Um ano de covid no mundo. As oito palavras que mudaram as nossas vidas
A vida feito num oito. É assim que estamos em Portugal desde há oito meses, quando o coronavírus se instalou oficialmente, numa sexta-feira 13 em que o primeiro-ministro falou ao país, anunciando o fecho das escolas, o estado de alerta, depois o de emergência. Era março de 2020. Parece noutra vida? Parece. E na altura quase acreditámos que em poucos meses "ia tudo ficar bem". Mas aqui na cauda da Europa, Portugal só apanhou mais tarde com as ondas de choque que se formam formando nos outros países, entre janeiro e fevereiro. E antes desses, o problema parecia confinado à China, que em dezembro de 2019 anunciava oficialmente a existência "de um novo coronavírus", cujos primeiros casos foram detetados numa cidade que, até então, era desconhecida para muitos: Wuhan.
Mas o primeiro primeiro caso conhecido de covid-19 remonta a 17 de novembro. Faz hoje um ano. De acordo com uma investigação do jornal de Hong Kong "South China Morning Post", aconteceu na província chinesa de Hubei. Segundo o jornal, uma pessoa de 55 anos foi o primeiro caso identificado, (informação que desafia a versão oficial) que aponta o aparecimento da doença em finais de dezembro, com vários casos de contaminação ligados a um mercado de marisco, situado nos subúrbios de Wuhan, a capital de Hubei.
O jornal de Hong Kong cita dados do Governo chinês, que apontam para a existência "entre uma e cinco infeções por dia até 15 de dezembro". A 20 já havia 60 infetados, segundo apurou a mesma fonte.
A verdade é que nenhuma das nove primeiras infeções - quatro homens e cinco mulheres - foi identificada como o "paciente zero", segundo os dados citados pelo jornal. Essas nove pessoas tinham entre 39 e 79 anos de idade, e embora não se saiba quantos eram moradores em Wuhan, foi aí que o surto se alastrou. E foi daí que se foi espalhando pelo mundo inteiro, provocando até hoje 55192409 infetados e um total de 1330205 mortes. Não se conhecem ainda os efeitos que o vírus deixa em quem contraiu a covid-19 (provocada pelo sars_cov_2, assim se designou este coronavírus), nem tão pouco a duração da imunidade.
Nós, por cá, começámos a ouvir falar dele como hipótese remota, doença longínqua. Em janeiro, quando ainda não suspeitávamos que a Organização Mundial de Saúde (OMS) viesse a declarar a pandemia - justificada com "níveis alarmantes de propagação e inação" - as notícias tornaram-se mais frequentes. Mas só em fevereiro chegariam a Portugal os primeiros 20 cidadãos nacionais repatriados da China, e que ficaram em isolamento profilático "voluntariamente", então duas vezes testados. Nessa altura o vírus avançava, descontrolado, pelo mundo. Da europa chegavam notícias preocupantes, sobretudo de Espanha e Itália, aqui tão perto.
Depois de meses com casos suspeitos e não confirmados, e do primeiro português a contrair a doença num navio onde trabalhava, a notícia do primeiro caso em território nacional confirmou-se a 2 de março: um médico de 60 anos que estivera de férias em Itália. Logo a seguir, um homem de 33 anos, que se deslocara a Espanha em trabalho. Ambos eram oriundos do norte do país, que desde então tem sido a região mais afetada em número de casos de infeção. Só esta terça-feira foram 2063 novos casos.
Desde então tem sido uma alucinante viagem de avanços e recuos. O verão permitiu, por cá, alguma alívio (houve mesmo um dia sem nenhuma morte), mas desde outubro que a segunda vaga se faz sentir com cada vez maior incidência. Enquanto a crise sanitária fez nascer uma crise económica, há palavras que passaram a fazer parte do nosso léxico diário, não sabemos por quanto tempo. Escolhemos oito, tantas quantos são os meses em que um inimigo invisível nos arrastou para uma guerra que ninguém esperava.
Ainda se lembram de quando a palavra de ordem era essa? Lavar as mãos. Muito bem, muitas vezes. Não tocar com elas na cara, muito menos na boca, nos olhos, no nariz, porque o vírus fazia-se (faz-se) transportar assim. Não só mas também. De repente, esgotavam os desinfetantes nas farmácias e nas lojas. O mercado não tinha álcool-gel (também não tinha máscaras nem outro tipo de EPI - equipamento de proteção individual - mas isso foi mais tarde), que foi preciso produzir em massa. As cidades e vilas iam sendo desinfetadas à medida do que víamos lá fora, na China, por exemplo, em que homens pulverizavam tudo o que era estático. Também fizemos o mesmo.
Era um elemento que muitos só conheciam das séries policiais, que a comunidade científica e médica usava com parcimónia. Essa espécie de cotonete comprido tornou-se precioso. É assim que é possível testar, testar, testar. Em abril, quando o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, visitou uma fábrica em Famalicão, estava longe de imaginar que, seis meses depois, viria a utilizar uma dessas 50 mil unidades produzidas por dia em Portugal, pois que testou positivo à covid-19. Até agora foi o único membro do governo infetado. Entretanto, também é possível diagnosticar a doença através de testes serológicos (exames ao sangue), e num mundo em mudança, anunciam-se os "testes rápidos", que em 15 minutos permitem obter um resultado.
Graça Freitas aparecia poucas vezes na televisão. A diretora-geral da Saúde era esporadicamente exposta a perguntas, a propósito de um ou outro caso de saúde pública. Mas desde março passou a ser presença assídua, com a mesma cadência das conferências de imprensa, ao lado da ministra da Saúde, Marta Temido, do secretário de Estado, António Lacerda Sales, ou de outros quadros da Saúde. Em alinhamento com as dúvidas que o vírus levanta, desde há um ano, foi dizendo e desdizendo o que os portugueses deveriam fazer, para se protegerem. Ficou célebre a descrição da máscara como "um bocado de pano que só iria criar uma falsa sensação e segurança", quando pouco tempo depois passou a ser de uso recomendado, e até obrigatório. Não se cansa de apelar ao distanciamento, como forma de complementar a prevenção. Ao mesmo tempo, entravam em ação por todo o país os delegados de saúde - autoridade de saúde pública - de que quase ninguém ouvia falar. No tempo que corre, tornaram-se protagonistas maiores do sistema.
Também poderia ser isolamento, mas optámos por esta, mais abrangente. Não é um período de 40 dias (como noutro tempo, noutras pandemias, noutros contextos), mas sim de 14 dias contados a partir do momento em que é suposto ter contactado com um portador de infeção.
Tal como quarentena e isolamento, não gostaríamos de a usar. Em março e abril tornou-se na arma mais eficaz para "achatar" a curva de novos casos de infeção, aliviando assim a pressão nos hospitais. Por estes dias, está a tornar-se o último recurso na tentativa de travar o galopante aumento de casos. E então passámos do estado "Portugal não aguenta" um novo confinamento para a inevitabilidade gerida à luz da economia. Durante a semana trabalha-se, quase normalmente, ao fim de semana a partir das 13 horas é tempo de recolher. O critério é de 240 novos casos de covid-19 por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias. À data de hoje, 80% dos portugueses estão em confinamento parcial, num total de 191 concelhos abrangidos. O número será revisto na próxima semana. Os mais pessimistas apostam num novo confinamento geral em dezembro, o governo prefere, para já, empenhado em "salvar o natal", se ainda formos a tempo.
Poucos sabiam deles, porque chegar aos Cuidados Intensivos de um hospital era - e ainda é - o que ninguém desejava. Mas a Covid-19 trouxe também para a ribalta os médicos especialistas nesta fase de intervenção. Em abril, ficámos a saber que Portugal tem cerca de 250 médicos intensivistas, embora existam outros profissionais aptos para manusear ventiladores, nomeadamente anestesiologistas, pneumologistas e internistas. O dicionário define-os como "especialista no tratamento de pacientes que estão em estado crítico e que precisam de vigilância permanente; profissional especializado em medicina intensiva". Os que salvam a vida, afinal.
Nas fábricas, era um termo tão conhecido como temido pelos operários. Até abril desde ano a palavra fazia parte do léxico laboral, mas era pouco utilizada fora do ambiente industrial. De repente, a pandemia mostrou a todos o seu significado. Não houve praticamente nenhuma profissão de fora, entre pequenos negócios e grandes empresas. Uma espécie de operação de urgência à vida da economia portuguesa atingiu em maio mais de 100 mil empresas. São "apoios extraordinários à manutenção do contrato de trabalho", que se traduzem numa redução de rendimento para os trabalhadores, mas mantêm o emprego. Nesta segunda vaga da pandemia, o Orçamento do Estado (OE) deve incluir uma nova prestação social e o lay-off pago 100%. Porque não se sabe quanto tempo vai durar.
Era uma prática já conhecida lá fora, mas em Portugal poucos a adotavam. Com exceção de profissões específicas e normalmente em regime freelancer (jornalistas, designers, tradutores), a maioria dos portugueses não concebia trabalhar em casa, sem ir ao escritório. Até que 2020 foi a odisseia no espaço do trabalho. De repente, ficou ténue a linha entre a vida pessoal e profissional, foi preciso criar novas rotinas, uma total mudança de paradigma. O dia passou a fazer-se não só de reuniões e relatórios mas também de videochamadas, plataformas várias em que o zoom se tornou o centro das atenções. O mundo mudou. Hoje já sabemos que, por cá, não vai ficar tudo bem (porque perderam-se quase tantos empregos só em março e abril como em 2008 e 2009, porque já morreram 3.553 pessoas, há 77.126 casos ativos, mas dos 230 124 casos confirmados, quase 150 mil já recuperavam da doença. Só não sabemos se para sempre.