Acordo histórico. Militares aceitam "comando" de polícias em casos extremos

Forças Armadas e Segurança Interna chegaram a um acordo histórico: pela primeira vez os militares vão poder integrar patrulhas policiais, em caso de ameaças graves à segurança.

Os militares aceitaram ser dirigidos por forças policiais, em casos de situações extremas de ameaça à segurança pública, como atentados terroristas, ou outros incidentes graves que ponham em perigo a população ou infraestruturas críticas. O acordo histórico foi nesta terça-feira aprovado pela Unidade de Coordenação Antiterrorista (UCAT), no Sistema de Segurança Interna (SSI).

Regras definidas: os militares atuam sempre sob a "direção operacional" do responsável da força de segurança que está a comandar a operação, através de um "elemento de ligação" das Forças Armadas; a sua intervenção tem um prazo definido no tempo; e apenas quando a força de segurança não tiver os meios necessários de resposta.

Os casos apontados como passíveis deste apoio dos militares são situações com impacto na segurança pública, a exigir uma rápida intervenção policial e recursos superiores aos habituais.

As "patrulhas mistas" são um recurso utilizado noutros países da Europa, como a Bélgica e a França, para fazer face à ameaça terrorista e tem suscitado algumas questões.

Negociações complexas

Foi preciso mais de um ano de negociações, coordenadas pela secretária-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI) e pelo chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), para chegar a um entendimento.

O plano, já previsto desde 2015 na Estratégia Nacional de Combate ao Terrorismo (ENCT), define os cenários, as condições e os limites da intervenção dos militares em solo nacional. Todas as regras foram definidas e enquadradas nas "Orientações para os Mecanismos de Cooperação entre as Forças Armadas e Forças e Serviços de Segurança", texto que foi validado pela UCAT, que coordena a execução da ENCT.

Além das patrulhas mistas, que podem, por exemplo, ser utilizadas na proteção de infraestruturas sensíveis ou na segurança de determinadas áreas, o reforço da colaboração dos militares na segurança interna será também aprofundado na partilha de informações e no apoio em matéria de sistemas de comunicações, instalações, transportes e meios sanitários.

"O processo foi muito complexo e demorado, principalmente porque foi necessário construir confiança dos dois lados: os militares com receio de serem mandados pelos polícias e estes com receio dos militares chegarem e tomarem conta", sublinharam ao DN fontes ligadas ao processo negocial.

A palavra certa

A questão do comando das operações a envolver as patrulhas mistas sempre foi um bloqueio para um entendimento entre militares e polícias, principalmente da parte de alguns setores das Forças Armadas que não aceitavam que as suas forças ficassem sob as ordens de uma força de segurança.

Silva Ribeiro aliviou a pressão, logo após a sua tomada de posse, manifestando a sua disponibilidade para um entendimento, em resposta à proposta que Helena Fazenda lhe tinha apresentado, em abril do ano passado.

Criou um grupo de trabalho, envolvendo todos os chefes dos ramos - Exército, Marinha e Força Aérea, que em julho de 2018 tinham dado luz verde à Segurança Interna.

Traçou as suas "linhas vermelhas": controlo operacional da força de segurança sim, comando teria de ser o da hierarquia militar. Mais, os militares teriam de estar armados quando fossem chamados para o terreno - questão que só ficará decidida nas regras de empenhamento.

Para não ferir suscetibilidades, as palavras "comando" e "controlo" foram banidas e o ponto de encontro entre o CEMGFA e o SSI foi conseguido com a escolha da expressão "direção operacional".

Para que não haja dúvidas, os meios ou capacidades empregues pelos militares - mantendo a dependência hierárquica do seu comando militar e da sua autonomia técnica e tática - serão dirigidos através de oficiais de ligação das Forças Armadas, sob a direção operacional do responsável da força de segurança competente (territorial ou funcionalmente), que exerce o comando da operação.

Por outro lado, a utilização dos militares no apoio às missões das polícias, respeitará as regras de atuação destas, obedecendo aos princípios que regulam a atividade de segurança interna.

Nos limites da lei?

A colaboração das Forças Armadas em matéria de segurança interna está prevista na Lei de Segurança Interna e na Lei da Defesa Nacional e já acontece em matéria de Proteção Civil (prevenção dos fogos florestais, por exemplo), competindo à secretária-geral do SSI e ao CEMGFA assegurarem entre si a respetiva articulação operacional.

Neste acordo foi tido em conta o facto de a Constituição da República Portuguesa (artigo 275) limitar a intervenção dos militares, em território nacional, aos casos de estado de sítio ou de emergência, os quais são declarados em situações de "agressão efetiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem constitucionalmente democrática ou de calamidade pública".

Helena Fazenda e Silva Ribeiro, bem como os altos responsáveis das forças de segurança e dos ramos militares, acreditam que as regras apertadas que foram impostas a esta intervenção conseguem enquadrá-la dentro dos limites legais e constitucionais.

Um plano com estes objetivos já tinha estado em cima da mesa em 2010, desenvolvido pelo gabinete do então secretário-geral do SSI Mário Mendes (atualmente juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça), mas a oposição dos chefes militares e até do então ministro da Defesa Augusto Santos Silva (atual titular dos Negócios Estrangeiros) atirou o projeto para a gaveta.

Mário Mendes defendia também que para esta articulação não seria necessário mudar a Constituição, porque "o que está em causa é utilizar os militares em complemento das polícias, apenas quando estas não tiverem capacidade para tal e sempre sob o comando da força de segurança competente na operação".

Na altura, o então CEMGFA Valença Pinto, oficial-general do Exército, enviou um documento a Santos Silva a declarar que era "evidentemente inaceitável" que os militares não tivessem competências próprias na segurança interna, assinando, no entanto, não ser "aceitável que as FA devam agir [...] sob a direção e supervisão das Forças e Serviços de Segurança".

Desde que tomou posse como CEMGFA, este é o segundo acordo histórico que Silva Ribeiro alcança. Em dezembro do ano passado assinou um protocolo de cooperação operacional com o Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP).

A assinatura formal do acordo entre os seus dois protagonistas, Helena Fazenda e Silva Ribeiro, ainda não tem data marcada, mas o DN sabe que o governo quer dar a máxima promoção a este momento, podendo a cerimónia ser realizada na presença do próprio primeiro-ministro, António Costa, que tem a tutela do SSI.

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