecido ainda esta semana, porque o prazo de 25 dias corridos acaba no domingo, dia 14 de dezembro. Mesmo que o texto seja chumbado, o Governo tem votos do Chega para aprovação, tal como ocorreu na Lei dos Estrangeiros.E talvez a “última grande peça legislativa da reforma da política migratória” também seja uma tarefa para os atuais nove juízes do Tribunal Constitucional (dois saíram por cumprir todo o mandato e ainda não foram substituídos). Já se comenta no Palácio Ratton e por vários constitucionalistas que a proposta da alteração na lei do retorno pode não estar de acordo com a Constituição da República Portuguesa. Em causa estão o alargamento do prazo de detenção para até 540 dias, os 20 anos de interdição de entrada no país para quem for afastado e o fim da possibilidade de pedir a suspensão da decisão. Pode ser tudo igual aos restantes projetos, voltar do TC, ser reajustado e aprovado novamente com votos da AD e da bancada do Chega. Mas com uma diferença: quem vai promulgar, vetar ou enviar a lei ao tribunal pode não ser Marcelo Rebelo de Sousa, que deixa o cargo a 9 de março. Pelas sondagens, a concretização desta mudança na política migratória ficará nas mãos de Marques Mendes, Gouveia e Melo ou André Ventura.amanda.lima@dn.pt.Governo estuda "soluções transitórias" para centros de detenção de imigrantes até ter novas instalações.Governo fecha as portas ainda mais à imigração. “Economia terá que se adaptar”, diz ministro