André Ventura, líder do Chega.
André Ventura, líder do Chega. FOTO: António Cotrim / Lusa

Petição contra reagrupamento familiar reúne 27 mil assinaturas e Chega apoia suspensão do direito

Direito de reagrupar familiares de imigrantes é o novo alvo da direita radical.
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"Reagrupamento familiar? Que tal começarmos a reagrupar famílias nos seus países de origem?", escreveu no X (antigo Twitter) a deputada Rita Maria Matias, do Chega. O reagrupamento familiar tem sido um dos principais tópicos do partido nos últimos dias, mesmo data em que ganhou força uma petição que propõe a suspensão do direito ao reagrupamento familiar durante oito anos.

Em poucos dias, a documento online alcançou mais de 27.800 assinaturas, com uma ampla campanhas na redes sociais, em especial o X (antigo Twitter). O DN apurou que diversos perfis no X ligados ao partido de André Ventura apelaram à subscrição. O link também foi partilhado em grupos de ódio como o 1143 e outros nos chats do Telegram e Signal.

Mas, mesmo sem esta mobilização contra o direito de os imigrantes estarem com as famílias, o Chega anunciou, na segunda-feira, 9 de junho, uma medida semelhante. André Ventura disse que o partido entraria no Parlamento com um projeto de resolução para suspensão do reagrupamento familiar, até a situação do país "estar resolvida".

"Queria anunciar que (...) nós vamos solicitar ao Governo que bloqueie e suspenda o reagrupamento familiar que está a pensar que possa acontecer nos próximos meses", afirmou o líder do partido, que citou por quanto tempo pretende que o direito esteja suspenso.

E como começou este assunto?

Foi na semana passada, após declarações de dois dirigentes na área de imigração, à margem do evento Lisboa – Uma Cidade para todos. O ministro António Leitão Amaro dizia que o reagrupamento familiar "implica a entrada de mais pessoas e, portanto, precisamos de moderação também na solução". Desde que o Governo assumiu funções, no ano passado, houve a defesa de um sistema de vagas para este direito — que não é pleno, nem automático.

Outra declaração foi de César Teixeira, vogal do Conselho Diretivo da Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA). "Um número que poderá estar em condições de poder requerer o reagrupamento familiar” e, “sem criar alarmismos, estamos a falar de situações que devem merecer reflexão”, afirmou o vogal da agência. O número a que se refere é dos 220 mil imigrantes em processo de renovação das autorizações de residência CPLP.

A partir das declarações, cálculos começaram a ser divulgados nas redes sociais com desinformação, sem levar em consideração que nem todos os imigrantes que vivem em Portugal possuem familiares para serem reagrupados. Outro fator é que nem mesmo todos atendem aos critérios financeiros para tal (€1.275 de ordenado bruto por mês se for um cônjuge e €1.530 para cônjuge e um filho).

Além do Chega, representantes de outros partidos atacaram o reagrupamento familiar. Joana Amaral Dias, do ADN, apelou, em vídeo, a que as pessoas assinem a petição que limita o reagrupamento familiar. Só no Twitter, a publicação foi vista mais de 15 mil vezes.

Na prática, como funciona?

Governo já deixou claro, diversas vezes nos últimos meses, que o reagrupamento familiar continuará a ser por vagas, ou seja, não será um direito pleno, como prevê a lei.

Na semana passada, o ministro António Leitão Amaro afirmou que terá continuidade o sistema de vagas, mediante a capacidade de Portugal para receber estas pessoas.  "Nós assumimos, já aqui, quando apresentámos, quando comentámos os números atualizados, relativamente ao ano passado, que era uma área que merecia atenção para o futuro: é necessário fazer uma regulação que seja mais verdadeira nas expectativas da comunidade, sobre a cadência de abertura de vagas e possibilidades, em linha com a capacidade de integração da sociedade portuguesa", disse o ministro em resposta à pergunta do DN sobre o tema.

António Leitão Amaro acrescentou que "não vai haver, nem no reagrupamento familiar, nem na CPLP, uma nova legislação de manifestação de interesse por pressão de vagas".

Ministro reage

Com a escalada do assunto, o ministro António Leitão Amaro recorreu às redes sociais para tentar explicar a posição do Governo. O titular da pasta designou de "notícias falsas" ("fake news") relativas a uma suposta chegada em massa de imigrantes a Portugal nos próximos meses, no âmbito do programa de reagrupamento familiar. O esclarecimento de Leitão Amaro foi feito em resposta a afirmações do líder do Chega, André Ventura.O ministro, inclusive, partilhou no X uma notícia do DN que retrata a realidade do reagrupamento familiar hoje.

Sistema de vagas veio do PS

O sistema de vagas não é recente. Nos mandatos anteriores do Partido Socialista (PS), já era assim que funcionava. A última grande abertura de vagas foi ainda na época do antigo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). 

Quando a Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) foi criada, a opção foi reagrupar filhos e cônjuges de imigrantes que já estavam em território nacional. Esse processo começou em fevereiro de 2024. No entanto, ao longo dos meses, as marcações passaram a atrasar meses. Hoje, para conseguir aceder ao direito, é preciso entrar com uma ação judicial, por falta de vagas.

"Não se pode suspender"

Para Ana Gil, investigadora na área do Direito e consultora na área de imigração, não é possível suspender o reagrupamento familiar. "Na minha opinião não se pode suspender. Com base em quê? A lei não permite isso, e a lei é transposição de uma diretiva que também não permite 'suspensão' generalizada", detalha.

De acordo com a docente, a "diretiva só permite eventuais restrições em casos concretos, de ameaça à ordem pública ou segurança nacional, mas isso caso o familiar em específico colocar em causa esses interesses". E complementa que o reagrupamento familiar "é um direito fundamental".

E a capacidade de acolhimento, o argumento do Governo para controlar as vagas para este direito? "Isso não está previsto na lei como causa de suspensão do Reagrupamento familiar. Ao ter-se criado a manifestação de interesse, a irresponsabilidade foi gigante, porque ao dar-se as regularizações foi para essas pessoas e suas famílias e ninguém se lembrou disso", critica.

amanda.lima@dn.pt

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