Tancos. Azeredo Lopes e todos os arguidos vão a julgamento

O juiz Carlos Alexandre concordou com os argumentos do MP contra o ex-ministro da Defesa e o ex-diretor da Polícia Judiciária Militar e decidiu que devem ser julgados, juntamente com todos os 21 outros arguidos, por todos os crimes de que estavam acusados

Pela primeira vez um ex-ministro da Defesa vai ser julgado por ações e omissões alegadamente cometidas no exercício das suas funções. A decisão foi esta sexta-feira anunciada pelo Tribunal Central de Instrução Criminal, no culminar do processo de instrução do caso de Tancos, conduzido pelo juiz Carlos Alexandre. Os 23 arguidos foram pronunciados por todos os crimes de que estavam acusados.

O inquérito de Tancos investigou o furto, em 28 de junho de 2017, e as circunstâncias em que aconteceu a alegada recuperação de grande parte do material militar, em 18 de outubro do mesmo ano.

Juntamente com Azeredo Lopes, da parte do inquérito relacionado com a farsa da recuperação do material de guerra - em que foram acusadas 14 pessoas -, vão também à barra do tribunal o ex-diretor da Polícia Judiciária Militar (PJM), coronel Luís Vieira, o major Vasco Brazão e os militares da PJM e da GNR que tinham sido acusados pelo MP.

Do grupo dos nove assaltantes, encabeçados por João Paulino - que acabou por fornecer a Carlos Alexandre informações decisivas sobre o achamento das armas - vão igualmente todos a julgamento.

MP pediu julgamento dos 23

No final da fase de instrução, o Ministério Público (MP) tinha pedido para que todos os arguidos fossem julgados pelos crimes de que foram acusados, tendo a procuradora revelado que ficou convencida que várias defesas concertaram posições, num processo que classificou de "extremamente singular".

Os 23 arguidos foram acusados de um conjunto de crimes que vão desde terrorismo, associação criminosa, denegação de justiça e prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, abuso de poder, recetação e detenção de arma proibida.

Os 23 arguidos foram acusados de um conjunto de crimes que vão desde terrorismo, associação criminosa, denegação de justiça e prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, abuso de poder, recetação e detenção de arma proibida. A instrução do processo, que começou em janeiro, foi pedida por 15 dos arguidos, entre os quais Azeredo e Vieira.

Para o MP, Azeredo Lopes sonegou informação à, na altura, procuradora-geral da República sobre a recuperação das armas dos paióis de Tancos e quis que Joana Marques Vidal fosse complacente com a situação.

O ex-ministro da Defesa Nacional foi acusado pelos crimes de denegação de justiça e prevaricação. O MP alega que soube da investigação da PJM à revelia da lei e nada vez, prejudicando a "descoberta da verdade" no furto de Tancos.

O MP classificou o comportamento de Azeredo como "extremamente grave". Além de ter exercido os seus poderes de ministro "contra os fins que lhe foram atribuídos", beneficiando criminosos, ainda violou a "fidelidade reclamada pela sua qualidade" de MDN.

Cumplicidade ao mais alto nível?

Segundo o MP, 15 dias antes do ''achamento' o ministro sabia que estava prestes a acontecer e que tudo tinha sido feito em acordo com um dos suspeitos, em troca da sua proteção.

O advogado de Azeredo Lopes, disse que o processo de Tancos é um caso político e a acusação resultou de uma "invenção" e da "manipulação dos factos"

O advogado de Azeredo Lopes, disse que o processo de Tancos é um caso político e a acusação resultou de uma "invenção" e da "manipulação dos factos", tendo o ex-ministro reiterado que apenas foi informado de "aspetos do conteúdo" do memorando sobre a recuperação das armas de Tancos, e que o seu chefe de gabinete nunca detetou relevância criminal no documento.

Foram elencados na acusação encontros entre Azeredo e o diretor da PJM, Luís Vieira,, na casa do ministro e no ministério, nos quais ia sendo informado do desenrolar dos acontecimentos.

O ex-diretor da PJM confirmou em tribunal que deu instruções para a recuperação das armas furtadas, mas refutou ter tido conhecimento da encenação e que "não houve qualquer intenção de encobrir os autores, nem houve qualquer pacto nesse sentido" - tese que não convenceu Carlos Alexandre. Vieira foi acusado pelos crimes de associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação de documento, denegação de justiça, favorecimento pessoal praticado por funcionário.

O ex-fuzileiro incriminou Azeredo

João Paulino, um ex-fuzileiro já conhecido das autoridades por ligações ao mundo da criminalidade, foi apontado pelo MP como o cabecilha do assalto. Foi detido a 25 de setembro de 2018, na Operação Húbris, juntamente com Vieira e outros militares da PJM e da GNR.

Paulino era o único do grupo dos suspeitos do furto que podia confirmar o acordo feito com os militares da GNR e da PJM, em que o MP baseia toda a parte da acusação relativa à encenação ilegal da recuperação das armas. E fê-lo, acabando por ter um papel fulcral na corroboração da tese do MP.

Carlos Alexandre terá até interrompido relato de João Paulino para frisar a importância daquelas palavras e alertar João Paulino para a consequência das mesmas. "Isso pode levar pessoas a julgamento", terá advertido.

O ex-fuzileiro, que sempre se recusara antes a prestar quaisquer declarações, afirmou logo no início da inquirição, que durou cerca de cinco horas, que só iria mesmo falar sobre o achamento.

No seu testemunho frente a Carlos Alexandre, o ex-fuzileiro deixou satisfeito o MP, que ouviu da boca do próprio a confirmação das suas suspeitas mais alarmantes: o acordo feito para a entrega das armas implicava que não fosse preso, ou seja a sua imunidade por um crime grave cometido.

Pocker e rebuçados

Carlos Alexandre manifestou a sua incredulidade com o facto de João Paulino ter mesmo acreditado que iria sair ileso e que aquele acordo era executável e legal.

"Se estavam a fazer bluff, era mesmo muito bem feito", terá afirmado. Paulino não tinha dúvidas que os seus interlocutores estavam a falar a sério. "Não estávamos ali a falar de rebuçados", sublinhou a Carlos Alexandre.

Em resposta, o ex-fuzileiro chegou a recordar que era jogador de pocker e que sabia bem o que era fazer bluff. "Se estavam a fazer bluff, era mesmo muito bem feito", terá afirmado. Paulino não tinha dúvidas que os seus interlocutores estavam a falar a sério. "Não estávamos ali a falar de rebuçados", sublinhou a Carlos Alexandre.

Relembrou ao tribunal que acabou por ficar quase um ano - entre a data em que o material foi recuperado a 18 de outubro de 2017 e a sua detenção a 25 de setembro de 2018 - sem que ninguém lhe tivesse ido fazer perguntas.

Isso significava, explicou ao juiz, que o acordo estava a ser cumprido - e no fundo, o caso teria ficado encerrado, não fosse a PJ e o MP terem desconfiado do achamento e começado a investiga-lo até conseguir esclarecer toda a operação e deter João Paulino, juntamente com vários militares da GNR, bem como o próprio diretor da PJM e o major Vasco Brazão, que assumiu desde início a "investigação" paralela.

Na mesma linha, o major Vasco Brazão, investigador e ex-porta-voz da PJM que admitiu nesta fase processual ser julgado por denegação de justiça, mas imputa responsabilidades no desenvolvimento do caso a Azeredo Lopes e ao ex-diretor da PJ Militar Luís Vieira.

O caso do furto do armamento foi divulgado pelo Exército em 29 de junho de 2017 com a indicação de que ocorrera no dia anterior, tendo a alegada recuperação do material de guerra furtado ocorrido na região da Chamusca, Santarém, em outubro de 2017, numa operação que envolveu a PJM, em colaboração com elementos da GNR de Loulé.

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