Terrorismo. Aprovado plano que define apoio das Forças Armadas às polícias
Foi aprovado o plano que define as regras para as Forças Armadas apoiarem as Forças de Segurança em situações de grave ameaça à segurança interna, como terrorismo. O documento teve o apoio de todos os chefes das polícias que integram a Unidade de Coordenação Antiterrorista (UCAT), numa reunião dirigida esta terça-feira, pela secretária-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI), Helena Fazenda.
Por indicação do ministro da Defesa Nacional, a primeira versão deste plano, já aprovada em maio do ano passado, sofreu uma "pequena alteração de texto". De acordo com fontes que estão a acompanhar o processo, João Cravinho entendeu que se deveria retirar a expressão "coordenação" que estava no título do primeiro documento e substituí-la por "articulação operacional". O plano passou agora a chamar-se "Orientações para a articulação operacional das Forças Armadas (FAA) e das Forças de Serviços de Segurança (FSS)" em vez de "Orientações para a cooperação entre FAA e FSS".
Em causa está o apoio a dar pelos militares aos polícias, sob 'comando' destes, em situações excecionais, como ataques terroristas ou incidentes graves de segurança interna, nas quais as polícias já não tenham meios e capacidades suficientes de resposta.
Regras definidas: os militares atuam sempre sob a "direção operacional" do responsável da força de segurança que está a comandar a operação, através de um "elemento de ligação" das Forças Armadas; a sua intervenção tem um prazo definido no tempo; e apenas quando a força de segurança não tiver os meios necessários de resposta. O uso das armas ainda não foi definido.
A 'pequena' correção, que do ponto de vista jurídico tem significado distinto, demorou quase oito meses a concluir, arrastando ainda mais o tempo para concluir este acordo inédito previsto na Estratégia Nacional de Combate ao Terrorismo (ENCT) desde 2015. O 'tiro' de partida só foi dado depois de atual Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), almirante Silva Ribeiro, ter tomado posse.
Na primeira reunião que teve com a secretária-geral do Sistema de Segurança Interna, Helena Fazenda, em abril de 2018, manifestou a sua disponibilidade para concretizar este plano que há muitos anos vinha a ser protelado por o que chamou "preconceitos" de ambas as partes. Depois seguiram-se consultas aos ramos, através da criação de um grupo de trabalho, até se ter consensualizado um texto que viria a ser aprovado, só em maio de 2019, pelos chefes das polícias que integram a Unidade de Coordenação Antiterrorista (UCAT).
O documento voltou de novo ao CEMGFA, em julho de 2019 e depois de o reencaminhar à tutela para 'afinar' conceitos. Nessa altura, em declarações aos jornalistas, Gomes Cravinho pronunciou-se sobre a sensibilidade desta matéria, sublinhando que o texto tinha "implicações jurídicas e constitucionais delicadas", remetendo para as "próximas semanas" avaliar as "alterações necessárias".
Feita a retificação, Silva Ribeiro devolveu o documento o SSI em novembro passado com a proposta de correção. A justificação da foi o facto de a expressão "mecanismos de cooperação", que estava na primeira versão do documento, poder criar algumas "dificuldades jurídicas", em função da Lei de Defesa Nacional, que atribui ao governo a aprovação desses instrumentos - neste caso, tratam-se de orientações operacionais.
A nova redação foi aprovada na reunião da UCAT, seguindo depois para a assinatura do CEMGFA - decorridos já quase dois anos depois do 'tiro' de partida.
António Nunes, presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT) apoia a correção de Gomes Cravinho. "Articulação operacional é mais correto que cooperação. Há independência não só estatutária, como operacional das FSS e das FAA. Cada um tem as suas missões. Por isso faz mais sentido que dizer que se articulam do que cooperam".
No entanto, este especialista em segurança interna, tem dúvidas sobre o enquadramento constitucional destas patrulhas mistas. A Constituição da República Portuguesa (artigo 275) limitar a intervenção dos militares, em território nacional, aos casos de estado de sítio ou de emergência, os quais são declarados em situações de "agressão efetiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem constitucionalmente democrática ou de calamidade pública". "É preciso saber exatamente de que missões se está a falar. Os militares já apoiam a Proteção Civil, mas estão desarmados. E nestes casos? Se alguma coisa correr mal, como se resolve?", questiona. "Não podemos olhar para esta questão só do ponto de vista de ser preciso, mas também do ponto de vista da Constituição. Deviam ter pedido uma consulta ao Tribunal Constitucional (TC) ou, pelo menos, ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República", conclui o presidente do OSCOT.
Jorge Machado, ex-deputado do PCP que acompanhou esta matéria na Comissão parlamentar de Defesa Nacional, concorda que foi mais "prudente" alterar a expressão "cooperação" para "articulação operacional". Mantém, no entanto, as mesmas reservas que tinha quando Silva Ribeiro e Helena Fazenda foram ouvidos no parlamento, na sequência da notícia do DN. "Nunca chegámos a ter acesso ao documento e foi-nos dito que estava num ponto ainda muito embrionário. Mas uma questão muito sensível é como vai ficar definido o uso da força. Os polícias estão sujeitos a regras muitos restritas para a utilização da força e para a arma de fogo e que são muito diferentes das dos militares. Como é que vai ser com os militares nas ditas patrulhas mistas? Se estão armados, não pode ser de outra forma se não com as mesmas regras que os polícias e para isso terão que ter formação. É preciso acautelar isso muito bem", assinala.
Jorge Machado recorda o caso em França, onde militares fazem patrulhas de prevenção sempre que há ameaça de terrorismo, "em que um soldado disparou, junto ao Louvre, sobre um suspeito que tinha uma faca - um uso de força claramente desproporcional".
O DN pediu ao gabinete do ministro da Defesa para explicar a alteração ao texto e questionou se tinham sido pedidos pareceres jurídicos ao TC ou à PGR, mas não obteve ainda resposta.