Portugal registou 24 assassinatos de mulheres e 40 tentativas até 15 de novembro deste ano, sendo 21 em contexto de relação familiar. Todos os agressores são homens. Predominam os homicídios nas relações de intimidade, como maridos, namorados ou ex-companheiros. Doze das vítimas eram mães.Apesar de Portugal não ter tipificado na lei o crime de feminicídio, os casos são reportados pelo Observatório de Mulheres Assassinadas (OMA) como tal. Diversos países já possuem legislação específica para este crime, caracterizado por ser cometido por parceiros íntimos e associado a contextos de violência de género nas suas mais diversas formas (física, verbal, psicológica, financeira).Os dados foram divulgados nesta segunda-feira, 24 de novembro, pela União Alternativa e de Resposta das Mulheres (UMAR). O relatório é preparado todos os anos para assinalar o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres. “O femicídio e as suas tentativas não são episódios isolados, nem acidentes imprevisíveis. São crimes anunciados, enraizados em dinâmicas de controlo, desigualdade e violência continuada”, lê-se.Em pelo menos oito casos, vítima e agressor tinham filhos em comum, vários deles menores. O relatório revela ainda que 57% das vítimas já tinham sido alvo de violência anterior, conhecida por terceiros em nove situações. Em quatro casos, havia registos de denúncias às autoridades, como a Polícia de Segurança Pública (PSP). Em três dos assassinatos tinham sido feitas ameaças de morte antes de o crime ser cometido.A média de idade das vítimas é de 36 anos, mas uma das mulheres assassinadas tinha apenas 18 anos. Em oito casos foi possível apurar que a vítima estava a tentar separar-se do agressor. Do total de vítimas, nove estavam empregadas, duas encontravam-se desempregadas, uma era estudante, três estavam reformadas e seis tinham situação laboral omissa.A maior parte dos crimes ocorreu na casa onde vítima e agressor viviam (52%). Outros 19% aconteceram em locais como alojamento local ou unidades de saúde, e 9,5% em plena via pública. Dos restantes, 5% ocorreram no local de trabalho da vítima, 5% em local ermo, 5% na residência da vítima e 5% em local omisso.“O padrão é claro: as mulheres continuam a ser atacadas em qualquer espaço, a qualquer hora, por ofensores de todas as idades e utilizando uma diversidade de meios que revelam uma intencionalidade extrema. Estes são fenómenos preveníveis que o país continua a falhar em antecipar”, analisa o relatório.A arma branca (como faca) é o meio mais utilizado para cometer os homicídios, representando 57% dos casos. Em 19% foi usada arma de fogo e, em outros 19%, a mulher foi morta por asfixia ou estrangulamento. Em 5% dos casos o assassinato ocorreu por espancamento. Em dois homicídios, filhos menores estavam presentes no momento do crime.Quanto ao paradeiro dos suspeitos, seis cometeram suicídio após o assassinato, enquanto três tentaram tirar a própria vida. Oito ofensores ficaram em prisão preventiva, enquanto em seis casos a medida de coação é omissa. “Para 21 vítimas temos 20 ofensores (sendo que um deles vitimou mãe e filha). Apenas em um caso a idade do ofensor é desconhecida, mas a maioria situa-se entre os 36 e os 64 anos”, refere o relatório. Dos 20 ofensores, nove tinham filhos (45%).40 tentativas Além das mortes consumadas, o relatório identifica 40 tentativas de feminicídio, das quais 38 no contexto de relações de intimidade. Em oito casos foi possível apurar que a vítima estava a tentar separar-se do agressor e em 12 situações havia filhos da relação.Das 40 tentativas, em 15 já existia violência prévia e, em sete, a vítima apresentou denúncia. Em sete das tentativas foram reportadas ameaças de morte, durante ou após o término da relação. Uma das vítimas tinha um botão de pânico, que não impediu a tentativa de homicídio.Todos os 37 ofensores são homens. As idades são bastante diversas, mas a maioria situa-se entre os 24 e os 50 anos. À semelhança dos feminicídio consumados, a maioria das tentativas ocorreu na residência conjunta, seguida da via pública. A residência do agressor, o local de trabalho da vítima e outros locais também foram identificados..Número de mulheres imigrantes acompanhadas por violência doméstica está a aumentar.A arma branca é igualmente o instrumento mais utilizado nas tentativas, em quase 50% dos casos. Ao contrário dos homicídios consumados, o estrangulamento surge em segundo lugar, seguido do espancamento. Em dois casos foi utilizada arma de fogo.Mas há mais. O relatório menciona outros meios “altamente violentos”, como agressões com martelo, chaves de estrela e tentativas de matar através de fogo ou óleo a ferver. A análise do OMA revela “que a maioria das tentativas de feminicídio só não se consumou devido a fatores externos”.Um dos casos foi amplamente divulgado: câmaras de videovigilância filmaram as brutais agressões de um bombeiro contra a companheira e o filho menor, que assistiu a tudo. A vítima sofreu ferimentos graves e o agressor ficou em prisão preventiva por algumas semanas: depois foi solto com pulseira eletrónica.É destacada a importância da intervenção de terceiros ou da chegada rápida da polícia. “Em vários casos, a sobrevivência da vítima resultou da intervenção de outras pessoas ou da ação rápida da polícia, que travaram o agressor no momento crítico. Algumas vítimas conseguiram fugir ou defender-se, evitando o desfecho fatal.”O relatório sublinha ainda que “a interrupção da violência nas tentativas de feminicídio raramente resulta da desistência do agressor, mas sim de intervenções externas que impediram a consumação do crime”. Em nenhuma das situações o agressor tentou suicídio após o ataque; 24 ficaram em prisão preventiva e, nos restantes sete casos, foram aplicadas outras medidas de coação menos gravosas.“É urgente que o sistema de justiça criminal deixe de minimizar o risco. Não podemos continuar a assistir a casos em que agressões graves e tentativas de matar resultam em medidas de coação insuficientes e penas suspensas. A prisão preventiva não pode ser exceção em contextos de risco elevado; tem de ser regra onde a letalidade é provável”, alerta o documento.Nesta terça-feira, 25 de novembro, mulheres saem às ruas em todo o país para protestar contra estas violências, sob o mote “Por Todas Nós”. Em Lisboa, a iniciativa, organizada por 18 associações feministas, começa às 18h30 no Intendente.O percurso segue até ao Largo de São Domingos, onde serão lidos os nomes das mulheres assassinadas em 2025 e o Manifesto pelo Fim da Violência contra as Mulheres.amanda.lima@dn.pt.Quase metade da população portuguesa vítima de violência, prevalência sobre mulheres.Idosos vítimas de crime aumentam, sobretudo mulheres após anos de violência doméstica