Rui inventou formas de manter os alunos sempre atentos. É o melhor professor do ano
É a segunda vez que este prémio é entregue em Portugal, um dos 17 países a albergar uma edição nacional do já conhecido internacionalmente como o prémio "Nobel da educação". Desta vez, ganhou um docente das Caldas da Rainha.
O professor Rui Correia, da Escola Básica de Santo Onofre/Agrupamento de escolas de Raul Proença, nas Caldas da Rainha, onde leciona História, é o grande vencedor da segunda edição do Global Teacher Prize Portugal 2019, um prémio que elege o melhor professor do ano. Esta edição contou com mais de 200 candidaturas e acima de 1500 recomendações submetidas por alunos, colegas e encarregados de educação, que resultaram na nomeação de dez finalistas, seis mulheres e quatro homens chegados de diferentes zonas do território nacional, de 18 distritos do continente e das regiões autónomas. O galardoado foi conhecido esta segunda-feira, numa cerimónia que decorreu no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa.
Rui Correia confessa-se "um piegas", por isso o discurso foi emocionado. Mas teve coragem para chegar aos agradecimentos. "Quero dedicar aos meus alunos. Obviamente que são os responsáveis por eu estar aqui. É uma honra e um grande prestígio", começou por dizer. E aproveitou para lembrar: "Nós não somos os melhores professores do país, somos alguns dos melhores. E não precisamos de sair das nossas escolas para os ver."
É padrinho de casamento de antigos alunos e até visita os atuais em casa quando é necessário. Manter a atenção de um aluno durante 45 ou 90 minutos (os tempos médios de duração de cada aula) não é tarefa fácil, mas Rui Correia aceitou essa como a sua missão. "O meu projeto envolve muito a ideia de que ninguém aprende sem estar amavelmente comprometido com o ato de aprender. Eu tenho um grande adversário, que é o aluno que sente que não tem de saber coisas. E o querer saber, para mim, é um ponto essencial", começou por explicar aos jornalistas.
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"Acredito que quando estamos a dar uma entrevista, por exemplo, o jornalista pensa em 700 coisas enquanto estamos a falar e isso faz parte. A questão é: isso é condenável? E se não é condenável dentro destas circunstâncias, por que há de ser condenável numa sala de aula? A distração faz parte dos processos de aprendizagem. Por que é que eu hei de estar uma aula inteira só a falar de um assunto qualquer, por muito interessante que seja? Isso não vai acontecer. Eles não vão estar interessados este tempo todo. Tenho alunos que são capazes de ficar uma semana a ouvir-me, mas eu não quero dar aulas a 75% da turma, eu quero dar aulas para toda a gente", esclarece.
E "se isto parecia irrealista", confessa, Rui descobriu "que não".
O professor das Caldas da Rainha experimenta mecanismos que garantam que os alunos estejam o máximo de tempo possível interessados no que estão a aprender. "Faço-o garantindo que os ciclos de atenção são constantemente reativados. Dou 15 minutos de aula, por exemplo, e eles tê de me dizer o que acharam mais interessantes daqueles minutos. E o resultado prático daquilo é que aquilo que m não ouviu, o outro ouviu e nós começamos ali a montar um puzzle que faz com que todos estejam a participar. E isto tem um nome: chama-se 'querer saber'. E quando alguém quer saber é muito difícil que não venha a aprender", explica.
Ou pede aos alunos para escreverem um resumo do que é lecionado a cada 15 minutos numas páginas amarelas - até premiando os melhores resumos - ou oferece-lhes pequenos quadros brancos e "copos semáforos" através dos quais mostram se estão a perceber ou mesmo a gostar do que lhes está a ser ensinado. No final, conta, o "essencial" é mesmo não deixar que os alunos desistam de si próprios. Rui Correia garante que está "muito mais interessado em construir uma atmosfera em que eles se sintam confortáveis em aprender coisas do que em ensinar a terceira dinastia". "E, atenção, é muito importante saber a terceira dinastia", brinca com a situação.
Ganhou um cheque de 30 mil euros para iniciar um projeto educativo, mas ainda nem sonha qualquer plano. "Ainda vivo a 20 centímetros do chão, por isso, se me quiserem encontrar eu estarei a flutuar algures por aqui."
"A valorização do professor é uma forma de o responsabilizar"
Os professores portugueses e os seus desafios
O comediante Ricardo Araújo Pereira foi quem apresentou a cerimónia. Começou com o humor a que já habituou o público. "Há um certo sabor de vingança por ter passado "toda a vida a olhar para professores e agora ter professores a olhar" para ele.
É a segunda vez que Portugal se torna um dos países no mundo (atualmente, 17) a celebrar uma edição nacional do conhecido por ser o "Nobel da Educação", o Global Teacher Prize internacional. Na primeira edição portuguesa, em 2018, foi Jorge Teixeira, professor de ciências do ensino secundário público, em Chaves, o vencedor. E entrou, inclusive, para o Top 50 de finalistas a nível mundial.
Os finalistas desta edição lecionam em diferentes níveis de ensino, do pré-escolar ao 12º ano, no ensino público ou privado, a exercer em Portugal ou em instituições nacionais. Todos eles procuram métodos de ensino alternativos com vista à valorização do ensino, adaptado a todos. E Rui Correia não foi o único galardoado esta tarde. Também a professora nomeada Maria Inês Rodrigues recebeu uma menção honrosa e um cheque de cinco mil euros.

De 200 candidaturas resultaram dez finalistas de vários pontos do país
© Sara Matos / Global Imagens
O júri do concurso é presidido por Álvaro Laborinho Lúcio e Afonso Mendonça Reis (membro do painel da edição mundial e fundador da edição nacional) presidem o júri deste ano, acompanhados dos jurados Pedro Carneiro (representante da comunidade científica), Sara Rodi (representante dos encarregados de educação), João Brites (representante dos alunos) e o professor universitário e psicólogo Eduardo Sá.
Afonso Mendonça Reis disse ter sido "empurrado" pelos colegas para trazer o evento até Portugal. E não hesitou, porque percebeu que precisava de motivar os professores do seu país.
"A educação pode ser o elevador social. E, de facto, quem tem a mobilidade social do país nas mãos são os professores. Tínhamos professores motivados, mas chegamos ali a 2013 e começámos a ver professores desmotivados. E se nós pudéssemos ter algo que motivasse novamente os professores?", pensou.
"O futuro invade-nos a escola e cada vez mais nos tira o poder"
O jurado honorário Álvaro Laborinho Lúcio acredita mesmo que "a valorização do professor é uma forma de o responsabilizar".
O célebre escritor e jurista português aproveitou ainda a oportunidade de estar em palco para falar sobre os desafios atuais de ser professor em Portugal. "O desafio que se coloca hoje aos professores portugueses é o futuro. E não é o futuro das crianças. O futuro já não está lá à espera. O futuro invade-nos a escola e cada vez mais nos tira o poder. E temos de saber pegar na nossa ignorância e através delas arranjar caminho para fazer o futuro."

© Sara Matos / Global Imagens
A cerimónia teve ainda espaço para receber o secretário de Estado da Educação, ainda que via Skype. João Costa sublinhou que os professores são das classes "em que os portugueses mais confiam" e que "apesar de tudo, temos um país e uma sociedade que reconhece os professores".
Lembra que os dez finalistas podem não ser, na realidade, os dez melhores do país - porque de fora ficam tantos outros igualmente bons -, mas "são o rosto de muitos que diariamente vão trabalhando nas escolas, com recursos limitados e contextos complicados, fazendo a diferença na vida dos seus alunos".
"Alguns são excelentes, alguns são péssimos e outros medianos. E, por isso, é importante reconhecer as boas práticas", frisa.