Javier Milei enfrenta o maior teste desde que foi eleito, em novembro de 2023, presidente da Argentina, numas eleições legislativas que têm tudo, dizem as sondagens, para correr mal ao ultraliberal chefe de estado do país sul-americano. Em contexto de crise social crescente e de escândalos de corrupção no coração do governo, o impeachment pode até entrar nas contas em caso de resultado negativo, segundo observadores ouvidos pelo DN. O sufrágio vai definir metade das cadeiras da Câmara dos Deputados (124 de 257) e um terço das do Senado (24 de 72). “Como ter mais deputados do que a oposição dificilmente vai acontecer, resta a Milei para aquilo que podemos chamar de ‘ganhar as eleições’ o objetivo mais pragmático, que é ter um terço da Câmara, uns 85 deputados, mas nem esse objetivo deve ser possível de alcançar, obrigando a alianças”, diz Carlos De Angelis, politólogo da Universidade de Buenos Aires e colunista do jornal argentino Perfil, ao DN. “Esse número, entretanto, seria, de facto, importante para Milei porque com esse terço poderia rejeitar leis do Congresso e evitar um impeachment que, nas atuais circunstâncias, parece cada vez mais provável…”, completa.Segundo as mais recentes pesquisas eleitorais, Milei deve perder a província de Buenos Aires, a mais populosa de todas, onde a oposição - leia-se o peronismo, hoje representado pela eterna figura de Cristina Kirchner, a ex-presidente da República, e pela promessa de esquerda Axel Kicillof, o governador dessa região - já venceu nas eleições locais em setembro. A cidade de Buenos Aires, segundo maior colégio eleitoral, é, entretanto, a principal esperança do La Libertad Avanza, o partido de Milei. “A relativa melhoria das contas públicas não se refletiu na forma como a população tem vivido, a eleição surge numa altura em que os dados sociais apontam para uma forte impopularidade de Milei, fruto do aumento da miséria, da desigualdade, do desemprego e da inflação, ainda descontrolada, os argentinos vivem abaixo até do padrão sul-americano”, observa Paulo Niccoli Ramírez, professor de Sociologia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, ao DN. A Argentina chegou este ano ao maior patamar de pobreza em 20 anos, 57,4%, e, todas as quartas-feiras, reformados protestam em frente ao Congresso contra as políticas do governo, por exemplo. “Creio que a etapa da agenda ultraliberal terminou, aspirar reformas tributária e laboral só por milagre, logo estamos a falar de uns dois anos de agonia política e de ingovernabilidade a partir daqui”, defende De Angelis. Para Ramírez, “caso Milei saia derrotado, é sinal de que o seu governo entra em estado de coma, torna inviável prosseguir com as reformas que ele tem seguido e talvez até a governabilidade e a manutenção do poder”. “Mais ainda porque a irmã dele, Karina, e outros apoiantes importantes estão envolvidos em casos de corrupção, de conflito de interesses com o setor financeiro e até de tráfico de drogas”, adianta o sociólogo.Karina Milei, secretária-geral da presidência e maior influência política e pessoal do irmão mais velho, é protagonista de um suposto esquema de subornos ligado à aquisição de medicamentos para pessoas com deficiência e José Luis Espert, o candidato do La Libertad Avanza na província de Buenos Aires, renunciou à corrida após ser acusado de receber 200 mil dólares de um empresário ligado ao tráfico de drogas.“Trunfo Trump" atrapalhaEm paralelo, Donald Trump decidiu apoiar Milei mas os elogios foram confusos: o presidente norte-americano defendeu publicamente o homólogo argentino e as suas políticas referindo-se erroneamente a eleições presidenciais, votação que só acontecerá em 2027. Por causa disso, Gerardo Werthein, o ministro dos Negócios Estrangeiros argentino, foi obrigado até a demitir-se terça-feira, dia 21, por, supostamente, ter informado mal a Casa Branca da conjuntura política no país sul-americano. Depois de no início do mês Scott Bessent, o secretário do Tesouro dos EUA, anunciar uma linha de swap de 20 mil milhões de dólares com o Banco Central da Argentina, além da aquisição de pesos e de títulos da dívida do país, Trump disse ainda que considerava comprar mais carne dos argentinos porque “eles estão a lutar pelas vidas deles”. “Eles não têm dinheiro. Eles não têm nada. Eles estão a lutar tanto para sobreviver… mas gosto de Milei, está a fazer o que pode”, disse o presidente americano, a bordo do Air Force One.“Trump prejudicou mais Milei do que ajudou ao dizer isso até porque há uma corrente que não gosta de ingerências dos EUA ou do FMI e Milei tornou-se dependente de Washington que, além disso, nunca logrou resolver a economia argentina com dolarização ou sem ela”, lembra De Angelis. Para Ramírez, “Trump elogiar Milei pode aumentar a popularidade dele entre os fiéis mas, por outro lado, os críticos, a imprensa e a opinião pública acabaram por se revoltar porque Milei se comportou como vassalo e servo do americano, e isso não agradou à maioria da população que quer ver um governo argentino forte”.."Presidente rock star." Javier Milei subiu ao palco para atuar em Buenos Aires (com vídeo)