Alegre arrasa Costa: "Estado deve proteger os cidadãos, não proteger-se a si próprio"  

Falando ao DN, o histórico socialista insurge-se duramente contra a nova prioridade dada a cerca de mil titulares de órgãos de soberania no plano de vacinação. Governo aprova novas medidas de confinamento: é proibido viajar para o estrangeiro

Manuel Alegre, histórico dirigente do PS, ex-deputado, ex-conselheiro de Estado e ex-candidato presidencial (duas vezes), está indignado e perplexo com a forma como um vasto grupo de titulares de cargos em órgãos de soberania foi decretado prioritário no plano nacional de vacinação anti-covid-19.

Falando ao DN, Alegre começou por salientar que não alinha no "populismo" e na "demagogia" dos que defendem que nenhum titular de cargo político devia merecer tratamento prioritário na vacinação.

Em seu entender, titulares de cargos como o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República e o primeiro-ministro, bem como alguns ministros "essenciais" na gestão da atual crise pandémica (Finanças, Economia, Saúde, entre outros) deveriam estar à cabeça da lista das pessoas a serem vacinadas já.

Contudo - acrescenta - o que aconteceu é que o Governo, ao redefinir prioridades, "passou do zero para o oitenta", incluindo na lista prioritária, por exemplo, todos os 230 deputados e ainda os titulares das magistraturas judiciais e do Ministério Público, bem como os 308 presidentes de câmara.

Ontem, anunciando as novas prioridades do plano, o seu coordenador, Francisco Ramos, disse que a vacinação contra a covid-19 dos órgãos de soberania deve estender-se a aproximadamente a mil pessoas.

"Aquilo que está previsto, e tendo sido determinado que a execução do despacho do primeiro-ministro compete à task force", é que nas próximas semanas as vacinas que há para administrar a esse grupo serão suficientes para 1.000 pessoas. O que será trabalhado nos próximos dias é perceber as prioridades indicadas por cada órgão", afirmou Francisco Ramos.

Para Manuel Alegre, esta prioridade só significa que o Estado definiu prioridades a pensar essencialmente em si mesmo. "O Estado deve proteger os cidadãos e não proteger-se a si mesmo", afirmou ao DN.

Critério "80-80-80"

No seu entender, "esta prioridade dada ao aparelho de Estado" implicará que irá "passar à frente daqueles que são mesmo prioritários".

E esses são "os profissionais de saúde, tanto do público como do privado e ainda as pessoas com mais de 80 anos". O critério deveria ser, assim, para o antigo conselheiro de Estado (que tem 84 anos), aquele que se resume na fórmula "80-80-80": "Oitenta por cento dos profissionais de saúde e 80% das pessoas com mais de 80 anos vacinados até ao final de março".

Manuel Alegre recorda que o primeiro-ministro António Costa se comprometeu na UE a seguir estas prioridades .

Mas agora, face a um novo grupo prioritário, "ainda não foi dito como isto se irá fazer". "Com esta mobilização geral para o Estado ser vacinado e a escassez de vacinas não se percebe como isto vai acontecer".

Alegre recomenda ao Governo que dê atenção a especialistas como Constantino Sakellarides (antigo diretor-geral da Saúde), Filipe Froes (pneumologista), Pedro Simas (virologista) e António Silva Graça (médico infecciologista). "Estamos numa situação de emergência nacional. É necessário unir todos os esforços e reunir todos os recursos e fazê-lo sem preconceitos de natureza nenhuma".

Na conferência de imprensa onde apresentou a reordenação das prioridades na vacinação, Francisco Ramos disse que todas as pessoas com mais de 80 anos de idade vão ser incluídas na primeira fase do plano.

"Aquilo que fica integrado no plano é manter o grupo dos 50 aos 79 anos com as comorbilidades, mas incluir também nesta fase 1 todas as pessoas com mais de 80 anos, independentemente de qualquer comorbilidade ou patologia que tenham", adiantou o antigo secretário de Estado da Saúde.

O coordenador explicou a alteração introduzida no plano de vacinação com o reforço das metas definidas pela Comissão Europeia na última semana, que apontou à vacinação de pelo menos 80% das pessoas com mais de 80 anos e os profissionais de saúde contra a covid-19.

"Aquilo que temos garantido são 2 214 000 doses a receber até final de março. Para atingir este objetivo vamos precisar de 1 642 000 doses para vacinar por completo 800 mil pessoas e 520 mil para iniciar a vacinação. É possível atingir este objetivo com as doses que temos contratadas com a Pfizer, a Moderna e na expectativa de que a vacina da AstraZeneca seja aprovada", notou.

Ontem também, o Parlamento aprovou a renovação do estado de emergência até 14 de fevereiro para permitir medidas de contenção da covid-19, com votos favoráveis de PS, PSD, CDS-PP e PAN. A deputada não inscrita Cristina Rodrigues também votou a favor e o BE voltou a abster-se. PCP, PEV, Chega, Iniciativa Liberal e a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira mantiveram o voto contra.

Ao fim da tarde, após mais uma reunião do Conselho de Ministros, o Governo anunciou as novas medidas - sendo que se mantém o dever de confinamento geral e, por exemplo, a obrigatoriedade do teletrabalho.

Uma das principais decisões foi a de retomar, a partir do próximo dia 8 de fevereiro o ensino online, atualmente proibido visto ter sido decretada uma "suspensão letiva" que irá vigorar até dia 5. A próxima alteração do calendário será o cancelamento das mini férias do Carnaval (dias 15, 16 e 17 de fevereiro).

Viagens proibidas

O Governo apertou ainda mais as medidas de confinamento, nomeadamente proibindo os portugueses de, "por qualquer via", viajarem para o estrangeiro (exceto por razões de força maior). "Sabendo que Portugal está neste momento com um número de casos muito elevado, pareceu-nos ser um bom exemplo mostrar esta disponibilizar para o país se autolimitar nas saídas", disse a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva. No entanto, as entradas em Portugal continuarão a ser permitidas, mas com controlo nas fronteiras.

O Governo decidiu também que doravante o SNS pode contratar médicos formados no estrangeiro.

Pelas 20.00, o Presidente da República leu uma mensagem ao País onde avisou que o confinamento pode ser "mais longo do que se esperava". "Não vale a pena fazer de conta. O que fizermos até março determinará a primavera, o verão e talvez o outono", afirmou Marcelo, na sua primeira mensagem presidencial depois de reeleito, domingo passado.

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