"Dificuldades de gestão e operacionalidade na maioria das áreas". Esta é a avaliação da Associação para Memória Futura do SEF, o extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). O DN teve acesso ao segundo relatório da entidade, que marca o aniversário de dois anos do fim do SEF. A associação é formada por funcionários que continuam a trabalhar com as migrações e por profissionais que decidiram não atuar mais nesta área com a extinção do SEF. O documento reitera as preocupações apresentadas no primeiro relatório, publicado em 2024. "Com o modelo pós-SEF, ultra repartido e desarticulado, perdeu-se a visão integrada e holística do SEF", lê-se.Apesar de ver como um avanço a criação do Plano de Ação para as Migrações, apresentado pelo Governo de Luís Montenegro em junho de 2024, consideram que as medidas são "vagas" e "carecem duma precisão quanto ao modo, capacidades e calendário de implementação". Na altura, o Governo reiterou que o plano era para ser desenvolvido ao longo de quatro anos, ou seja, durante uma legislatura.Algumas medidas foram imediatas, como o fim das manifestações de interesse e outras avançadas nos últimos 18 meses, como a criação da Estrutura de Missão para resolver os milhares de processos de regularização atrasados, a revisão da Lei dos Estrangeiros e a criação da Unidade de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF) na Polícia de Segurança Pública (PSP). Para 2026, o secretário de Estado Rui Armindo de Freitas já confirmou que será o ano para melhorar a AIMA e as medidas de integração.Segundo a associação, este plano em marcha precisa de ser enquadrado "numa verdadeira estratégia nacional global de gestão das migrações, a começar pela definição de um modelo de coordenação e acompanhamento bem definido e consolidado, o que está ainda longe de ser conseguido". São elencadas uma série de problemas que identificaram nestes dois anos.A primeira dificuldade apontada afeta diretamente os imigrantes: a documentação. Saúda que a renovação de títulos de residência tenha sido transferida do Instituto de Registos e Notariado (IRN) para a AIMA, mas que "não ultrapassa as dificuldades criadas com a separação, em diferentes entidades, das áreas de documentação, controlo de fronteira e fiscalização, com a dispersão de conhecimentos e competências em áreas muito específicas e que exigem especialização". Também aponta que a transferência desta competência sobrecarregou o IRN, "perdeu-se a capacidade de emissão, praticamente na hora e a qualquer hora do dia ou da noite, do passaporte de emergência nas lojas do passaporte nos aeroportos de Lisboa e Porto, com a perda de uma solução de emergência e de última hora a que muitos passageiros nacionais recorriam".É citado outro problema que também prejudica os imigrantes: a falta de aplicação uniforme das regras. "Continua a ser premente restaurar pontos de contacto nacional conhecedores, consistentes e operacionais, que, entretanto, se perderam, para continuar a garantir a aplicação uniforme e conforme com as regras ali previstas, de todos os diplomas legislativos da UE". Como o DN revelou em reportagem sobre os dois anos da AIMA, a agência está a tentar ultrapassar este problema com "formação" e a criação de um documento único de orientações para os funcionários, além de um assistente virtual.Este problema também está relacionado com a fragmentação das bases de dados, seja nas fronteiras ou na AIMA. "É alertado para para a necessidade de avaliação do impacto da maior dificuldade no desenvolvimento, gestão e acesso a bases de dados, nomeadamente na atividade policial e operacional e na área documental, assim como formação de quem alimenta as bases de dados".Sobre a Estrutura de Missão, a avaliação é de "dúvidas se os modos serão os adequados e, se o fossem, se não dispensariam tantos meios, em constante criação". Recorda-se que esta task force foi a responsável por praticamente acabar com as pendências das manifestações de interesse, estando focada na troca dos títulos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) por um cartão padrão e na renovação de títulos de residência caducados há anos (a transferência para o IRN falhou nesta matéria).SegurançaSão demonstradas preocupações com "o quadro de pessoal fragilizado e menos capacitado para responder aos desafios que enfrenta, agravados com o aumento exponencial da comunidade imigrante em Portugal", com a saída dos profissionais de investigação e fiscalização para a Polícia Judiciária (PJ).É reiterado que a AIMA é uma "entidade de natureza meramente administrativa". Por isso, alega que "não tem competência" para "interligações com matérias de natureza policial e necessidades de fiscalização prévia à tomada de decisão sobre os pedidos de regularização documental". Mais preocupações de segurança são apontadas, como "a necessária interligação e coordenação entre consulados e autoridades de imigração e as consultas de natureza policial e outras, com a consequente análise de risco a ser assegurada". Como o DN relevou em reportagem no verão de 2024, a extinção do SEF os lugares dos designados “oficiais de ligação para a imigração” nas embaixadas portuguesas em países de origem dos principais fluxos migratórios deixaram de ser ocupados por inspetores desta antiga polícia de estrangeiros especializada em redes criminosas de auxílio à imigração ilegal. Sobre o controlo de fronteiras, a associação acredita que "em conformidade com as regras e boas práticas da UE, seria atribuir essa competência a uma única entidade, capaz de garantir a qualificação e formação de todos os guardas de fronteira nacionais, o tratamento uniforme das situações". Com a extinção do SEF, pontuam que "perdeu-se a visão integrada de gestão de fronteiras e corre-se o risco de falta de uniformidade de regras de controlo, procedimentos, decisão e critérios de avaliação de risco".É criticada a opção de transferência de "funções operacionais de grande tecnicidade para entidades com naturezas distintas, historicamente formadas para a manutenção da ordem e segurança públicas", numa referência à PSP, mesmo sem a citá-la.Salienta no controlo documental na passagem da fronteira "uma abordagem humanitária", que não comprometa "a capacidade de triagem" dos migrantes económicos e "daqueles verdadeiramente necessitados de proteção internacional ou em situação de especial vulnerabilidade". São citados ainda casos de "rigidez na tomada de decisão na fronteira ou promoção do afastamento são bem exemplificativos das dificuldades decorrentes do modelo atual".À respeito da decisão recente do Governo em prorrogar até abril de 2026 a permanência dos antigos inspetores do SEF nos aeroportos, vê com reservas no que toca à gestão dos meios humanos já formados para a função, totalizando, apenas para a vertente aérea, já quase o dobro do corpo de inspetores que, no extinto SEF, garantiam todas as suas vertentes de atuação". Ao mesmo tempo, reconhecem o elogio deixado no decreto-lei a estes funcionários. "Representam uma mais-valia nacional em termos de experiência e conhecimento, numa fase que apresenta riscos de segurança já identificados pela União Europeia", lê-se no decreto-lei.É apresentada preocupação com a segurança dos aeroportos, devido ao aumento do fluxo de passageiros, a "saturação dos pontos de controlo" e o "aumento dos tempos de espera e, sobretudo, diminuição da eficiência operacional". Sobre a UNEF, entende que "apenas vem reforçar a lacuna criada com a extinção do SEF".Por fim, o relatório cita uma declaração antecipada pelo DN em reportagem sobre os anos do fim do SEF. "Temos a convicção de que, mais cedo ou mais tarde, o poder político assumirá a necessidade de criação de um novo SEF, com características semelhantes ao extinto serviço. A criação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF) na PSP é já um indício do reconhecimento dessa necessidade".O documento assinala que estas avaliações são feitas "numa perspetiva essencialmente técnica e enquanto visão de funcionários de um serviço de imigração cujo percurso profissional os habilitou com um aprofundado conhecimento sobre estas matérias e que continuam a acompanhar com atenção e atualização permanente o fenómeno migratório".amanda.lima@dn.pt.AIMA: dois anos à procura de um rumo e de como comunicar com os imigrantes.Recusas de entrada na fronteira por motivos de segurança aumentaram sete vezes