Governo fecha as portas ainda mais à imigração. “Economia terá que se adaptar”, diz ministro
O Governo aprovou em Conselho de Ministros um conjunto de medidas que terão como resultado a diminuição da entrada de imigração no país, em especial do perfil atual, que supre as necessidades do mercado de trabalho como hotelaria, obras e restauração. A aposta do Executivo liderado pelo primeiro-ministro Luís Montenegro passa por atrair “talento qualificado”, tendo como principal medida a restrição dos vistos de procura de trabalho, que, atualmente, são pedidos na sua maioria por brasileiros que trabalham nos setores em que não são exigidas qualificações mais elevadas. Quando a proposta estiver em vigor, só profissionais qualificados poderão solicitá-lo.
Outra medida que vai limitar a entrada de imigrantes é que o visto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) não poderá ser solicitado no território nacional. Esta decisão impacta diretamente brasileiros, timorenses e demais cidadãos de países da CPLP que esperavam a regulamentação da medida para trabalhar em Portugal sem pedir um visto prévio.
De acordo com o ministro, a decisão foi ponderada para evitar “efeitos inversos”, como ter uma “manifestação de interesse 2.0”. O executivo quer evitar que haja uma entrada de imigrantes, mesmo que falantes de português, que possam vir a congestionar ainda mais os serviços públicos, a chamada “capacidade de resposta do Estado”, como na habitação, saúde e educação.
O Governo está ciente de que, com estas decisões, haverá impacto na economia do país. Em resposta a uma pergunta do DN sobre o assunto, o ministro António Leitão Amaro disse no briefing com a imprensa que o mercado terá de ajustar-se. “A economia tem de se habituar ao ajustamento e à sua transformação para trabalho mais qualificado e mais bem pago”, afirmou Amaro, que é o porta-voz da AD sobre as políticas de imigração. “As empresas vão ter que se ajustar. Se não se quiserem ajustar não existe provavelmente a necessidade deste trabalho identificado ou então pretendia insistir em práticas que nós entendemos que não são adequadas no país”, declarou o ministro.
De acordo com Leitão Amaro, há medidas adicionais para a economia que, na sua visão, vão permitir a subida dos salários e tornar Portugal um país atrativo para também os altamente qualificados. “Temos tido várias: a redução de impostos é uma das boas maneiras de deixar mais dinheiro no bolso das pessoas”, citou.
Esta preferência pelo altamente qualificado está também refletida no facto de que estes profissionais vão ter outros privilégios. Um deles, já apresentado no programa de Governo, é que os vistos terão uma prioridade de tramitação, garantindo agilidade. Está previsto, inclusive, a criação de um departamento na Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) especificamente para este efeito. Está também planeado realizar parcerias com universidades e grandes empresas, inicialmente, para atração destes profissionais que o Governo entende como sendo altamente qualificados.
Outro privilégio que terão é de estarem perto das suas famílias. Diferente de outros requerentes de vistos, que vão precisar de esperar dois anos com título de residência para solicitar o reagrupamento familiar do cônjuge, por exemplo, os profissionais altamente qualificados estarão fora desta regra, confirma o Governo. O mesmo vale para as Autorizações de Residência de Investimento (ARI) e para familiares de cidadãos europeus. Isto porque, no conjunto de medidas, o reagrupamento familiar foi um dos direitos com restrições. António Leitão Amaro ressaltou que as alterações no direito ao reagrupamento familiar “foram as mais difíceis” de serem decididas e precisaram cumprir a diretiva europeia da qual Portugal faz parte. No caso de pedidos já em andamento, o Ministério da Presidência garante que estão respaldados pela legislação atual.
A proposta do Governo em relação ao tema é que, em território nacional, apenas filhos menores possam ser reagrupados. No caso de cônjuges e ascendentes (esposas, maridos, pais e mães), o pedido terá de ser efetuado somente após dois anos de residência no país com o título em mãos e por via consular. Por exemplo, se um casal vier morar em Portugal (com as exceções já destacadas), ou os dois terão que ter o visto de trabalho, ou terão de ficar separados por, pelo menos, dois anos.
O que acontece muito hoje em dia, e especial entre brasileiros, é a entrada do casal, sendo um com visto e depois feito o pedido de reagrupamento familiar já no país. Com a alteração proposta, não será mais possível. Além dos dois anos de moradia obrigatórios, será preciso contabilizar a abertura de vagas, porque os pedidos continuarão condicionados a um sistema de vagas, conforme a capacidade de resposta do sistema.
Afastando polémicas recentes protagonizadas por André Ventura, que apelou publicamente à assinatura de uma petição para suspender o reagrupamento familiar por oito anos, os imigrantes que agora tiveram direito ao título de residência somente daqui a dois anos poderão trazer os familiares.
Até lá, o Governo também espera que a AIMA esteja em melhor funcionamento e possa dar as respostas que hoje não são dadas. “Uma das piores coisas que aconteceram nos últimos anos foi o Governo, do Partido Socialista, foi abrir as portas, escancará-las, fazer promessas sem fim de que tudo era possível, do acesso à regularização, para que as pessoas vinham e ficavam num limbo, num purgatório. Vinham, mas não conseguiam, não havia capacidade de resposta, não havia capacidade de resposta da AIMA, não havia capacidade de resposta do IRN, não havia capacidade de resposta dos serviços de saúde, não havia capacidade de resposta das escolas e é isso que nós não queremos fazer. Tratar as pessoas com dignidade é também tratá-las com verdade, face às nossas capacidades”, explicou.
Rede consular para interesses nacionais
António Leitão Amaro também foi muito claro neste aspeto: a rede consular não terá uma capacidade infinita para atender o interesse das pessoas em pedir vistos para Portugal. “O mundo tem mais de 7 mil milhões de pessoas, nós não é suposto termos uma rede consular que permita que sejam tratados vistos para 7 mil milhões de pessoas. Há uma lógica de capacidade”, afirmou.
“Temos de olhar para a economia nacional, para a sociedade portuguesa e perceber como é que os fluxos devem abrir ou fechar mais ou menos”, complementou. Por isso, não estão previstos mais reforços na rede consular, apenas o que consideram como “ajustes estratégicos” nalguns postos.
Lei da Nacionalidade
Tal como o DN havia antecipado, o tempo mínimo de moradia no país para ter direito ao pedido de nacionalidade vai passar dos atuais cinco anos para dez anos. No entanto, brasileiros e demais falantes de língua portuguesa vão precisar de sete anos de residência. Além disso, a nova regra será aplicada aos processos que tenham entrado até 19 de junho, um dia após o Governo iniciar o mandato. Ou seja, o objetivo é não beneficiar os que “foram a correr” pedir a nacionalidade diante das notícias de alterações na lei.
“São mudanças imprescindíveis aos tempo em que vivemos e da realidade”, disse António Leitão Amaro. O Governo também acolheu a proposta do Chega e vai propor que exista o imigrante possa perder a nacionalidade em casos de cometer crimes graves, com efetiva superior a cinco anos e com determinação judicial. Entre os crimes graves estão violação, homicídio e terrorismo, por exemplo.
No caso dos bebés nascidos em território nacional, será preciso que os pais residam no país há pelo menos três anos com título de residência. O pedido terá de ser efetuado pelos responsáveis, ou seja, não será automático. Esta proposta também é semelhante ao que o Chega propôs no Parlamento. Mais uma mudança é o fim dos pedidos de nacionalidade para Judeus Sefarditas. A lei atual “tinha um intuito de reparação histórica”, foi um regime que “teve o seu tempo” pelo que deixa agora de existir, acrescentou Leitão Amaro.
Os que tiverem o direito a pedir a nacionalidade portuguesa ainda terão de fazer uma “declaração solene de adesão aos princípios da República” e demonstrar conhecimento da “língua, cultura, organização política e valores democráticos”. Por outro lado, será “alterar o caminho de naturalização por ascendência portuguesa”, para que bisnetos de portugueses possam fazer o pedido.
Após o anúncio do pacote de medidas, André Ventura declarou estar disponível para negociar alterações à Lei da Nacionalidade. “Há elementos que é preciso articular e que o Chega está disposto a trabalhar e a articular”, dizendo que há “caminho para andar”, afirmou.
O presidente do Chega admitiu “criar condições para que haja aqui um meio-termo em que essa nacionalidade possa ter uma espécie de decisão judicial dentro da própria decisão judicial, ou seja, uma espécie de reconhecimento por parte do tribunal de que estes crimes devem corresponder a uma perda de nacionalidade”, ou seja, “poderia não ser automática”.
Ao mesmo tempo, Ventura disse que as medidas anunciadas pelo Governo dão razão ao partido. O Chega disse ainda estar disponível para negociar alterações à Lei da Nacionalidade. André Ventura considerou que as alterações anunciadas são insuficientes e já deveriam ter sido decididas há mais tempo, mas congratulou-se por o Governo “dar razão àquilo que o Chega dizia há muito tempo” e ter chegado a este debate ― apesar de chegar “tarde” e de estar “a correr atrás do prejuízo”.
O tema vai continuar em cima da mesa. Na quarta-feira, o Chega promove um debate de urgência na Assembleia da República sobre “o descontrolo na atribuição de nacionalidade e na necessidade de limitar o reagrupamento familiar”. Será um teste para ver se haverá uma “aproximação de posições”, admitiu Ventura.
Já nos próximos dias o Governo quer enviar ao Parlamento as alterações ontem anunciadas, tendo dedicado um dos primeiros conselhos de ministros para o tema. Ainda não há respostas sobre qual será a estratégia da AD para conseguir os votos necessários para estas aprovações, apenas o discurso de que são “essenciais para o país”.
amanda.lima@dn.pt