Donald Trump não perde uma ocasião para fazer dinheiro. Só para dar um exemplo, desde que regressou à Casa Branca recebeu 32 milhões de dólares da CBS News e da ABC News para não avançar com processos em tribunal. Processou o Wall Street Journal em 10 mil milhões devido a uma notícia reveladora do conhecimento que teria sobre a atividade criminosa de Jeffrey Epstein, e o The New York Times em 15 mil milhões devido a dois artigos publicados em 2024 e que diz prejudicarem a sua reputação. Mas a mais espantosa forma de poder arrecadar 230 milhões de dólares (um pouco mais de 197 milhões de euros) está no Departamento de Justiça. Graças a duas queixas de Trump, em 2023 e em 2024, e que aguardam apenas que um dos seus advogados desses casos, e que agora estão no topo do departamento, tramitem o caso para o próprio Trump dar ordem de pagamento. São tantas as notícias em redor de Donald Trump e da sua administração que algumas ficam como que escondidas no fluxo informativo. Só nos últimos dias, o presidente dos Estados Unidos anunciou uma cimeira com Vladimir Putin em Budapeste, para dias depois a desmarcar, confundindo aliados e adversários, e anunciar sanções a duas empresas petrolíferas russas; sugeriu ter recusado a proposta de vários países de entrarem em Gaza para combater o Hamas; voltou a queixar-se de uma Espanha "não cooperativa" devido ao gasto do governo de Pedro Sánchez em Defesa, e de novo deixou no ar uma ameaça de punição através de taxas aduaneiras; acusou o presidente da Colômbia Gustavo Petro de ser um "líder do narcotráfico" e anunciou o fim de todas as ajudas para aquele país depois de este ter criticado a campanha extrajudicial dos EUA que já destruiu oito embarcações e matou pelo menos 37 pessoas nas Caraíbas e no Pacífico. Ainda no plano externo, voltou a dramatizar no que toca às negociações comerciais com o seu vizinho do norte. Anunciou a suspensão do diálogo com o Canadá depois de um anúncio, pago pelo governo da província de Ontário, aproveitar um discurso de Ronald Reagan crítico do uso das taxas aduaneiras. Pelo meio, Trump prometeu um apoio à Argentina de 40 mil milhões de dólares e a importação de carne de vaca argentina, mas condicionou o acordo à vitória do partido de Javier Milei nas eleições legislativas deste domingo. Um acordo que caiu mal entre as fileiras republicanas, em especial entre os congressistas dos estados que mais têm sofrido com o impacto de a China ter deixado de importar soja (entretanto substituída em parte pela soja argentina) e que virão a sofrer com a entrada no mercado de carne de vaca mais barata, como relata o The Washington Post. Também no plano doméstico, enquanto o governo federal se encontra encerrado por falta de financiamento, e de não haver fim à vista, Trump decidiu avançar com a demolição de parte da Casa Branca para instalar um salão de baile. Uma imagem de força e de ação em contraste com um poder legislativo esvaziado de autoridade, primeiro por força das ordens executivas e pela maioria republicana, agora pela sua incapacidade de chegar a acordo sobre o fim do shutdown.Mas entre as notícias relacionadas com Trump, uma se destaca pelo seu ineditismo: o presidente pode vir a aprovar o pagamento de uma indemnização que o próprio pediu de dois casos separados. Foi o The New York Times que trouxe o assunto à baila na terça-feira. Trump apresentou duas reclamações ao Departamento de Justiça sob a forma de um pedido administrativo ao abrigo da Lei Federal de Reclamações Civis. Caso tivessem sido rejeitadas, o empresário nova-iorquino poderia ter decidido levar os casos para tribunal. Mas como não houve qualquer resposta antes de Trump regressar ao poder, dá-se o caso de ser a sua equipa a decidir que fim dar às reclamações.. A primeira queixa, interposta em 2023, é relativa às investigações sobre a interferência russa na sua campanha presidencial de 2016. A segunda, datada de 2024, acusa o FBI e o Departamento de Justiça de violarem a sua privacidade durante as buscas à sua propriedade de Mar-a-Lago, onde guardava documentos classificados que se tinha recusado a devolver. Trump queixa-se da injustiça das investigações e dos danos que lhe causaram. No primeiro caso, recorde-se, o procurador especial Robert Mueller não encontrou provas para acusar Trump por obstrução à justiça mas também não o ilibou numa investigação em que além do candidato presidencial, outras 18 pessoas da sua equipa contactaram com russos, e da qual resultou ainda a acusação de 34 pessoas, das quais sete foram condenadas, e de três entidades. No segundo, a juíza federal Aileen Cannon, nomeada por Trump, foi adiando o caso, até acabar por mandar arquivá-lo. Recorde-se que, já depois de ter sido intimado a devolver documentos e objetos levados ilegalmente da Casa Branca para a sua propriedade, as buscas do FBI recuperaram cem documentos classificados, como por exemplo sobre submarinos nucleares, caixas com 11 mil documentos e 20 presentes. Questionado pelos jornalistas sobre a notícia, Trump confirmou-a. "Fui muito prejudicado e qualquer dinheiro que eu recebesse, eu doaria para caridade", afirmou. Uma afirmação que ainda faz soar mais alarmes, se tivermos em conta o passado de Trump. Em 2019, foi condenado a pagar uma multa de dois milhões de dólares por usar a fundação que tinha com o seu nome para os seus interesses pessoais e políticos. O juiz obrigou ainda à dissolução da Donald J. Trump Foundation e à distribuição dos fundos remanescentes (2,7 milhões de dólares) por várias instituições. Mas isso foi durante o primeiro mandado de Trump. Agora, com o Supremo Tribunal a conceder-lhe imunidade durante os "atos oficiais", pode dizer: "Sou eu que tomo a decisão e essa decisão teria de passar pela minha secretária e é terrivelmente estranho tomar uma decisão em que estou a pagar-me."Segundo os regulamentos do Departamento de Justiça, não cabe à procuradora-geral Pam Bondi chegar a acordo com os queixosos, mas ao vice-procurador ou ao procurador-geral associado. O primeiro é Todd Blanche, que foi o principal advogado de defesa criminal de Trump. E continua a ser: perante o Senado, durante a audiência de confirmação, afirmou que a sua relação de advogado com o presidente, enquanto cliente, era para continuar. Já o número três da hierarquia é Stanley Woodward Jr., que representou um funcionário de Trump, Walt Nauta, no caso dos documentos classificados. Woodward também se destacou por defender vários arguidos relacionados com o ataque ao Capitólio de 6 de janeiro de 2021.Um caso tão gritante de conflito de interesses que até Trump tem dificuldades em argumentar como é que os 230 milhões irão para a sua conta, quando durante este ano, em mais de 250 queixas, o Departamento de Justiça atribuiu 207 milhões de dólares. "Não sei como se resolve o processo, vou dizer 'dá-me X dólares', e eu não sei o que fazer. Até parece mal, estou a processar-me a mim próprio, certo? Por isso, não sei." .Trump vai à Ásia com futuro da economia na bagagem e encontro com Xi na agenda.Ala Leste da Casa Branca já foi demolida. Trump avança na construção de um salão de baile