"Se tivesse assinado pelo Real Madrid, eu e a minha família íamos precisar de guarda-costas"

Nesta entrevista ao DN, o internacional português passa em revista o que foi a sua carreira e faz algumas revelações sobre os defesas que mais lhe complicaram a vida e do sonho de ver Ronaldo e Messi juntos.
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Responda sem falsas modéstias: sentiu-se sempre o maior craque em todos os clubes que representou?
É uma pergunta difícil de responder, até porque houve sítios onde estive mais tempo, e também pelos contextos. Por exemplo, quando cheguei ao FC Porto, o clube tinha grandes craques, talvez o expoente máximo fossem o Fernando Gomes e o Madjer. Quando cheguei não tinha o estatuto deles. Mas acho que no meu terceiro ano de FC Porto consegui atingir esse patamar. Digo isto em relação a estatuto, pela forma como era olhado e respeitado pelos colegas. No Atlético Madrid também atingi esse status, sobretudo quando passei a capitão. Na Reggiana, igual. No Benfica, apesar de existirem grandes craques na altura, também tinha esse estatuto, tal como no West Ham e na minha etapa no Japão. Os dois únicos clubes onde julgo que não tive essa importância foi no Marselha e no AC Milan. Em França, quando cheguei, tinham acabado de vencer a Taça dos Campeões Europeus, era só craques. E no AC Milan nem se fala, só jogadores de topo.

Messi ou Ronaldo? Quem é para si o melhor e porquê?
Sinceramente, são os dois. Aqui não há escolha, são os grandes nomes do futebol atual e ainda vão ser durante mais alguns anos. Enquanto estiverem em atividade, vão continuar a ser os deuses do futebol. Vou confessar uma coisa: há umas semanas, quando houve toda aquela trapalhada entre o Messi e o Barcelona, quando tudo apontava para a saída dele, falou-se em vários clubes como prováveis destinos, com o Manchester City à cabeça, mas eu tive uma secreta esperança de que o Messi fosse para a Juventus jogar ao lado do Cristiano Ronaldo. Até sonhei com isso! Era a maior homenagem que se podia dar aos amantes do futebol. Messi e Ronaldo juntos na mesma equipa! Até pagavam para ver os treinos! Acho que, apesar da rivalidade entre os dois, o Cristiano ia gostar de jogar ao lado do Messi. Houve um tempo em que andavam picados, mas desde a Bola de Ouro de 2015 que houve uma aproximação. Sonhei acordado a ver os dois juntos na Juventus. Não será nesta temporada, mas ainda não perdi a esperança.

E desta nova geração, acha que o João Félix tem condições para ser o melhor?
O João é um génio, um talento. Mas no At. Madrid falta-lhe ganhar o estatuto. Eu quando lá cheguei também era um génio e consegui ganhar dimensão. Vamos ver se esta será a época definitiva de afirmação do João, mas para isso é preciso que ele tenha alguma liberdade em campo. O Simeone não pode mandar o João jogar tão atrás.

O Futre era um terror cada vez que iniciava jogadas de ataque e era complicado travá-lo. Quem foram os defesas adversários mais difíceis de ultrapassar?
Defrontei grandes jogadores e com alguns travei duelos interessantes. Mas tenho de fazer aqui uma separação entre os leais e os não leais. Naquele tempo existiam os chamados jogadores assassinos, os maldosos, que abusavam das entradas por trás, um perigo. E havia muitos! O Hugo Sánchez (ex-avançado do Real Madrid), por exemplo, até jogava com caneleiras na parte de trás das pernas. Nós, os jogadores mais talentosos, tínhamos de ter olhos na nuca. Não me esqueço daquela imagem do Maradona, quando jogava no Barcelona, e sofreu aquela entrada do Andoni Goikoetxea. Eram tempos difíceis, havia vários assassinos. Mas eu prefiro destacar os defesas leais, não quer dizer que também não fossem duros, mas não eram maldosos. Gosto de lhes chamar jogadores nobres.

Quem eram eles?
Em primeiro lugar destaco o Chendo, do Real Madrid, um grandíssimo jogador, leal, que era muito difícil de passar. Quando o defrontava pelo Atlético eram dérbis incríveis! Umas vezes ganhava ele, noutras ganhava eu. Lembro-me também do Thomas Berthold, o central da seleção alemã que defrontei algumas vezes. Era forte, rápido, grande, mas nobre. Era complicado passar por ele. Em Portugal, tenho de destacar o Pietra e o Veloso. O meu pódio dos defesas mais difíceis de ultrapassar é mesmo este: em primeiro lugar o Chendo, em segundo Berthold e, no terceiro, o Pietra e o Veloso. Não eram jogadores assassinos, de partir pernas, eram futebolistas nobres.

Se a melhor versão do Paulo Futre jogasse na atualidade podia rivalizar com Ronaldo e com Messi?
Não, não me posso comparar a Cristiano Ronaldo e Lionel Messi. Não fui um jogador qualquer e se calhar ficava-me bem dizer que sim. Mas não. O melhor Paulo Futre talvez estivesse no patamar imediatamente abaixo desses dois gigantes, ao lado do Neymar, por exemplo. Ronaldo e Messi são de outro planeta, o que fazem é incrível, os números que atingiram são impossíveis de superar. Como eles talvez mesmo só o Maradona. Ou recuando um pouco atrás, o Pelé, o nosso Eusébio, o Di Stéfano e também o Johan Cruijff. O Cruijff também era um génio. Mas na atualidade, Ronaldo e Messi são únicos. Um dia quando deixarem de jogar e for feita a eleição do melhor jogador de sempre, eles vão estar nos dois primeiros lugares.

E quem foram os seus grandes ídolos de infância e da juventude?
O meu grande ídolo foi sempre o Chalana, porque era português, porque via os jogos dele ao vivo no estádio e porque queria ser como ele. Era um jogador enorme, que fintava com as ancas, e eu tentava imitá-lo. Tinha um jogo de cintura fenomenal. Depois quando tinha 16 anos, no Mundial de 1982, perdi-me de amores pelo Maradona, claro, mas também pelo Bruno Conti, da seleção italiana, um jogador fino, cheio de classe. Lembro-me que todos os meus amigos torciam na altura pelo Brasil, mas eu puxava pela Itália por causa do Conti. E deram-me uma grande alegria quando venceram o Brasil por 3-2, com três golos do Paolo Rossi.

E qual foi o maior craque que teve como colega de equipa?
Ui! Foram tantos. Podia dizer uma mão-cheia deles, mas escolho o Madjer. Que jogador, meu deus! Acho que foi o futebolista mais completo com quem joguei, arrisco até dizer que era mais completo do que o Maradona. O Madjer era um génio, um futebolista completo. Era de cabeça, de pé direito, de pé esquerdo. Ele fazia coisas com o pé esquerdo que eu, canhoto, não conseguia fazer. Quando estávamos os dois no FC Porto, eu perguntava para mim mesmo: "Como é que este gajo faz isto?" Era incrível.

Suponho que ouviu centenas e centenas de elogios. Mas houve algum que o tivesse marcado e que ainda hoje recorde?
Ouvi muitos, felizmente. Mas há uma frase que guardo para sempre porque me marcou muito. Foi quando o presidente do FC Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa, me contratou e disse que o FC Porto ia ser o Futre e mais dez. Levanta o moral de qualquer um, e naquela altura foi muito importante ter uma prova de confiança daquelas, porque eu era um miúdo de 18 anos. Podia ter dado errado. Mas a verdade é que anos depois foi mesmo o Futre e mais dez. O Pinto da Costa não se enganou.

Três grandes de Portugal, At. Madrid, AC Milan e Marselha foram alguns dos clubes que representou. Mas houve também a hipótese do Real Madrid e do Barcelona, certo?
É verdade, podia ter jogado no Barcelona e no Real Madrid. O Barcelona tentou a minha contratação numa primeira fase quando eu estava no FC Porto, depois da final de Viena. As coisas entre clubes chegaram a estar bem encaminhadas, mas não avançaram. Depois quando estava no Atlético voltaram à carga, mas o Jesús Gil y Gil recusou. Com o Real a coisa foi mais séria e esteve quase concretizada. Chegámos a ter quase tudo acertado. Foi naquele ano em que rebentou a bronca do caso de corrupção com o Marselha. O Real quis contratar-me, mas eu tinha uma cláusula antirrival com o At. Madrid que me impedia de representar os dois grandes de Espanha. Liguei ao Gil e ele disse-me que podia decidir o que quisesse. Estava tudo certo entre Marselha e Real Madrid e eu pronto para assinar. Mas houve ali um momento que mudou tudo. Fui à casa de banho e olhei para os meus filhos. Olhei para eles e pensei: o que vai ser deles se eu aceitar jogar no Real depois de tantos anos no Atlético? Vão precisar de um guarda-costas. Se eu tivesse assinado pelo Real Madrid, ia precisar de guarda-costas para mim e para a família. Como é que íamos viver em Madrid e lidar com os adeptos do Atlético? Saí da casa de banho e disse que não assinava. E ainda bem. Hoje sou respeitado em Madrid por todos e um exemplo para os adeptos do Atlético.

Que sonhos ficaram por realizar?
Ficaram dois sonhos por realizar: ser campeão espanhol pelo Atlético Madrid e fazer alguma coisa boa pela seleção nacional. Infelizmente não consegui nem uma nem outra.

A Liga 2020-21 já arrancou numa época marcada por muitas caras novas e grandes nomes, não só nos três grandes. Entre os reforços assegurados pelas várias equipas, em quais deposita mais esperanças?
No Sporting tenho alguma fé no Pote (Pedro Gonçalves, médio ex-Famalicão). No Benfica acho que o craque será o Cebolinha (Everton Soares, ex-Flamengo). E no FC Porto, o Evanilson (ex-Fluminense). Depois, claro, podemos ainda falar do Ricardo Quaresma, uma grande contratação do V. Guimarães, e do Nico Gaitán, um reforço que vai fazer com certeza a diferença no Sp. Braga.

É um bom sinal para a Liga portuguesa o regresso de nomes como Quaresma, Gaitán e Javi García para clubes fora da esfera dos três grandes, apesar de já terem uma certa idade?
Sim, sem dúvida. São bons reforços e grandes nomes, e é de louvar que tenham sido assegurados por clubes fora da área de intervenção dos três grandes. O Quaresma, à parte da sua idade [36 anos], era um jogador que tinha mercado noutros lugares e, se calhar, propostas financeiramente superiores à do V. Guimarães. Mas deve ter pesado o facto de querer regressar a Portugal. O mesmo se passa com o Nico Gaitán. Há muitas pessoas que olham para o bilhete de identidade, dizem que estão velhos. Mas a melhor resposta a quem defende isso da idade é o exemplo do Pepe, que aos 37 anos, para mim, na época passada, foi o melhor central do campeonato português. Isto já não é como no meu tempo, que aos 29 ou 30 anos estávamos acabados para o futebol. Agora é tudo diferente. Os treinos, a alimentação, as tecnologias ao serviço do futebol... isso permite aos jogadores estenderem a carreira. Já nem falo daqueles dois extraterrestres. O Cristiano Ronaldo está com 35 e o Messi com 33, e ninguém os supera. Hoje em dia um jogador de futebol com 35 ou 36 anos não é velho.

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