Lei do ruído. Costa desafia Presidente da República
O Governo ignorou totalmente duas das diretivas do Presidente da República no seu último decreto do estado de emergência. E quanto a uma terceira, sobre os livros nos supermercados, protelou.
As diretivas ignoradas são as relativas ao ruído nos prédios e à preparação de um plano para a reabertura faseada das escolas.
No decreto governamental que regulamenta o novo estado de emergência - que se iniciará às 00.00 desta segunda-feira para terminar às 23.59 de 1 de março -, decreto esse publicado no "Diário da República" na sexta-feira à noite - o Executivo não dá qualquer andamento à exigência que o Presidente tinha feito sobre o controlo do ruído nos prédios.
O Presidente pediu, no decreto, que fossem "determinados níveis de ruído mais reduzidos em decibéis ou em certos períodos horários, nos edifícios habitacionais, de modo a não perturbar os trabalhadores em teletrabalho".
O pedido caiu bem entre os ambientalistas. À boleia do decreto do Presidente, a Associação Zero considerou, num comunicado, que o Governo devia mesmo "estabelecer que, pelo menos temporariamente, as autoridades policiais poderão em qualquer altura ordenar ao produtor de ruído de vizinhança a cessação imediata da incomodidade, o que atualmente só está previsto entre as 23h e as 7h (durante a noite)". E mais ainda: "As obras não urgentes devem ser evitadas ou limitadas a um período máximo de 4 horas por dia, repartido obviamente dentro do período 8-20h nos dias úteis". Sendo igualmente "fundamental que as autoridades (PSP e GNR) atuem de forma rigorosa no cumprimento da lei, não hesitando em efetuar as contraordenações que sejam necessárias para garantir o descanso".
"A Zero aplaude a preocupação manifestada na proposta de decreto do Presidente da República para a renovação do estado de emergência com o ruído que afeta muitos trabalhadores em tarefas remotas a partir das suas residências. Esta é uma questão chave que desde sempre afetou a qualidade de vida e a saúde dos cidadãos que agora se torna mais premente face à maior percentagem de pessoas em teletrabalho", lia-se ainda no comunicado.
Na quinta-feira, quando o primeiro-ministro apresentou as conclusões do Conselho de Ministros que aprovou o decreto de regulamentação do estado de emergência, foi fácil perceber que António Costa não tinha gostado da recomendação presidencial.
O chefe do Governo ignorou ostensivamente as (várias) perguntas que lhe fizeram sobre como regulamentaria a diretiva presidencial. Na sexta-feira, através do decreto governamental publicado, confirmou-se que não tem a menor vontade para dar andamento à pretensão presidencial.
Outra diretiva do PR que o Governo ignorou foi a que lhe determinou que preparasse já um plano de reabertura faseada das escolas. Nesse caso, porém, Costa falou logo na conferência de imprensa de quinta-feira que se seguiu ao Conselho de Ministros. O chefe do Governo não quer nem ouvir falar em desconfinamento.
E disse-o, sem rodeios: "Infelizmente é muito cedo para começarmos a especular sobre essa matéria. Estamos a estudar, estamos a trabalhar, ouviremos os parceiros sociais, as comunidades educativas, falaremos com os autarcas, falaremos também com o Presidente da República, ouviremos os partidos, mas neste momento seria extremamente prematuro trazer esse debate para a opinião pública, porque pode induzir em erro os cidadãos. Induzir em erro no sentido de pensarem que o desconfinamento pode começar para a semana ou daqui a 15 dias. O desconfinamento não vai começar nem para a semana nem daqui a 15 dias."
Acrescentando: "Neste momento o que queria dizer cara a cara aos portugueses, com toda a franqueza, é que concentremo-nos em continuar a cumprir as medidas que estão em vigor com toda a determinação, com o sentido de sacrifício profundo que elas implicam para todos, mas que neste momento acho que seria extremamente precipitado aquilo que certamente teremos que discutir, mas ainda, infelizmente, faltam várias semanas para o termos que fazer". Por várias vezes nessa conferência de imprensa o chefe do Governo insistiu na ideia de que o confinamento é para durar pelo menos até ao final de março.
Há ainda uma terceira matéria na qual o Governo parece arrastar os pés face às pretensões do PR. Tem a ver com a proibição da venda de livros nos super e hipermercados. Marcelo determinação o fim dessa proibição. E agora o Governo, em vez de legislar diretamente, passou o assunto para um ministro: "O membro do Governo responsável pela área da Economia [Pedro Siza Vieira] pode, mediante despacho, determinar que os estabelecimentos de comércio a retalho que comercializem mais do que um tipo de bem e cuja atividade seja permitida no âmbito do presente decreto não possam comercializar bens tipicamente comercializados nos estabelecimentos de comércio a retalho encerrados ou com a atividade suspensa nos termos do presente decreto, com exclusão designadamente de livros e materiais escolares, que devem continuar disponíveis para estudantes e cidadãos em geral."