Passados dois anos desde a criação da Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros, que balanço faz deste percurso?O balanço é muito positivo. A unidade nasceu num momento de grande transformação institucional e conseguiu afirmar-se como o centro de coordenação operacional das forças e serviços que atuam nas fronteiras e nos domínios dos estrangeiros. Hoje existe um modelo de trabalho mais articulado, com comunicação direta entre quem está no terreno e quem gere a informação. Criámos uma verdadeira cultura de partilha e de interoperabilidade, o que permite agir com mais rapidez e eficácia.Quantas pessoas integram a unidade e como é feita essa articulação entre as várias forças de segurança? A UCFE é uma estrutura composta por 72 elementos destacados de várias forças e serviços. A maior parte são ainda antigos inspetores do SEF, atualmente nos quadros da carreira de investigação criminal da Polícia Judiciária (PJ). Trabalhamos lado a lado - polícias, analistas e técnicos - para cruzar informação, avaliar riscos e apoiar as decisões estratégicas. O nosso papel não é substituir as forças no terreno, mas garantir que todos operam com os mesmos dados e objetivos.As verificações de segurança são o vosso core business. Que balanço nos pode fazer? O processo funciona no Gabinete das Medidas Cautelares e de Segurança, que é um dos seis gabinetes da UCFE. É aí que se fazem as verificações e os pareceres de segurança. É um grupo com cerca de 20 e poucas pessoas, que consultam as bases de dados, nacionais e internacionais, e fazem a verificação. Trata-se de um processo muito significativo para a segurança nacional.Até 30 de setembro deste ano tínhamos 566.798 consultas feitas em nove meses. Em 2024 foram 448.920, ou seja em nove meses houve um aumento de 26% em relação aos 12 meses do ano passado. Neste momento, posso dizer que temos uma projeção de, até final deste ano, alcançarmos 775 mil pedidos (+68% que em 2024). Os pedidos de verificação mais numerosos vieram da Estrutura de Missão criada para analisar os cerca de 400 mil processos da AIMA. Em 2024 foram 49.325 e até setembro deste ano foram 137.000 pedidos.O ano de 2024 deve ser interpretado como o período de arranque operacional da Estrutura de Missão, concentrado no último trimestre, o que explica os volumes reduzidos e a concentração de atividades nesse período. Em 2024 foram analisadas situações referentes às Manifestações de Interesse (artigos 88 e 89 a Lei de Estrangeiros.Como balanço global, posso assumir o seguinte em relação a este ano: aumento do número de consultas; diversificação das fontes de verificação, designadamente a análise de consultas Interpol; estabilização do volume mensal de trabalho; expansão do âmbito das verificações, abrangendo não sé manifestações de interesse, mas também pedidos de renovação de autorizações de residência CPLP e pedidos de renovação de autorizações de residência.De salientar o elevado rácio de indicações/medidas cautelares detetado nas verificações dos processos da Estrutura de Missão, que se situa em torno dos 26%, evidenciando a relevância deste mecanismo de controlo. Das indicações do Sistema de Informações Schengen (SIS) detetadas, cerca de 73% dizem respeito a indicações de “nacionais de países terceiros sujeitos a uma decisão de regresso”, não admissíveis, portanto, no espaço Schengen.Sem querer prolongar-me muito mais, é para nós inequívoco que o crescimento absoluto entre 2024 e 2025 reflete não apenas o aumento do número de pedidos, mas sobretudo a consolidação da capacidade operacional e da integração sistémica das consultas de segurança.Pode também adiantar-nos alguns resultados dos pareceres para vistos de procura de trabalho e para pedidos de nacionalidade, que são vinculativos, ou seja, com o vosso indeferimento o pedido é recusado?Claro. Somos ainda uma unidade jovem, mas com aumento de eficiência. Cresceu o número de indeferimentos, por maior rigor na análise - um aumento de cerca de 30 pontos percentuais face ao período homólogo do ano passado. Este ano, até setembro, foram-nos solicitadas verificações a 37.166 vistos de procura de trabalho e 31,4% foram objeto de parecer desfavorável (11.689). Em 2024 foram avaliados 28.828 pedidos de visto desta natureza e 5,4% foram recusados (1560).Esta evolução deriva, além do aumento de pedidos (+9000 contabilizando somente os três primeiros trimestres de 2025), do reforço dos critérios de avaliação e de controlo documental, refletindo uma postura mais assertiva e rigorosa na apreciação dos pedidos ao longo de 2025. Em concreto, nesta evolução, contribuiu, substancialmente, a confirmação das reservas das unidades de alojamento, em paralelo com o esforço de fiscalização dessas mesmas unidades prosseguido pelas forças de segurança territorialmente competentes, a pedido da UCFE, constatando-se, efetivamente, um aumento substancial da fraude documental a este nível, considerando-se, no âmbito da análise, a existência de falsas declarações, as quais redundam necessariamente no parecer negativo.O que é que as verificações de segurança têm revelado sobre os perfis e riscos associados à imigração? Temos uma visão mais clara e consolidada das tendências. A maioria dos pedidos não apresenta qualquer risco. Os casos problemáticos são residuais e quase sempre ligados a irregularidades documentais ou suspeitas de atividade criminosa. A grande vantagem do sistema é permitir identificar rapidamente esses casos e agir de forma coordenada, sem atrasar todo o processo.E detetam pessoas sinalizadas internacionalmente pelas autoridades policiais? Sim. Este ano já vamos com 31 “hits” na Interpol, alguns com mandados de captura internacionais/mandados de detenção europeu. Temos acesso aos agendamentos da AIMA. Quando identificamos um “hit”, enviamos de imediato para a PSP, GNR ou PJ. Há casos em que sabemos, por exemplo, que um cidadão com mandado tem entrevista marcada numa loja da AIMA. De imediato segue email com o mandado anexo; a polícia vai ao local, detém a pessoa e apresenta-a ao tribunal; o juiz decide as medidas.Importa também mencionar que estes 31 hits representam somente as consultas de segurança efetuadas no âmbito da Estrutura de Missão, pelo que no global verificaram-se mais em outros domínios, sendo certo que a deteção de medidas cautelares inscritas em Schengen, só no âmbito da estrutura de missão é muito mais impressionante, totalizando-se 27707 apenas em 2025.Nas últimas semanas, muito se falou do novo Sistema de Entrada e Saída (EES). Que impacto está a ter esta transição? Porque dizem que é um “passo decisivo”? O EES é uma mudança estrutural. Passa-se do carimbo no passaporte para um registo que recolhe impressões digitais e dados biométricos. É um passo decisivo porque representa um salto tecnológico que reforça a segurança e o controlo das fronteiras externas da União Europeia.Naturalmente, numa fase inicial surgem constrangimentos operacionais - vimos isso com as filas no aeroporto de Lisboa - mas são situações transitórias, típicas de uma implementação desta escala. Felizmente temos muitos, muitos turistas que chegam a Portugal. As chegadas dos voos com maior número de passageiros estão historicamente concentradas num curto período de tempo. As condições de infraestrutura no aeroporto são as que existem. Nas chegadas há 16 boxes, sendo que quatro estão na zona reservada aos voos de origem segura - como Reino Unido, Estados Unidos ou Canadá - países onde não há risco e que são considerados origens seguras.Todos os outros voos, de países que não estão nessa categoria, acabam por ir para a zona onde estão as restantes boxes. Todos estes fatores, conjugados com a entrada em funcionamento de um sistema novo, com novos procedimentos, fazem com que seja necessário algum tempo para os guardas de fronteira se adaptarem a esta nova realidade. O sistema ficará plenamente operacional em 2026 e trará benefícios claros em termos de segurança e gestão de fluxos.O que falhou nessa fase inicial e que medidas estão a ser tomadas? O sistema exige um tempo de adaptação. Nem todos os passageiros estavam informados, nem todas as infraestruturas estavam dimensionadas para o volume de registos biométricos. Foram já introduzidas medidas de reforço de meios humanos e tecnológicos e estamos a trabalhar com as entidades gestoras dos aeroportos para otimizar circuitos e garantir uma experiência mais fluida.Como determinam as chamadas “nacionalidades de risco”?Tem a ver com a análise de risco que se faz às nacionalidades dos passageiros que chegam a Portugal, tendo em conta vários indicadores - aquilo a que chamamos o Cross Boarder Crime. Analisamos criminalidade transfronteiriça, como o auxílio à imigração ilegal, o tráfico de estupefacientes, o tráfico de seres humanos e a fraude documental. São estes três ou quatro tipos de criminalidade concreta, com dados concretos de casos reais. É estatística aplicada: através de uma matriz de análise de risco, conseguimos determinar se um país ou uma origem apresentam um risco mais alto ou mais baixo.E quais são, em termos gerais, essas nacionalidades de maior risco? De forma muito genérica, são aquelas que têm levantado mais problemas em termos de criminalidade. É verdade que têm surgido casos sinalizados de tráfico de seres humanos, mas isso acontece em todos os países e em todos os aeroportos e portos.A maior causa de preocupação acaba por ser a fraude documental - pessoas que tentam falsificar ou alterar documentos, sejam passaportes, vistos, contratos de trabalho ou outros documentos de viagem. Muitas vezes alteram datas, fotografias ou nomes, e é aí que se concentra grande parte do nosso trabalho.Todas as decisões que são tomadas são baseadas sempre em intelligence e análise de risco. Todas. Não há decisão que eu tenha visto até agora que não tenha tido um assessment prévio e às vezes são mesmo avaliações bastante complexas e muito completas. É uma ferramenta importantíssima para o combate à imigração irregular.Quais são os principais desafios para 2026, com a entrada em vigor do novo Pacto Europeu para as Migrações e Asilo?O grande desafio será adaptarmo-nos a todo o novo enquadramento europeu. O pacto vai mudar profundamente a forma como os países controlam fronteiras, gerem pedidos de asilo e executam retornos. Portugal tem de garantir que os seus sistemas estão preparados para isso, tanto do ponto de vista tecnológico como operacional.Vamos ter de alinhar as nossas plataformas com as bases de dados europeias - como o Eurodac, que vai recolher e cruzar dados biométricos de requerentes de asilo e de entradas irregulares - e assegurar que a informação circula de forma segura e rápida entre todas as forças e serviços.É um processo exigente, que obriga a ajustes técnicos, mas também a formação e coordenação. Ao mesmo tempo, teremos de lidar com um maior volume de pedidos, porque o pacto vai agilizar algumas vias legais de entrada e residência. O importante é conseguir essa agilidade sem perder rigor nem controlo.A UCFE tem aqui um papel central, porque é a estrutura que liga todas as forças e serviços. É isso que nos permite garantir que Portugal entra neste novo quadro europeu de forma sólida, com sistemas interoperáveis, decisões rápidas e o mesmo nível de segurança.Uma das prioridades do Pacto é questão dos retornos voluntários. O que está a ser feito nessa área?Fizemos um memorando de entendimento na área do retorno. Esse memorando vai ser assinado no dia 14 de novembro, aqui, pelo diretor executivo da Frontex, com o ministro da Presidência, a ministra da Administração Interna e a secretária-geral do SSI. Trata-se de um acordo em que Portugal - através da PSP, da GNR, da AIMA e da UCFE - vai beneficiar do apoio da Frontex na área do retorno, com especialistas destacados, mais formação e apoio técnico para preparar todo o processo de execução dos retornos.A Frontex vai ajudar Portugal, sobretudo a PSP, na qualificação dos seus recursos humanos e na implementação dos retornos. Este ano fizemos dois cursos de conselheiros de retorno, e temos agora 40 polícias, militares e elementos da AIMA, além de dois ou três da UCFE, formados na parte do aconselhamento para a área do retorno. Em setembro, a PSP organizou com a Frontex um curso para escoltas, focado nas melhores abordagens aos migrantes, explicando-lhes as vantagens de um retorno voluntário em detrimento de um retorno forçado, e todo o processo que daí decorre.A pedido de Portugal, a Frontex destacou para cá quatro “return specialists”: três na PSP e um na AIMA. São quase todos portugueses, com exceção de um espanhol que fala português, porque a maioria das pessoas em retorno são brasileiros e fazia sentido que os formadores dominassem a língua. A Frontex tem muitos recursos e apoia muito esta área. Organiza voos charter para os retornos, alugando aviões a companhias comerciais quando os Estados-membros solicitam. Pode, por exemplo, juntar grupos de diferentes países - Portugal, Espanha, França - e fazer um percurso único, o que permite rentabilizar os voos e garantir condições seguras para todos os envolvidos.Neste momento, a Frontex é uma agência muito pujante, com grande capacidade e foco na segurança das fronteiras externas. Está até a desenvolver um novo conceito de “pré-fronteira”, que consiste em atuar em países terceiros, nas zonas de origem e influência, apoiando as autoridades locais antes mesmo de chegarem os fluxos migratórios.