"Pedro Passos Coelho tem uma diferença – é alguém que pode federar o espaço não socialista"

<strong>Vasco Rato</strong>, académico, ex-presidente da FLAD e antigo dirigente do PSD, critica Rui Rio por não se apresentar como alternativa ao PS, acusa Costa de falta de vantagem reformista e confessa não gostar de como Marcelo assume o mandato presidencial. Sobre a América, diz que Trump tem uma visão para o país e considera que com mudança ou não de líder os Estados Unidos não mudarão de política perante a ascensão da China.
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Foi apoiante de Miguel Pinto Luz, um dos rivais de Rui Rio na disputa pela liderança do PSD. Agora, passados estes meses de Rio como líder confirmado, converteu-se ao atual presidente do partido ou não?
Se está a perguntar-me se eu voltaria a tomar a mesma opção de voltar a apoiar Miguel Pinto Luz, a resposta é sim. Achava na altura que Rui Rio não era a pessoa mais indicada para liderar o partido, na sequência da derrota eleitoral, e creio que esse juízo se tem verificado na prática ao longo dos últimos tempos.

Mantém a opinião de que Rui Rio não é o líder de que o PSD precisava neste momento?
Não é o líder de que o PSD precisa e creio que não está talhado para fazer oposição, o que é uma coisa que me preocupa mais. Mais do que a liderança do PSD, o que me preocupa é a incapacidade manifesta do PSD para fazer oposição, isto é, de não articular uma alternativa para o país. Isso é problemático, não só para o PSD, mas obviamente também para a sociedade portuguesa e para os eleitores portugueses.

Mas Rui Rio até tem recebido alguns elogios exatamente por ter um sentido de compromisso, sobretudo nesta altura de pandemia e de crise económica, por não ser o homem que fala sempre mal de tudo. Acha que esse não pode ser o caminho?
É preciso falar mal quando é necessário falar mal e falar bem quando é necessário falar bem. Mas creio que a oposição não é isso, a oposição é tentar, através da denúncia ou do elogio, contribuir para a melhoria do país. Grande parte da tarefa da oposição é construir uma alternativa ao poder. Isso é que eu não vejo que esteja a ser feito.

Acha que o PSD, ao tomar essa atitude, está, de alguma forma, a facilitar a vida a António Costa?
Creio que sim. Quando o governo não tem oposição, também não pode ser um governo tão bom. Isto é, uma oposição robusta é também positiva para o governo, na minha perspetiva. Fundamentalmente, quem sofre é o país, porque os eleitores não têm, de facto, uma alternativa porque o PSD não a gerou. À medida que isso acontece abre-se espaço, sobretudo à sua direita, para que surjam outros agentes, outros atores políticos.

Quando diz "à sua direita", não está a falar do CDS. Está a falar do Chega?
Estou claramente a falar do Chega. Em grande medida, o Chega surge por esta incapacidade do PSD em fazer oposição.

Acha que há eleitorado do PSD que está a movimentar-se?
E muito. E creio que haverá mais. Acho que o Chega representa uma certa insatisfação com o estado das coisas em Portugal e com as políticas em concreto. O PSD tinha obrigação de dar respostas. Não estou a querer dizer que deveriam ser as mesmas que o Chega dá, mas deveria, pelo menos, dar uma resposta, qualquer que ela seja. Acho que o Chega tem capitalizado nessa ausência de uma oposição forte.

Quando ouve Rui Rio dizer que é possível, um dia, uma aliança com o Chega, isso é uma boa opção para o PSD?
Acho que a afirmação revela uma certa falta de autoconfiança por parte do Dr. Rui Rio, que pensa que nunca ganhará o país, uma maioria, sem o Chega. De qualquer forma, mesmo do ponto de vista tático, é um erro, porque se se quer evitar que haja fuga para o Chega, não se admite que posteriormente se faça uma coligação com o Chega. Ao admitir essa possibilidade está a libertar eleitores para o Chega. Eu não sei em que base é que essa eventual coligação seria feita, se haveria uma base de programa... É muito prematuro falar de uma coisa dessas quando não se sabe exatamente o que é que o Chega representa e não se sabe o que é que o PSD representa. Vão fazer uma aliança para quê? Que tipo de projeto é que há?

André Ventura chegou a ser uma pessoa ligada ao PSD, até candidato a vereador do PSD. Surpreende-o este caminho pelo qual ele entrou?
Não. Acho que André Ventura, que eu não conheço pessoalmente, percebeu que havia um espaço que poderia ser preenchido e está a fazê-lo.

Ou seja, que havia um eleitorado propício a ouvir uma mensagem mais populista, mais extremista?
Certo. Que havia um eleitorado que não é exclusivo do PSD. Creio que o Chega também tem algum apoio junto dos eleitores do PCP, mas havia um eleitorado que não se identificava com os partidos. O que não é surpreendente se considerarmos que 50% dos portugueses não votam em eleições legislativas, é óbvio que há um mercado para alguém que diga algo de novo e de diferente. Creio que foi isso que o André Ventura percebeu.

A direita tradicional está em crise - CDS, PSD - mas, ao mesmo tempo, tem o Presidente da República. Sente que Marcelo Rebelo de Sousa é uma figura que, neste momento, já não representa totalmente a direita
Eu não me sinto representado pelo Presidente da República, mas também não há razão para me sentir. O Presidente da República, a partir do momento em que é eleito, não é de direita nem de esquerda, é o garante das instituições democráticas. Aliás, a minha crítica é que acho que não faz o suficiente para garantir o funcionamento regular das instituições. Portanto, creio que há outra forma de exercer o cargo que não é esta. Identifico-me mais com a forma como Mário Soares, Jorge Sampaio, Cavaco Silva, Ramalho Eanes, exerceram esse cargo do que propriamente com a do professor Marcelo. Dito isto, acho que Marcelo Rebelo de Sousa é relativamente pacífico à direita. Há uma parte da direita que não se revê, sobretudo na figura do Presidente da República, mas não é o meu caso. O meu caso é uma divergência, digamos, institucional, não é uma questão de natureza pessoal, mas acho que há uma parte da direita que claramente não se revê.

Considera que o Presidente é muito colaborante com o primeiro-ministro António Costa, é isso?
Sim.

Não é a sua visão da forma de exercer o cargo?
Não, não é a minha visão. Acho que o mandato poderia ser exercido de uma forma, digamos, mais formal, com mais gravitas.

Há um certo saudosismo na direita da figura de Passos Coelho. Um político que foi primeiro-ministro, ganhou novamente as eleições e não ficou como primeiro-ministro, retirou-se. Acha que Passos Coelho pode voltar um dia à vida política ativa?
Depende sobretudo dele. Se for essa a vontade, é uma pessoa relativamente jovem. Mas a direita tem muitas pessoas que podem liderar o CDS e o PSD. Acho que Pedro Passos Coelho tem uma diferença - é alguém que pode agregar, pode federar o espaço não socialista. Creio que Passos Coelho e Marcelo são os únicos aliás que são relativamente pacíficos à direita, e são um património político importante. Agora, se voltará à política ou não, depende sobretudo da vontade dele.

Como é que avalia a governação do socialista António Costa? No fundo, é o homem que sucede a Passos Coelho, supostamente para fazer tudo completamente diferente. Fez tudo diferente e melhor?
Fez tudo diferente no sentido em que foi um regresso ao passado. Foi e é uma manutenção do statu quo, dos bloqueios que existem na sociedade portuguesa. O meu problema com a governação de António Costa não é tanto que ele tenha feito isto ou aquilo mal, é que não fez diferente, e o país precisa de um caminho novo. Falamos constantemente da necessidade de encontrar outro modelo de desenvolvimento. A crítica estende-se ao PSD. Não há uma tentativa de encontrar esse modelo novo, uma nova visão da sociedade portuguesa, dos problemas que a sociedade portuguesa enfrenta. Portanto, é mais do mesmo.

Acha que Costa se deixou aprisionar pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda e não pode fazer mais, ou ele próprio não quer fazer mais?
Acho que se deixou aprisionar pela manutenção e pela preservação do poder, pela conservação do poder e, agora, tem de ganhar eleições. Portanto, não vejo que haja reformismo neste governo. Eu creio que a sociedade portuguesa necessita até de muitas reformas e este governo tem outra perspetiva. Tudo bem, mas quem eventualmente deve encontrar esse caminho alternativo não é o PS, é o PSD.

Foi, durante muitos anos, presidente da FLAD; foi também professor em Washington. É um homem muito ligado à América do Norte, pois cresceu no Canadá. Como é que olha para estas eleições americanas? Donald Trump tem hipótese de ganhar?
Ter, tem. Até porque o que é surpreendente é que um homem que está a braços com a crise covid, com motins nas ruas, seja competitivo. O pressuposto da sua pergunta é que ele pode ganhar e isso já é fantástico nesta altura da corrida. Se ganhar também se deve muito ao demérito dos democratas. Acho que o problema do PSD é um pouco o problema dos democratas, pois estes têm feito uma campanha essencialmente contra a personagem Trump. Não me parece que tenham feito o suficiente para convencer os americanos de que há um futuro melhor.

De qualquer forma, ao escolherem Joe Biden apostaram na continuidade e não em alas mais extremistas do partido. Aceitaram que era preciso serem mais realistas nas presidenciais do que estão a ser ideologicamente no Congresso?
Aceitaram porque escolheram alguém que representa a continuidade dos anos 1970 e 1980. Essa continuidade já não pode continuar. O problema de Biden é que representa um passado que já não existe. Acho é que é um homem do passado sem qualquer visão sobre o futuro dos Estados Unidos. Isso, para um eleitorado que se encontra numa fase de vida coletiva particularmente desorientadora, é mau. Trump, apesar de tudo, concordemos ou não com ele, tem uma visão para o país.

Acha que a América está mais fraca no cenário internacional nestes quatro anos de Trump ou, pelo contrário, Trump com toda a sua originalidade conseguiu manter o poder da América?
Esse declínio relativo do poder da América é anterior a Trump, começa com George W. Bush e Barack Obama. Acho que Trump tem feito algumas coisas positivas em política externa, outras não tanto. Relativamente à China, por exemplo, acho que pelo menos nos primeiros três anos Trump pensava que o problema do relacionamento com a China se reduzia a questões comerciais e à chamada guerra comercial. O problema da China é uma questão estratégica, é um desafio estratégico que requer uma abordagem que Trump, até este momento, também não articulou.

Sei que está prestes a publicar um livro sobre a China. Pela sua tradição histórica, pela sua população, pela sua dimensão, a China está condenada a ser a superpotência e vai ultrapassar os Estados Unidos?
Não, isso não é líquido, mas a China, se não houver disrupções de maior, será - é-o já - uma grande potência. Agora, uma grande potência com muitas vulnerabilidades, começando pelo próprio regime. A China, com certeza que é uma grande potência, aliás, o facto de lhe ser atribuído um lugar de membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas depois da Segunda Guerra Mundial já atestava a importância da China. Portanto, isto é, digamos, uma reemergência da China, que está a voltar a ocupar o lugar que é seu. Agora, está a fazê-lo, a meu ver, de uma forma particularmente infeliz, que está a gerar imensos problemas, sobretudo no mar do Sul da China.

Onde tem problemas com vários vizinhos, mas também pode ter problemas sérios com os próprios Estados Unidos, por causa da questão de garantir a liberdade dos mares...
A liberdade dos mares e não só. Há uma grande concentração de dispositivos militares navais no mar do Sul da China e é, a meu ver, um dos focos de conflitualidade mais perigosos no mundo. Se tivermos um confronto bélico entre os EUA e a China, será justamente no mar do Sul da China.

Uma presidência Biden não mudaria muito a necessidade dos EUA de se afirmarem perante a China?
Julgo que não. Esta afirmação em relação à China, a intenção de se afirmar perante a China, começa com o pivô de Barack Obama, portanto, é anterior a Trump. A vulnerabilidade que eu vejo em Joe Biden é a relação do filho com as autoridades chinesas. Dito isto, a política externa não são só as decisões tomadas pelo presidente, são também as decisões tomadas pelo Congresso. Há, crescentemente, um consenso bipartidário no Congresso sobre a China, e esse consenso diz essencialmente que a China é um rival estratégico que tem de ser confrontado. Portanto, se Biden ganhar as eleições, a mudança pode ser no tom, mas não creio que haja uma mudança significativa no rumo da política externa.

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