Lixo e urbanismo: as queixas dos lisboetas no primeiro ano de Medina
Fernando Medina venceu as eleições em Lisboa para o PS a 1 de outubro de 2017 e um ano depois algumas das promessas que enumerou já avançaram - principalmente no âmbito da mobilidade, em que o transporte partilhado e os passes gratuitos são as ideias mais emblemáticas. Outras começam a ver a luz do dia.
No entanto, estes 12 meses ficaram também marcados por várias polémicas: o lixo acumulado e o poder do vereador Manuel Salgado. O urbanismo foi mesmo uma das maiores dores de cabeça para um presidente que necessitou de negociar com o Bloco de Esquerda um acordo para ter a maioria na câmara. Partido, aliás, de onde saiu outra polémica: o prédio comprado por Ricardo Robles, que afinal até podia ser usado para especulação imobiliária, pois foi comprado por pouco mais de 300 mil euros e ia ser vendido por 5,7 milhões de euros.
Depois de ser conhecido este eventual negócio, Robles - durante a campanha eleitoral criticou o lucro que estava a ser conseguido em Lisboa com a compra e venda de imóveis - demitiu-se.
Recentemente, foram as intervenções previstas, ou pedidas, para os miradouros da Senhora do Monte e de Santa Catarina a colocar a chamada sociedade civil contra os planos da autarquia.
Eis algumas das questões que marcaram o primeiro ano de Fernando Medina na câmara.
A meio de dezembro do ano passado, o presidente da câmara sofreu o primeiro revés deste mandato: o Tribunal Constitucional declarou ilegal a cobrança da taxa de proteção civil que a autarquia cobrou entre 2015 e 2017. A autarquia teve de devolver a 223 467 munícipes um total de 58,6 milhões de euros.
Em julho deste ano, a câmara decidiu deixar cair a ideia de cobrar uma taxa a cada passageiro que chegasse a Lisboa pelo Aeroporto Humberto Delgado. Uma decisão que surgiu depois de a Comissão Europeia ter divulgado um parecer em que frisava que ou Portugal passava a cobrar a taxa por chegada aérea a todos os passageiros, incluindo os residentes em território nacional, ou estava a infringir regras da União Europeia. A taxa só tinha sido cobrada em 2015. Perante este cenário, a única taxa que se mantém é a que é cobrada por dormida na cidade - que em 2017 rendeu 18,5 milhões de euros.
Um dos alvos da oposição neste primeiro ano de mandato da equipa liderada por Fernando Medina é o vereador Manuel Salgado. Mais até do que o presidente, são as decisões do homem que desde 2007 está na autarquia a merecer atenção e críticas, seja dos partidos seja dos grupos de cidadãos que existem na cidade. Coro a que se juntou recentemente o antigo vereador Nunes da Silva, que numa entrevista ao semanário Sol voltou a falar das decisões que, na sua ótica, prejudicaram a cidade. Salgado é um dos homens de confiança de Fernando Medina e talvez a pessoa com mais poder na câmara, pois comanda um departamento vital para a organização da capital, do seu desenvolvimento urbanístico e de recuperação do edificado. E a opinião do presidente da câmara sobre este seu vereador ficou bem conhecida em 2015, no discurso de tomada de posse quando - substituiu o primeiro-ministro António Costa - entre elogios a várias pessoas disse considerar Manuel Salgado o "arquiteto mais marcante das últimas décadas da cidade".
As decisões relacionadas com o urbanismo têm sido um dos maiores problemas para Fernando Medina neste ano de mandato. São um dos temas favoritos da oposição na câmara e há cerca de três dezenas de projetos que surgem em qualquer discurso de contestação à política da equipa liderada por Medina. Entre esses projetos estão as obras na Segunda Circular, que estiveram para começar e acabaram por ser suspensas; o chamado "mono" do Rato, a construção da Torre nas Picoas; o novo Hospital da Luz (nos terrenos onde estava um quartel do Regimento de Sapadores de Lisboa); e a intervenção no Miradouro de Santa Catarina. Além deste lote, podemos juntar a Operação Integrada de Entrecampos (prevista para os terrenos da antiga Feira Popular), que a oposição tem criticado. Há ainda várias denúncias por parte da chamada sociedade civil, com grupos de cidadãos a contestar obras e projetos na cidade. Tudo isto envolvendo decisões do gabinete liderado por Manuel Salgado, que há mais de uma década lidera o urbanismo da capital.
Uma das mais recentes polémicas em Lisboa diz respeito ao reforço de competências da Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU), liderada pelo vereador Manuel Salgado, que tem na câmara os pelouros do Planeamento, Urbanismo, Património e Obras Municipais. Os partidos da oposição criticam a decisão de retirar a reabilitação urbana da cidade do âmbito da autarquia e a sua passagem para uma empresa municipal - que não está tão disponível para ser fiscalizada como estão os atos dos departamentos municipais - e o poder que o vereador assume, pois é responsável pelo departamento que autoriza as obras e intervenções urbanísticas e ao mesmo tempo lidera a empresa que faz essas obras.
Fernando Medina chama-lhe uma das "maiores operações urbanísticas que a cidade de Lisboa conheceu nas últimas décadas". E, de facto, é um dos maiores projetos que vão surgir na cidade nos próximos anos. A Operação Integrada de Entrecampos tem como objetivo renovar o espaço que outrora foi ocupado pela Feira Popular de Lisboa e que está há vários anos ao abandono. Esta renovação urbanística terá um investimento de 800 milhões de euros, 100 deles da responsabilidade da autarquia, e, garantiu o presidente da câmara, vai criar 15 mil empregos. Além dos escritórios, está prevista a construção de 700 casas de habitação de renda acessível, um parque de estacionamento público na Avenida 5 de Outubro, três creches e um jardim-de-infância, uma unidade de cuidados continuados e um centro de dia com valência de lar. A câmara terá responsabilidade direta na construção de 515 fogos num loteamento municipal na Avenida das Forças Armadas, destinados ao Programa Renda Acessível.
Um dos momento mais polémicos a envolver a atual liderança de Lisboa nem teve que ver diretamente o presidente da autarquia. Fernando Medina assistiu com algum distanciamento às notícias sobre o vereador eleito pelo Bloco de Esquerda, Ricardo Robles, que acabou por se demitir depois de se saber que tinha adquirido um prédio em Alfama por cerca de 300 mil euros, ter investido outro tanto na sua reabilitação e que ia ser vendido por 5,7 milhões de euros. Ou seja, foi apresentado como um exemplo de uma ação de especulação imobiliária, exatamente o que o Bloco de Esquerda criticou antes e depois da campanha eleitoral. Fernando Medina sempre disse que este era um problema interno do Bloco, que lhe permitiu liderar a autarquia, pois tinha perdido a maioria no sufrágio de 2017. Robles demitiu-se e foi substituído por Manuel Grilo.
No final de junho, a Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária fez buscas nos serviços de urbanismo da câmara e nas juntas de freguesia do Areeiro, de Santo António e da Estrela. Além destas ações foram também alvo dos inspetores as sedes distritais do PS e do PSD. Na altura, a Procuradoria-Geral da República adiantou que a operação estava relacionada com suspeitas de que "indivíduos ligados às estruturas do partido político desenvolveram entre si influências destinadas a alcançar a celebração de contratos públicos, incluindo avenças com pessoas singulares e outras posições estratégicas". Estavam a ser investigados "ajustes diretos" para a contratação de pessoal e a adjudicação de serviços a empresas ligadas ou controladas por dirigentes políticos.
O crescimento do turismo em Lisboa levou ao aparecimento de milhares de unidades de alojamento local. Estas tiveram como consequência imediata a não renovação de muitos contratos de arrendamento ou o aumento de rendas para valores que os moradores - muitos deles idosos - não conseguiriam pagar. Como a autarquia não tinha poderes diretos para regular este mercado, Fernando Medina defendeu que a Assembleia da República devia aprovar legislação que atribuísse às autarquias o poder de definir regras neste âmbito. O que foi aprovado.
Se o urbanismo e a requalificação de Lisboa têm sido um dos temas mais controversos nestes primeiros 12 meses do mandato de Fernando Medina, o lixo que se acumula nas ruas da cidade também não tem dado tréguas à equipa autárquica. Nos últimos meses, são inúmeras as denúncias dos munícipes - com fotos divulgadas nas redes sociais - sobre o acumular de resíduos nas principais zonas da cidade, nomeadamente as turísticas. São imagens de caixas de cartão, copos de plástico pelo chão, garrafas vazias, contentores a transbordar de lixo que são publicadas e que obrigaram a autarquia a reagir, reconhecendo que este cenário era uma situação excecional. A primeira justificação foi a de que o aumento do turismo e a melhoria do poder de compra das famílias estava a criar uma situação a que as freguesias não estavam a responder, mais tarde foi anunciado que vai ser reforçado o financiamento para as juntas de freguesia de forma a poderem melhorar a recolha de lixo.
Os carros da estrela norte-americana Madonna, ou da empresa que lhe fez as obra no Palacete Ramalhete, que comprou na Rua das Janelas Verdes, provocaram um dos momentos de maior contestação a Fernando Medina. Em julho, soube-se que a autarquia tinha cedido o logradouro do Palácio Pombal por 750 euros/mês, para que a cantora pudesse estacionar os seus carros naquele que é um espaço público. A situação não é ilegal - há mesmo vários exemplos na cidade - e a verba estipulada cumpriu o que está previsto na tabela de preços e outras receitas municipais. Porém, o facto de aquela ser uma zona de difícil estacionamento, mesmo para os residentes, e de o acordo vigorar desde janeiro e o contrato só ter sido mostrado em julho, levaram a várias acusações de que Medina estaria a privilegiar a cantora norte-americana.
A decisão de entregar à JC Decaux a concessão da publicidade exterior em Lisboa foi mais um processo que levantou dúvidas sobre os procedimentos da autarquia, a ponto de a Autoridade da Concorrência ter decidido abrir uma investigação. Esta história começa no verão passado, quando o relatório preliminar entregou por 15 anos a gestão dos outdoors às empresas Cartazes & Panoramas I e Cartazes & Panoramas II, detidas pelo fundo Explorer II, o mesmo da MOP (gestora da publicidade do Metro de Lisboa), em troca de um valor anual de 8,4 milhões de euros. Esta decisão foi imediatamente contestada pelas empresas concorrentes - participaram nove no concurso - em outubro de 2017, o júri pediu esclarecimentos técnicos às duas empresas do grupo MOP, tendo prolongado o contrato com a JC Decaux até uma decisão final. Em janeiro deste ano, o júri toma uma decisão final, tendo atribuído novamente à JC Decaux a gestão da publicidade exterior de Lisboa. Decisão confirmada mais tarde pelo executivo camarário, com os votos contra do CDS e do PSD. Agora, é a vez de a Autoridade da Concorrência ir analisar um eventual, segundo o Dinheiro Vivo, processo de concentração no setor da publicidade exterior que poderia obrigar a uma eventual notificação prévia à AdC.
O projeto Lojas com História não arrancou neste primeiro ano do mandato, mas é uma iniciativa que surge já durante a liderança de Fernando Medina na câmara. Apresentado em fevereiro de 2017, este programa funciona como apoio financeiro à preservação do património arquitetónico e decorativo das lojas (restauro e conservação), à modernização e promoção da atividade comercial destes estabelecimentos. Atualmente há cerca de 80 lojas - barbearias, alfarrabistas, ferragens, antiguidades, retrosarias sapatarias, tipografias, etc. - inseridas neste programa
A utilização dos transportes públicos é uma das bandeiras de Fernando Medina. Entre os projetos previstos para reforçar esta oferta na cidade - um total de 250 entre autocarros e elétricos novos, alargamento de carreiras - sendo porventura a mais emblemática a oferta de passes aos alunos do 1º ano do ensino básico, que entrou em vigor neste ano letivo (o cartão da escola funciona como bilhete de transporte). Os passes para a Carris e para Metro já eram grátis para as crianças até aos 12 anos que vivessem em Lisboa. Segundo a autarquia, cerca de 14 mil alunos das escolas públicas - as privadas também estão incluídas mas não há dados sobre o números de jovens abrangidos - vão usufruir desta oferta.
Em setembro de 2017 foi lançado o projeto Giras. São as bicicletas de Lisboa, como diz o slogan da EMEL, que gere este sistema de transporte partilhado. As bicicletas estão colocadas em locais de onde podem ser retiradas após o pagamento de um passe anual, mensal ou bilhete diário. O utilizador leva a bicicleta até à estação mais próxima do seu destino e deixa-a para o próximo utilizador. No âmbito da partilha de transportes, a capital tem o sistema mob carsharing, um projeto da Carris e da Carristur, em que é possível a utilização de um mesmo carro por várias pessoas ao longo do dia. O pagamento do serviço é feito em função do tempo (em horas) e do número de quilómetros percorridos.
A linha circular do metro é outro projeto polémico na cidade e que nasceu antes das eleições de outubro de 2017, mas que tem sido discutido na autarquia com a oposição a considerar a ideia de juntar a Linha Verde com parte da atual Linha Amarela um erro. Para já, certo é que a ligação entre o Rato e o Cais do Sodré vai ter duas novas estações: Estrela e Santos, o que, a concretizar-se, levará a que em 2021 esteja completa essa ligação.
A alteração radical do vale de Alcântara é um dos projetos emblemáticos da autarquia na área da sustentabilidade - e até foi um dos trunfos para que Lisboa fosse indicada como a Capital Verde Europeia em 2020. Em 13 hectares ao longo de mais de três quilómetros está a ser feita uma revolução urbanística construindo-se, por exemplo, corredores pedonais e cicláveis. A intervenção vai ligar Monsanto ao rio Tejo, com percursos que podem ser feitos a pé ou de bicicleta. Vai envolver o bairro da Liberdade e a Quinta da Bela Flor, a envolvente do aqueduto das Águas Livres, a estação ferroviária de Campolide e a Avenida de Ceuta.
Quando tomou posse, a 26 de outubro de 2017, uma das promessas de Fernando Medina foi que no primeiro semestre de 2018 iria ser lançado um concurso público para a construção de seis (de um total de 14 necessários) centros de saúde, para oferecer melhores cuidados primários de saúde. Esse compromisso foi quase cumprido: na semana passada, por proposta do vereador Manuel Grilo (Educação e Direitos Sociais), foi aprovada uma proposta para o avanço dos concursos para a construção de cinco (e não seis) unidades de saúde: Beato, Alta de Lisboa, Alto dos Moinhos, Alcântara e Restelo, com um investimento previsto de 12 milhões de euros. Portanto, a ideia avançou mas sem as seis unidades e sem ser no primeiro semestre.