Professores iniciam 3.º período "mais preparados", mas esperam aulas na TV para tomar decisões

Alunos e pais mostram-se mais tranquilos, à exceção daqueles que frequentam anos decisivos como o 11.º e o 12.º. E os professores garantem ter agora melhores condições para chegar aos alunos através do ensino à distância, mas pedem mais informação sobre aulas na TV para chegarem àqueles sem recursos informáticos.

A forma como as escolas estão a responder aos tempos de mudança a que foram obrigadas já valeu largos elogios aos professores. Na semana passada, o primeiro-ministro deu os "parabéns à comunidade educativa, que reinventou os processos de aprendizagem à distância, tendo conseguido concluir com sucesso o 2.º período". Os próprios reconhecem que a classe está motivada, apesar dos elevados desafios que se impõem. Por isso, garantem ter arrancado nesta terça-feira (14 de abril) o 3.º e último período mais preparados do que nunca para ensinar à distância. Mas há entraves a uma partida perfeita na pista, dizem: até serem conhecidos os conteúdos das aulas que passarão a ser transmitidas na RTP Memória na próxima segunda-feira (dia 20), é preciso cautela na organização das aulas.

O final do passado período apanhou toda a comunidade escolar desprevenida e os docentes "viram-se obrigados a preparar as duas últimas semanas de aulas da noite para o dia". Ainda antes do anúncio oficial do governo, já as escolas previam que o ensino à distância tinha vindo para durar até ao final do ano letivo. Prevalecem, contudo, vários problemas para mitigar: os alunos e professores sem material informático, o excesso de TPC e a impossibilidade de realizar os tradicionais testes de avaliação. Assim, desta vez adiantaram-se e a interrupção letiva das férias da Páscoa que terminou nesta terça-feira foi de mais trabalho do que o habitual, confessa Pedro Tildes, professor e diretor na Escola Secundária de Bocage, em Setúbal.

"Entramos neste 3.º período mais preparados", não hesita em dizer. As várias reuniões na escola ao longo das últimas semanas permitiu "avaliar sobretudo as ferramentas para comunicar com os alunos", depois de perceberem que "houve uma grande dispersão de ferramentas, mais dramática no ensino básico, em que há mais disciplinas". No estabelecimento de ensino que o professor de 55 anos gere, os docentes reuniram-se para "decidir quais as mais eficazes e focar a comunicação".

Os professores "estão com muita vontade de que isto corra bem". É como se lhes tivessem passado uma receita metade cozinhada, outra metade por cozinhar, compara. "Do início ao fim, talvez soubéssemos fazê-lo muito bem, mas pegando na receita a meio", o desafio é outro.

O mesmo acontece na escola de Rui Correia, nas Caldas da Rainha. O docente de História da Escola Básica de Santo Onofre, eleito o professor do ano em 2019, descreve o primeiro dia deste último período com o registo de uma "tranquilidade generalizada entre pais e alunos", e motivação da parte dos professores. "Se há alguém nervoso agora são os professores", admite. Acima de tudo, "estão com muita vontade de que isto corra bem". É como se lhes tivessem passado uma receita metade cozinhada, outra metade por cozinhar, compara. "Do início ao fim, talvez soubéssemos fazê-lo muito bem, mas pegando na receita a meio", o desafio é outro.

Na opinião do professor Pedro Tildes, o problema vai além da capacidade para lidar com plataformas digitais. Aliás, confessa que a experiência "até correu melhor" do que esperava inicialmente. Por isso, a formação que o governo anunciou nesta segunda-feira para docentes de cerca de 750 agrupamentos não deverá apaziguar a classe como esperado. "Aquilo que nos preocupa como professores do básico e do secundário são as questões da didática e do planeamento, porque a realidade do ensino à distância é, de facto, muito distinta da componente presencial", remata.

Professores aguardam indicações sobre aulas na TV

Isso e o que virá da transmissão de conteúdos pedagógicos na televisão. Uma iniciativa desenhada para chegar aos alunos que não têm acesso a computador ou internet, que servirá como complemento à pedagogia diária e que passa a ser transmitida todos os dias úteis a partir de 20 de abril, na RTP Memória.

Apesar de elogiarem a medida, os diretores de escolas mostram reservas quanto a este complemento ao ensino. Na opinião do presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima, "é urgente que o ministério faça chegar às escolas os conteúdos que vão ser transmitidos", correndo o risco de estar a criar um mecanismo de apoio que "pode não ser rentabilizado" pelos professores. "Gostava de saber o que vai ser lecionado, porque sem saber o conteúdo não conseguimos articular as aulas de acordo com isto", junta-se ao apelo o professor Pedro Tildes.

Está quarta-feira, o primeiro-ministro e ministério da Educação irão fazer a apresentação oficial dos conteúdos transmitidos, através do estúdio da RTP onde serão gravadas as aulas.

Na escola do professor Rui Correia, a curiosidade dos alunos é muita, mas "essencialmente prática". "As perguntas que fazem são sobre o que têm de fazer obrigatoriamente", que aulas devem ver, conta. Apesar de se tratar de um meio unidirecional, não prescinde do trabalho complementar com os professores, para consolidar matérias.

O ensino à distância vem provocar "uma revolução coperniciana ao papel do professor".

Para Rui, um ensino bidirecional é a única forma de ensinar bem e a mudança a que a escola atualmente assiste vem prová-lo. Há cerca de um ano, era galardoado com o prémio nacional do Global Teacher Prize, conhecido internacionalmente como o "Nobel da Educação". Entre mais de 200 candidaturas, foi eleito pelas formas que inventou de manter os alunos sempre atentos. E ainda que admita que esta tarefa é dificultada com a distância - "não consigo voar", ri-se -, é também o momento para "uma revolução coperniciana ao papel do professor".

Rui acredita que "a​​​​ ideia de que tem de se dar aulas muito bem, irrepreensivelmente, é posta por terra com este sistema", em que os professores deixam de ter tanta capacidade de oratória para enveredarem por políticas mais dinâmicas. "Não interessa nada que eu diga as coisas muito bem e as apresente muito bem, importa que aprendem. E a distância permite isto, que os professores se sentem ao fundo da sala e ouçam", remata.

Alunos sem exame mais tranquilos, secundário mais apreensivo

O primeiro dia do 3.º período "é cedo" para analisar como se sentem os estudantes em relação às medidas recentemente anunciadas para as escolas e ao futuro. Mas a opinião é unânime entre professores: "Distinguimos facilmente os alunos que vão ter exames e aqueles que não", diz o professor Pedro Tildes. Os primeiros "mostram-se mais ansiosos" e os pais deles também, "com a perspetiva de os filhos regressarem à escola em maio".

O primeiro-ministro admite ainda não haver condições para fixar uma data no regresso às escolas para os dois últimos anos do ensino obrigatório, tendo por base a informação atualmente disponível. No entanto, o cenário predileto é que o ambiente esteja minimamente seguro em maio para poder estudar este regresso, mas só dos 11.º e 12.º anos.

Para já, toma-se por certo que os exames nacionais do secundário vão ser realizados, embora em datas distintas das inicialmente previstas.As provas decorrerão, na primeira fase, entre 6 e 23 de julho e, na segunda fase, entre 1 e 7 de setembro, o que "permite estender a atividade letiva até ao dia 26 de junho", anunciou António Costa. No entanto, os alunos só realizarão os exames que necessitam para o acesso ao ensino superior. A restante avaliação será assegurada pela nota interna.

O jovem aluno do 12.º ano André Monteiro aplaude as alterações. "Foram ao encontro não só das minhas expectativas mas também da maioria dos meus colegas", confirma o presidente da Associação de Estudantes da Escola Secundária Almeida Garrett, em Vila Nova de Gaia. Em entrevista ao DN, lembra que a ansiedade existe para muitos alunos da sua idade.

Em ciclos de escolaridade inferiores, por outro lado, vive-se "uma tranquilidade generalizada". "As pessoas estão mais ou menos tranquilas, tanto encarregados de educação como alunos, independentemente das apreensões para saber como tudo se vai processar", diz o professor Rui Correia. Acredita que se deve "à noção que os alunos têm de que os professores não irão fazer absolutamente nada que ponha em causa a equidade da avaliação, não vão avaliar sem considerar as contrariedades que possam surgir da inexistência de equipamento, a dificuldade de acesso às tarefas".

Por esta altura, as escolas ainda "debatem as alterações aos critérios de avaliação", acrescenta Pedro Tildes, diretor da Escola Secundária de Bocage, em Setúbal. Formas de os classificar que não envolvam os tradicionais testes. Mas deixa uma mensagem de tranquilidade: "A avaliação, neste momento, não é o mais relevante, porque já temos dois terços do ano letivo cumprido. Não acredito que as notas desçam nesta altura tão crítica."

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