Provedora de Justiça bate com a porta a vítimas dos agentes da PSP condenados
As seis vítimas dos oito agentes da PSP condenados em 2019 por agressões, injúrias e sequestro agravado apelaram à Provedora de Justiça para que estes fossem punidos disciplinarmente e impedidos de voltar a "torturar" outras pessoas. A Provedoria questionou a PSP e a IGAI e validou as suas explicações para o facto da maior parte destes polícias continuar ao serviço.
Sem recomendações nem juízos de valor, a resposta da Provedoria de Justiça ao apelo das seis vítimas dos polícias da esquadra da PSP de Alfragide afasta a pretensão destas em relação a uma punição disciplinar dos oito agentes, que foram condenados em 2019 por vários crimes, os mais graves de ofensa à integridade física e sequestro agravado.
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Celso Lopes, Flávio Almada, Paulo da Veiga, Miguel Reis, Rui Moniz e Bruno Lopes contestavam a omissão da direção nacional da PSP e da Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI) pelo facto de permitirem que estes polícias continuem ao serviço, agravado pelo facto de, pelo menos, um deles, após a confirmação da sentença pelo Tribunal de Relação, ainda ter publicado no Facebook um texto ofensivo para a comunidade da Cova da Moura, à qual todos pertenciam na altura dos factos em causa (2015).
"Dirigimo-nos a V. Exa. (Provedora de Justiça) por entender que é o estado de Direito que está em causa: seis anos depois, 33 sessões de audiência e julgamento, uma decisão de primeira instância confirmada pelo Tribunal da Relação e nem a IGAI nem a Direção Nacional da PSP demonstram o respeito devido pelas decisões judiciais - Em quem se poderá confiar? Que valor têm, então, os órgãos de soberania? O direito fundamental à justiça e aos tribunais? O poder judicial?", questionavam na referida queixa que deu entrada a três de fevereiro de 2021.
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As seis vítimas apelavam a Maria Lúcia Amaral, que desenvolvesse "as ações" que entendesse "por convenientes, nomeadamente através da emissão de recomendações à Sra. Inspetora-Geral da Administração Interna e ao Sr. Diretor Nacional da PSP, para que não se prolonguem as necessárias tomadas de medidas" em relação a "ações que ferem a Constituição, a democracia e, neste caso", sublinhavam, a sua própria "sobrevivência enquanto indivíduos e comunidades".
"Nós fomos torturados numa esquadra, por agentes do Estado. Os tribunais deram-nos razão. Não queremos que mais ninguém seja", assinalavam.
Quase dois anos após este apelo, numa resposta assinada pelo Provedor-Adjunto Ravi Afonso Pereira, os seis requerentes receberam uma resposta formal, minuciosamente descritiva das diligências feitas por este organismo para apurar a situação, na qual é concluído que IGAI e PSP cumpriram o seu dever e que, no que respeita à Provedoria, ficou esgotada a sua intervenção.
Conforme o DN já explicou, não é inédito haver polícias condenados por crimes graves que continuam ao serviço, apesar de essa situação suscitar dúvidas a juristas e magistrados, além de não ter ainda merecido uma clarificação da parte do Ministério da Administração Interna, apesar das questões colocadas pelo DN sobre essa matéria.
O chamado "caso Cova da Moura", pela sua dimensão e impacto mediático, é o mais paradigmático dessa realidade.
Dos oito polícias que foram condenados, cinco tinham sido previamente alvo de processo disciplinar pela IGAI (os outros três nem sequer foram visados por este organismo).
Apenas dois foram sancionados com suspensões: 90 dias para João Nunes, condenado a quatro anos de prisão, suspensos por igual período, por três crimes de ofensa à integridade física qualificada (disparou com shotgun atingindo várias pessoas, uma delas à queima-roupa); e 60 dias para André Silva, condenado a três anos e nove meses de prisão (também suspensos) por um crime de denúncia caluniosa, um crime de falsificação de documento agravado e um crime de sequestro agravado.
Foram três ilibados entre eles um que mereceu do tribunal a pena mais pesada - o chefe da esquadra Luís da Anunciação -, de cinco anos de prisão, suspensa, assim como os agentes Fábio Moura e André Quesado, que sofreram penas de dois anos e meio de prisão (suspensas) por sequestro agravado.
Depois do trânsito em julgado da sentença, em julho de 2021, a PSP reabriu os processos disciplinares aos três agentes que não tinham sido visados pela IGAI, que arquivou de seguida. Todos estes agentes se mantêm ao serviço da PSP, incluindo Joel Machado que cumpriu pena de prisão efetiva, por ser reincidente nas agressões.
Perante estes factos, a Provedoria pediu explicações à IGAI se iria ou não "proceder à reabertura dos processos oportunamente arquivados", como chegou a admitir ao DN a Inspetora-Geral Anabela Cabral Ferreira.
"(...) não havendo factos novos relativamente aos considerados no PND 5/2015 (que correu termos na IGAI) pelos quais os arguidos tenham sido condenados em processo criminal, tem plena aplicação o princípio non bis in idem, o que impede a sua (nova) apreciação. (...) o referido princípio, estruturante de toda a arquitetura penal e disciplinar, impede a reanálise dos mesmos factos. Com estes fundamentos, determinou-se oarquivamento", respondeu a IGAI.
Por sua vez, "no que respeita aos três processos disciplinares cuja instrução decorreu no Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, a Provedoria de Justiça, na sequência de um pedido de esclarecimentos de idêntico teor, foi informada de que os mesmos «[...] foram arquivados ao abrigo da violação do princípio non bis in idem" - ou seja, a mesma justificação da IGAI .
Perante estas respostas, a Provedoria de Justiça salienta "a cooperação devida das entidades visadas" e "atendendo à fundamentação jurídica prestada aos pedidos de esclarecimentos" considera "encontrar-se concluída" a sua "intervenção no presente caso".
O DN contactou um das representantes legais das seis vítimas, Lúcia Gomes, bem como Flávio Almada e Celso Lopes, mas não obteve resposta a um pedido de comentário.
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