Número de mulheres imigrantes acompanhadas por violência doméstica está a aumentar
FOTO: Pedro Correia

Número de mulheres imigrantes acompanhadas por violência doméstica está a aumentar

Gabinete de Informação e Atendimento à Vítima atribui crescimento ao aumento da imigração, a denúncias de terceiros e à consciência que estas mulheres têm ganho de que a violência doméstica é crime.
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No último ano, houve mais mulheres imigrantes vítimas de violência doméstica acompanhadas no Gabinete de Informação e Atendimento à Vítima (GIAV) instalado no Campus de Justiça de Lisboa, revelou a coordenadora do espaço.

"Temos tido mais vítimas imigrantes em comparação com os últimos anos", adiantou Iris Almeida, em entrevista à Lusa a propósito do 14.º aniversário do GIAV, atribuindo a maior frequência de atendimentos ao crescimento da imigração em Portugal, a denúncias de terceiros e à consciência que estas mulheres têm ganho de que a violência doméstica é crime.

"Temos vítimas que são elas próprias que se apercebem que no nosso país é crime, ou porque têm filhos na escola ou porque começam a sair de casa e começam a perceber... Estamos a falar de vítimas que muitas vezes não trabalham, ou seja, dependem financeiramente dos seus maridos", acrescentou.

Esta dependência dos agressores, associada ao facto de ocasionalmente não terem documentos, implica que por vezes, na fase inicial do processo acabem "por recusar prestar declarações".

Para a psicóloga, a nova realidade constitui um desafio para o GIAV e para "todo o sistema", por, "muitas vezes", estas mulheres serem originárias "de países onde é normal o exercício de violência entre homem e mulher", "por vezes" não terem suporte familiar ou de amigos e não falarem bem português.

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"Muitas vezes o que acontece é que o tribunal, o próprio Ministério Público recorre a intérpretes da nacionalidade daquelas vítimas, mas depois acabamos por ter ali um terceiro elemento que acaba por quebrar, por vezes, a relação", frisou Iris Almeida.

Acompanhamento de idosos também cresceu

Noutra vertente da violência doméstica, aquela que é exercida por filhos sobre pais idosos, a resposnável do GIAV, defende que estas vítimas querem que os agressores sejam tratados e não punidos.

"Muitas vezes, aquela pessoa idosa aquilo que nos verbaliza sempre é: 'eu só denunciei, porque quero que o meu filho ou a minha filha se trate'", relatou.

Segundo a psicóloga, no caso dos idosos os principais agressores são os filhos, os netos e às vezes o cuidador, envolvendo "por vezes questões de saúde mental" ou consumos.

"Não querem tanto uma punição, querem mais uma reabilitação deste ponto de vista dos consumos quer de álcool quer de drogas, ou até questões ao nível da saúde mental", sublinhou a também investigadora e professora universitária.

No caso dos idosos, há situações em que, atendendo à sua fragilidade, "todas as diligências" com as vítimas são realizadas em casa ou na instituição onde estejam a residir.

"É importante também o próprio tribunal, o Ministério Público, na zona onde estamos em Lisboa, ter esta sensibilidade para as vítimas, especialmente vítimas fragilizadas que têm dificuldades ao nível da mobilidade física, por vezes também a questão da saúde mental", salientou Iris Almeida.

A coordenadora do GIAV confirmou ainda que, "nos últimos anos", têm sido acompanhadas no espaço mais pessoas idosas, algo que associa a um contexto de crise no país.

"Sempre que nós temos uma crise, e atualmente vivemos uma situação em que o preço da habitação está muito caro, muitas vezes o que acontece é que estes filhos voltam para casa dos pais [...] e depois exigem. E acabamos por ter conflitos intergeracionais", defendeu, acrescentando que tal tinha já sido sentido no GIAV "quando foi a última crise".

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Inaugurado em 18 de novembro de 2011, o GIAV nasceu de um protocolo entre o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa e a Egas Moniz School of Health and Science, em Almada, e garante o acompanhamento das vítimas por psicólogas ao longo de todo o processo penal.

Em 14 anos, estas profissionais realizaram 3.512 acompanhamentos de vítimas em sede de declarações para memória futura, 158 em sede de inquirição pelo Ministério Público e 86 em audiências de julgamento, bem como 577 atendimentos.

Por funcionar no Campus de Justiça de Lisboa, onde estão instalados vários tribunais, o GIAV alargou também a sua atuação a arguidos menores, de 16 e 17 anos, tendo realizado neste âmbito 90 acompanhamentos.

O espaço funciona no edifício E do Campus de Justiça de Lisboa, onde, desde 2020, está também instalada uma esquadra da PSP, onde as vítimas de violência doméstica podem apresentar diretamente queixa.

A área de atuação do GIAV, que já atendeu vítimas entre os cinco e os 100 anos, é a área metropolitana de Lisboa.

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