Rússia executa “ataque revelador” e rejeita tropas ocidentais na Ucrânia

Através do terceiro maior ataque aéreo desde o início da guerra e de novas declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros, a Rússia sinalizou que não vai parar de atacar a população ucraniana, por um lado, e de que não está interessada em abdicar das suas reivindicações maximalistas. Desta vez, Sergei Lavrov voltou a pôr em causa a legitimidade do presidente ucraniano para assinar um acordo. O qual, segundo fontes russas ouvidas pela Reuters, confirmam que Vladimir Putin mantém os mesmos objetivos de quando lançou a “operação militar especial”. A Rússia lançou um ataque maciço a várias regiões da Ucrânia na noite de quarta para quinta-feira, com o lançamento de quatro dezenas de mísseis de cruzeiro e balísticos e mais de 500 drones. Apesar dos números elevados de armas utilizadas e de várias zonas residenciais terem sido atingidas, em especial em Lviv, os números de vítimas não foram tão elevados quanto se poderia temer: um morto e 26 feridos. A grande maioria dos feridos deu-se num ataque por mísseis em Mukachevo, na Transcarpátia, onde um dos mísseis atingiu uma empresa norte-americana. “Era um negócio civil normal, apoiado por investimento americano, que produzia artigos do dia-a-dia, como máquinas de café. E ainda assim também foi um alvo para os russos. Isto é muito revelador”, reagiu num primeiro momento o presidente ucraniano. .614Aeronaves não tripuladas de ataque e de mísseis que a Rússia lançou na noite de quarta para quinta-feira. Segundo Kiev, 31 dos 40 mísseis foram abatidos..Mais tarde voltou ao tema. “Um ataque muito revelador, tal como este ataque maciço, justamente quando o mundo espera uma resposta clara da Rússia em relação a negociações para pôr fim à guerra.” Continuou: ”Neste momento, os sinais que vêm da Rússia são escandalosos. Estão a tentar evitar a necessidade de realizar uma reunião. Não querem pôr fim a esta guerra”, considerou Volodymyr Zelensky.Poucos sabem o conteúdo da conversa entre Donald Trump e Putin no Alasca. No entanto, segundo três fontes russas consultadas pela Reuters, o russo só cede parcialmente numa questão ao apresentar as suas exigências: agora diz que ficaria satisfeito com as atuais linhas da frente nas regiões de Kherson e de Zaporíjia, e que retiraria das bolsas invadidas nas regiões de Sumy, Kharkiv e Dnipropetrovsk. Mas em troca exige a retirada total dos ucranianos do Donbass, que Kiev abandone a ambição de pertencer à NATO - bem como a aliança se comprometa em não avançar mais para leste -, que as forças ucranianas não se rearmem e que tropas ocidentais não entrem em território ucraniano. Sobre a questão territorial, comentou Boris Bandarev, antigo diplomata russo que se demitiu após a invasão da Ucrânia: “Alguns ainda sonham que, em troca de territórios, o Kremlin possa aceitar garantias de segurança para a Ucrânia, tolerar a presença de soldados de manutenção da paz, ou sequer permitir o contínuo armamento de Kiev. Isso é uma fantasia.” O chefe da diplomacia da Rússia voltou a ser o porta-voz do Kremlin pelo terceiro dia consecutivo. Desta feita, ao referir-se à eventualidade de uma cimeira entre Zelensky e Putin, Lavrov começou por lembrar que o líder russo “já disse várias vezes que está pronto para um encontro”. No entanto, depois de na véspera afirmar que tal só poderia acontecer com as negociações terminadas, ou seja, para selar-se um acordo com as assinaturas de ambos os líderes, recuperou na quinta-feira o argumento de que Zelensky não é o legítimo representante dos ucranianos quando se tratar de “assinar algo”. As “questões de legitimidade terão que ser resolvidas” antes de uma cimeira. Esta afirmação assenta em duas alegações: a primeira é a de que a revolta de 2014, que levou à fuga do presidente Viktor Yanukovich para a Rússia, “instalou” um regime ilegítimo, esquecendo que posteriormente se realizaram eleições competitivas; a segunda assenta no facto de o mandato de Zelensky ter expirado em maio do ano passado. O mesmo regime autoritário que manipula eleições - no fim das tabelas de ONG como a Freedom House - exige a realização de um escrutínio ao país que ataca. Mas as eleições são uma impossibilidade com a lei marcial em vigor, ou seja, enquanto a guerra continuar (e inclusive nos meses seguintes).Lavrov criticou ainda a “chamada coligação dos dispostos”, ao acusar os aliados de tentar minar o “progresso” feito entre Donald Trump e Vladimir Putin no Alasca e de “tentar desviar o foco da resolução das causas” da guerra. “Espero que esse tipo de aventureirismo europeu falhe”, afirmou. Depois de ter dito na véspera que a discussão de garantias de segurança para a Ucrânia sem a Rússia era um “caminho para lado nenhum”, foi mais explícito ao afirmar que o seu país não admite a presença de tropas de outros estados no país vizinho. “Uma intervenção estrangeira numa parte do território ucraniano seria totalmente inaceitável para a Rússia”, declarou. “Kiev e os seus representantes não estão interessados numa solução justa e duradoura”, acusou ainda. .Segundo o londrino The Times, chefias militares europeias pediram em Washington para os EUA enviarem caças F-35 para a Roménia, entre outras solicitações relacionadas com as garantias de segurança da Ucrânia.. Lavrov desenterrou a proposta rejeitada por Kiev nas conversações de 2022 em Istambul, segundo a qual “as garantias de segurança são fornecidas por igual” pelos países com assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, o que inclui a própria Rússia, e a China, que não consegue disfarçar o apoio a Moscovo. O detalhe que levou à rejeição de tal ideia é que, para as garantias serem acionadas, seria necessário unanimidade. Segundo um funcionário da administração Trump citado pelo The Guardian, a Casa Branca “desdenhou em privado” da proposta russa. O presidente ucraniano descartou a presença de Pequim como garante de segurança do seu país. “Em primeiro lugar, a China não nos ajudou a pôr fim a esta guerra desde o início. Em segundo lugar, a China ajudou a Rússia ao abrir-lhe o mercado de drones.” Ainda sobre este tema, Zelensky afirmou que é objetivo da sua presidência “compreender a arquitetura das garantias de segurança num prazo de sete a dez dias e, com base nisso, organizar uma reunião trilateral com os Estados Unidos e a Rússia”. Quanto ao local da reunião, é da opinião que tanto poderá ocorrer na Suíça, na Áustria ou na Turquia. “Acreditamos ser justo que a reunião se realize numa Europa neutra”, acrescentou. O que não é o caso de Budapeste. O primeiro-ministro Viktor Orbán, em conversa telefónica com Donald Trump, expressara o desejo de receber a cimeira na capital húngara, mas tal ideia “não é fácil” de digerir por Kiev devido ao estreitamento das relações entre a Hungria e a Rússia, sustentou. O londrino The Times trouxe mais luz à questão das garantias de segurança. Após a reunião na Casa Branca de Trump com os líderes europeus, comandantes militares reuniram-se em Washington para discutir a logística do apoio dos EUA. Ao chefe do Estado-Maior Conjunto norte-americano, Dan Caine, os representantes militares europeus pediram para a força aérea dos EUA transferir caças F-35 para a Roménia. Além disso, os países europeus querem garantias sobre a utilização de satélites dos EUA para recolha de informações, e que a promessa de fornecimento de sistemas de defesa aérea (sistemas e mísseis Patriot e Nasams) se concretize. Por fim, querem ter autorização para as aeronaves de reconhecimento de fabrico norte-americano poderem sobrevoar o Mar Negro. .Alemanha dividida sobre a hipótese de enviar militaresDestacamento de força para uma Ucrânia em paz é um desafio político e logístico para Berlim.A Rússia quer impedir o cenário de tropas de outros países em solo ucraniano num cenário pós-guerra, mas entretanto a discussão foi suscitada em vários países, com a Itália de um lado a rejeitar de forma liminar a hipótese, e do outro o Reino Unido, a França e a Alemanha a prontificarem-se para tal. No caso alemão, a questão é mais complexa e está a dividir políticos e sociedade, com a extrema-direita a tentar capitalizar os receios da população. O tema ficou em segundo plano, mas regressou em força nos últimos dias, em resultado de o presidente dos Estados Unidos ter proposto reuniões entre os líderes da Ucrânia e da Rússia, bem como de outra em que também estivesse presente. Para os parceiros europeus, a questão das garantias de segurança passa por materializar uma força de dissuasão com militares no terreno e apoio aéreo norte-americano. No que respeita a Berlim, em dezembro passado, a então ministra dos Negócios Estrangeiros Annalena Baerbock mostrava abertura ao envio de militares alemães para uma missão de manutenção de paz. A Alemanha, disse, “apoiará tudo aquilo que sirva a paz no futuro”, embora a sua visão não coincidisse com a do chanceler social-democrata Olaf Scholz. O seu sucessor tem um discurso menos preocupado em não afrontar Moscovo e, tal como a ecologista Baerbock, o democrata-cristão não excluiu a participação da Bundeswehr. Questionado na segunda-feira sobre o tema, Friedrich Merz disse apenas que “é muito cedo para dar uma resposta definitiva”. Tão ou mais desafiante que a coordenação internacional são os obstáculos internos para que tal se materialize, o que passa no plano político por convencer os parceiros de coligação e obter a aprovação parlamentar. Nada garantido, uma vez que há sociais-democratas a criticar tal ideia. “A Alemanha devia ficar fora deste assunto”, disse o deputado do SPD Ralf Stegner. A pressão vem também da extrema-direita, com a líder da AfD Alice Weidel a publicar nas redes sociais uma imagem do chanceler e de cinco jovens com a mensagem “Merz quer enviar-vos para a Ucrânia? Nós não!”. Segundo uma sondagem Forza para a RTL/ntv, uma ligeira maioria da população mostra-se favorável à missão de manutenção de paz (49% a favor e 45% contra). A própria CDU está dividida. O ministro dos Negócios Estrangeiros Johann Wadephul mostrou sérias dúvidas de que as forças armadas, que estão em fase de investimento mas cujos recursos humanos não têm aumentado, tenham capacidade para tal. “Somos o único contribuinte de tropas europeu a estacionar uma brigada pronta para combate na Lituânia. Provavelmente seria excessivo para nós fazer isso e também estacionar tropas na Ucrânia”, afirmou o chefe da diplomacia, embora tenha deixado a questão para o ministro da Defesa, o social-democrata Boris Pistorius. Isto enquanto o líder da bancada parlamentar da CDU, Jens Spahn, escreveu aos colegas a pedir para se absterem de falar publicamente sobre o tema.

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