Ana Gomes não "deserta" da democracia e critica o PS

A ex-eurodeputada do PS lançou-se na corrida a Belém nesta quinta-feira com críticas ao seu partido, que não escolheu até ao momento um candidato da área do socialismo democrático. "Não compreendo nem aceito a desvalorização de um ato" como as presidenciais, disse.

Simbolicamente na Casa de Imprensa, onde disse que irá bater-se pela "democracia e liberdade", Ana Gomes anunciou os princípios da sua candidatura à Presidência da República. Sem nunca mencionar o nome de António Costa, que incentivou Marcelo Rebelo de Sousa a recandidatar-se, deixou a crítica ao PS.

"Durante meses, esperei que o meu próprio partido apresentasse o seu candidato, saído das suas fileiras." E avança para a corrida a Belém "porque não compreendo nem aceito a desvalorização de um ato" como as presidenciais.

Ana Gomes lembrou que o Presidente da República não é eleito para governar, mas tem um papel vital no equilíbrio do sistema político e tem impacto na vida. "Como pode o socialismo democrático não participar nesta eleição?", a pergunta foi direita ao Largo do Rato. Ainda mais quando, lembrou, vivemos um tempo de pandemia, de desemprego, de tensões sociais e insegurança.

A candidata, que se mostrou esperançada na maturidade dos militantes do PS e no debate que será feito no seu partido em torno destas eleições, invocou ainda um antigo líder socialista, agora secretário-geral da ONU, António Guterres, para lembrar a importância de ter em Belém alguém que se bate contra a ameaça das alterações climáticas, que "ameaçam mais as nossas vidas do que a pandemia". A par das "forças antidemocráticas" que estão à espreita, e que não citou.

"Como pode o socialismo democrático não participar nesta eleição?"

"Não é possível ignorar que uma parte do sistema se deixou corroer, capturado por interesses financeiros e económicos que não servem o interesse público", afirmou Ana Gomes. Ora, a longa luta contra a corrupção é, como não podia deixar de ser, uma das bandeiras da sua candidatura, a par da luta contra as desigualdades e a "iniquidade fiscal".

Sublinhou ainda que "não podemos continuar a empurrar os cidadãos para as margens" ou a acreditar em "falsos profetas" e nas "liturgias da abstenção". "Temos de os levar a acreditar que a democracia vale a pena" e a "solidariedade entre gerações" é a melhor maneira de fazer progredir o país.

"Não devo, nem posso, desertar deste combate pela democracia", disse, assumindo que representa o socialismo democrático e progressista, que a sua carreira e o empenhamento cívico a nível nacional, europeu e internacional atestam. Ana Gomes ganhou, aliás, notoriedade no país enquanto diplomata e chefe da missão diplomática portuguesa na Indonésia durante o processo de independência de Timor-Leste.

"Não devo, nem posso, desertar deste combate pela democracia"

"Quero cuidar deste país", assegurou, e, uma vez mais sem se contrapor ao atual Presidente da República, a quem elogiou o primeiro mandato, assumiu que se candidata porque acredita que "Portugal precisa de uma Presidência diferente". Precisa, disse, de um Presidente que "não tenha medo dos interesses instalados, que trabalhe por um Portugal mais influente e mais desenvolvido. Um "Presidente livre de cumplicidades, com mais eficácia, transparência e integridade".

Ana Gomes quer que a sua candidatura seja aberta a militantes de todos os quadrantes políticos e pessoas que se identifiquem com as causas que defende. "Aceito todos os apoios que sejam pela democracia, não aceito compromissos" que possam pô-la em causa.

Garantiu que não se candidata "contra ninguém", mesmo quando questionada pelos jornalistas sobre o ataque que outro candidato, no caso André Ventura, lhe fez quando disse que ela é "a candidata cigana". "Eu não me candidato contra ninguém, candidato-me pelos portugueses e por um futuro melhor para os nossos filhos."

E só muito indiretamente deixou a crítica velada. "Não me candidato contra ninguém, candidato-me por um projeto. Acho que tenho a independência, que posso inspirar confiança e os portugueses precisam de transparência. Espero dar um contributo para puxar os outros candidatos para esse nível de integridade."

"Eu não me candidato contra ninguém, candidato-me pelos portugueses e por um futuro melhor para os nossos filhos"

De Marisa Matias, que se lançou na mesma corrida um dia antes pelo Bloco de Esquerda, afirmou que "é uma excelente candidata" e sua "amiga". "Faremos campanhas com elevação" e "nem pensar" uma desistir em favor da outra.

Sobre a acusação de que a sua candidatura poderá dividir o PS - depois de Costa ter dado um sinal de que estava com Marcelo Rebelo de Sousa, mesmo que acabe por dar liberdade de voto aos militantes nas eleições de janeiro de 2021 -, foi muito clara: "Não, seria isso se o PS já tivesse um candidato." E não tem.

Marisa, a candidata "socialista, laica e republicana"

A "amiga" Marisa Matias, que com ela partilhou muito dos corredores do Parlamento Europeu, adotou uma postura muito diferente à entrada nesta corrida presidencial, que bisa. Se Ana Gomes quer marcar presença sem se posicionar contra "ninguém", a eurodeputada do BE vai a jogo diretamente contra Marcelo Rebelo de Sousa. Foi isso que disse na quarta-feira, no Largo do Carmo, quando lançou a sua candidatura. "Candidato-me para fazer a campanha contra o medo", garantiu.

Curiosamente, ou se calhar estrategicamente para captar também votos no eleitorado do PS, foi Marisa Marias a empunhar o lema de Mário Soares, ao dizer-se "socialista, laica e republicana".

As bandeiras que ergueu naquele largo mítico de Lisboa foram as da "igualdade e da liberdade", mais uma vez contra o "medo que nos destrói e divide", quando a "República une". "Luto ao lado dos que se revoltam contra a injustiça e sou de uma esquerda que não se verga às ordens dos mercados."

Outros adversários

A jogo nas presidenciais do próximo ano vão ou querem entrar vários outros candidatos, como o repetente Vitorino Silva (mais conhecido por Tino de Rans). Do Chega, André Ventura foi o primeiro a apresentar publicamente a sua intenção de concorrer a Belém, em fevereiro.

Seguiram-se, no final de julho, as manifestações de vontade de concorrer a Belém do advogado e fundador do Iniciativa Liberal Tiago Mayan Gonçalves e do presidente do Partido Democrático Republicano (PDR), Bruno Fialho.

Para sábado está prevista a reunião do Comité Central do PCP para decidir o candidato às presidenciais apoiado pelo partido, cujo nome ainda não foi revelado, mas com o secretário-geral comunista, Jerónimo de Sousa, a excluir-se da disputa a Belém que já travou em 1996 e 2006. Pouco provável é que o PCP repita o candidato com que a CDU avançou em 2016, o madeirense Edgar Silva, que teve apenas 4% dos votos.

Só "lá para novembro", nas palavras do próprio, é que Marcelo Rebelo de Sousa anunciará a sua decisão quanto a uma eventual recandidatura nas presidenciais de 2021, que manteve em aberto ao longo do seu mandato, e sempre depois de ter convocado as eleições (o que tem de fazer com uma antecedência mínima de 60 dias, segundo a lei).

Há cinco anos, o Tribunal Constitucional admitiu as dez candidaturas formalizadas às eleições presidenciais, o que constituiu um número recorde.

Os dez candidatos às eleições presidenciais de 24 de janeiro de 2016 foram: Henrique Neto, António Sampaio da Nóvoa, Cândido Ferreira, Edgar Silva, Jorge Sequeira, Vitorino Silva (Tino de Rans), Marisa Matias, Maria de Belém Roseira, Marcelo Rebelo de Sousa (que venceu à primeira volta com 52% dos votos) e Paulo de Morais.

Antes, tinha havido, no máximo, seis candidaturas a eleições presidenciais, em 1980, em 2006 e 2011.

As candidaturas a Presidente da República só são válidas depois de formalmente aceites pelo Tribunal Constitucional, e após a apresentação e verificação de um mínimo de 7500 e um máximo de 15 000 assinaturas de cidadãos eleitores, até 30 dias antes da data da eleição, que deverá realizar-se no final de janeiro do próximo ano.

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