Ex-chefe de gabinete achou "normal" a operação da PJ Militar

Martins Pereira alega que não percebeu que estava em causa uma investigação paralela da PJM ao furto de Tancos, quando lhe foi entregue o memorando. Mas notou que os dirigentes da PJM estavam "apavorados" por causa da "tensão" com a PJ
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"Vingança até à morte, coronel Estalagem licenciado em direito, jornalistas" - foram estas as notas que o ex-chefe de gabinete do ministro da Defesa, diz ter anotado no seu caderno durante uma reunião crucial para entender as responsabilidades políticas no caso de Tancos. O tenente-general Martins Pereira foi ouvido esta quinta-feira na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao furto nos paióis.

Neste encontro, a 20 de outubro de 2017, dois dias depois de o material de guerra ter sido recuperado na Chamusca, este oficial ficou a saber que a versão oficial do "achamento" que tinha sido escrita no comunicado e transmitida ao Ministério Público (MP) não tinha toda a verdade.

Recebeu das mãos do ex-diretor da Polícia Judiciária Militar (PJM), coronel Luís Vieira, um "documento" com uma descrição da operação de recuperação das armas, indicando o envolvimento de um "informador" e a realização de uma "chamada anónima" feita por um militar da PJM a indicar a localização do acervo. Recebeu também uma fita de tempo da processo liderado pela PJM.

Este documento foi entregue por Martins Pereira no DCIAP, cujo conteúdo o DN já noticiou. Vasco Brazão disse que o documento era um "memorando" escrito em "coautoria" com Luís Vieira em papel não timbrado.

Confirmou que informou o ministro, tal como já tinha sido testemunhado por Luís Vieira e Vasco Brazão, mas "sem entrar em detalhes", mas referindo o "informador Fechaduras". Não se lembra se houve um telefonema de Vieira para o ministro durante aquele encontro, nem se lembra se enviou ou não o documento a Azeredo Lopes. "Não me lembro, sinceramente. Mas o Sr. ministro diz que nunca o viu. Confio ele. Provavelmente não o enviei".

Segundo o ex-diretor da PJM relatou na CPI, "o general ligou ao ministro" e o ministro quis falar consigo, tendo dito que "a procuradora-geral da República [Joana Marques Vidal] estava muito zangada e com ameaças". Marques Vidal relatou essa conversa na sua audição.

Esta conversa foi testemunhada por Vasco Brazão que a descreveu assim na sua audição na CPI: "o Diretor da Polícia Judiciária Militar, numa diligência em que foi acompanhado por mim, comunicou ao então Senhor Ministro da Defesa, na presença do seu Chefe de Gabinete, que o aparecimento do material de guerra furtado não ocorrera da forma como tinha sido publicitada, mas sim através de um informador. O Senhor Ministro não deu ao Senhor Diretor qualquer instrução no sentido de alterarmos a nossa conduta nem de participarmos a ocorrência ao Ministério Público. O Senhor Diretor comunicou-nos que a partir deste momento deveríamos aguardar".

"Não descortinei"

Martins Pereira e lembra-se que o diretor da PJM e Vasco Brazão he pediram para "destruir" o documento. "Pela forma como me foi dito e como já ando aqui há muitos anos, decidi tirar uma foto e guardar para memória futura", disse aos deputados.

Questionado sobre se não percebeu logo que estava ali em causa uma "investigação paralela", à margem da determinação da Procuradoria-Geral da República (PGR), garantiu que não. "Tal como já tinha dito, não descortinei ali nenhuma encenação. Para mim tratava-se de uma tática de investigação normal" e partiu do pressuposto que "estava coordenada", com a PJ. "Da leitura do documento não é visível isso. Sou das Operações Especiais, não da investigação criminal. Não consegui descortinar e não sou propriamente um indivíduo pouco inteligente", frisou.

A única coisa que "estranhou" foi a referência a um "informador" e o "telefonema" anónimo. "Perguntei o que era aquilo e explicaram foi que era para segurança do informador, pois caso contrário a operação não de poderia concretizar" e aceitou a explicação sem desconfiar que estava perante uma ilegalidade. "Quando estávamos a falar com o órgão de polícia criminal não ia achar que tinha havido irregularidades, Não detetei encenação nenhuma, interpretei como meras táticas com o informador", repetiu.

"Não perguntou pela prisão dos criminosos?", perguntou António Carlos Monteiro, do CDS. "O indivíduo nao estava como sendo o autor, mas como informador", respondeu.

"Vingança até à morte"

O que ficou mais presente na memória de Martins Pereira sobre essa reunião foi que os dois militares, Vieira e Brazão, se mostravam "apavorados" por causa da tensão com a PJ. "Vingança até à morte" foi um dos apontamentos que registou na seu caderno e que citou aos deputados.

Não explicou o porquê, mas uma possível explicação terá a ver com uma reunião que tinha havido na véspera no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), que classificou como "tempestuosa", em que os militares da PJM perceberam que o MP e a PJ desconfiavam do "achamento" e que o assunto não ia ficar encerrado.

Martins Pereira disse ter sugerido que o então diretor da Unidade de Investigação Criminal da PJM, coronel Manuel Estalagem, "licenciado em direito" falasse com a PJ, pois era o "oficial de ligação."O que senti foi que havia ali uma grande tensão", assinalou."Compreendo que a PJM se tenha sentido desconsiderada", com o facto de aquele furto, que consideravam "estritamente militar" fosse investigado pela PJ.

Quanto ao apontamento "jornalistas", nenhum deputado perguntou o seu significado.

E o que disse Marcelo?

Questionado sobre se tinha tido conhecimento da intervenção do Presidente da República, numa visita aos paióis a 4 de julho (cerca de uma semana depois do assalto), descrita pelo ex-diretor da PJM na sua audição esta quarta-feira - que que Belém já negou - Martins Pereira não confirma.

"Todos na sala aperceberam que o diretor da PJM não estava satisfeito com a decisão da PGR", assinalou. Especificamente sobre se ouviu Marcelo Rebelo de Sousa dizer que iria falar com a PGR e com o ministro da Defesa, para este falar à ministra da Justiça, sublinhou que não conseguia "identificar se foram definidas tarefas dessa forma".

O ex-chefe de gabinete alegou que "não estava muito próximo" de Marcelo para ouvir o que falou com Vieira. " Sei que foi abordada a questão da competência da investigação, fiquei com ideia que poderia ser feita alguma sensibilização, mas não ficaram definidas tarefas exatas", afiançou.

O ex-chefe de gabinete de Azeredo Lopes, confirmou que também se reuniu com Luís Vieira a 4 de Agosto, juntamente com o ministro e que lhe foi entregue um outro documento, "não oficial", sobre as "competências" de investigação. Nesta data, recorde-se, foi escrito um parecer pelo ex-ministro da Administração Interna, Rui Pereira, a defender o ponto de vista da PJM.

Martins Pereira foi ouvido no DCIAP a 24 de outubro de 2018, como testemunha, cerca de um mês depois da Operação Hubris, que levou à detenção de militares da GNR de Loulé e da PJM, entre os quais o diretor Coronel Luís Vieira.

O comunicado extemporâneo

Luís Vieira revelou na sua audição que Martins Pereira lhe deu ordens para que fizesse um comunicado em cooperação com o gabinete de imprensa do ministro da Defesa a divulgar a recuperação do material. O ex-chefe de gabinete, por seu lado, garante que o ministro ordenou que fosse a PJM a fazê-lo, oferecendo o "apoio técnico".

Não se apercebeu também que estava em causa matéria em segredo de justiça e que esse comunicado só poderia ter sido feito pela PGR, titular do inquérito, e não pela PJM, como aconteceu.

Neste comunicado divulgado no dia 18 de outubro de 2017, a PJM anunciou que, "no âmbito de investigações de combate ao tráfico e comércio ilícito" de material de guerra, recuperou durante a madrugada "na região da Chamusca, com a colaboração do núcleo de investigação criminal da GNR de Loulé, o material de guerra furtado dos Paióis Nacionais de Tancos".

Este comunicado foi a "gota de água" a fazer transbordar a paciência do MP, pois essa operação, sobre qual não tinha sido informado, nem a PJ, demonstrava que a PJM tinha desenvolvido uma investigação paralela, já assumida por vários militares desta polícia ouvidos na CPI, à margem das determinação da Procuradoria-Geral da República.

O furto de material de guerra foi divulgado pelo Exército em 29 de junho de 2017. Quatro meses depois, a PJM revelou o aparecimento do material furtado, na região da Chamusca, a 20 quilómetros de Tancos, em colaboração de elementos do núcleo de investigação criminal da GNR de Loulé.

Entre o material furtado estavam granadas, incluindo antitanque, explosivos de plástico e uma grande quantidade de munições.

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