
Tancos
Quem são e do que estão acusados os intervenientes do caso de Tancos
A acusação do Ministério Público sobre o caso de Tancos envolve Azeredo Lopes, os militares e os GNR e os assaltantes que levaram as armas e depois combinaram a sua devolução.
Ao todo são 23 os acusados num despacho com quase meio milhar de páginas de uma história mirabolante - que começa com um roubo de material de guerra, prossegue com uma encenação e acaba no gabinete de um ministro. Também por isso a acusação é feita em três tempos: a do assalto propriamente dito, do encobrimento do "achamento" e a parte que atinge a política. Os crimes em causa são apoio a organização terrorista, associação criminosa, tráfico de armas, falsificação de documentos, abuso de poder e denegação de justiça.
1. O ministro
José Alberto Azeredo Lopes, 53 anos
Denegação de justiça, prevaricação, abuso de poderes
O Ministério Público acredita e sustenta que Azeredo Lopes soube dos planos do grupo da Polícia Judiciária Militar (PJM) para investigar o furto à revelia do MP e da PJ e fazer um acordo com um dos suspeitos do assalto para simular a recuperação do material de guerra. Isso configurará, segundo a acusação, crimes de denegação da Justiça. Doutorado em Direito pela Universidade Católica, onde é professor, Azeredo Lopes foi presidente da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC).
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2. Os assaltantes

João Paulino no seu tempo nos fuzileiros
© Direitos reservados
João Paulino, 33 anos, em prisão preventiva
Associação criminosa, tráfico e outras atividades ilícitas, terrorismo, detenção de cartuchos e munições proibidos
O designado 'cabecilha' do grupo dos assaltantes, é natural de Ansião, mas passou a sua infância e juventude em Albufeira - onde fez amizade com Bruno Ataíde, que se tornou militar da GNR e viria a ser uma peça chave para a devolução do material de guerra.
Regressou à terra depois de ter cumprido o serviço militar nos Fuzileiros. Tinha um gosto especial por armas e tiro, tendo até participado em algumas provas. Estava inscrito da federação portuguesa de tiro (FPT). Era conhecido pelas autoridades como sendo traficante de droga.
António José Laranginha, 40 anos, em prisão preventiva
Associação criminosa, tráfico e mediação de armas e terrorismo
Era uma espécie de braço direito de Paulino, de quem era padrinho da filha. Tinha conhecimentos no mercado internacional de tráfico de armas. Vivia em Alvaiázere, perto de Ansião. Tal como Paulino também gostava de armas e tiro e estava inscrito da FPT. Durante este processo foi também constituído arguido noutro inquérito, por suspeitas de tráfico de droga.
Tinha sido constituído arguido, no início de 2019, no processo do furto das 57 pistolas glock da PSP, conhecido em janeiro de 2017. Terá sido Laranginha a escoar as armas, designadamente para Espanha, onde algumas foram apreendidas, e Marrocos.
Segundo testemunharam outros arguidos, Laranginha disse que iria contactar elementos da organização terrorista basca ETA, a quem poderia vender alguns dos explosivos - daí o MP ter acrescentado ao rol de acusações a alguns dos elementos do grupo de Paulino o crime de terrorismo.
Fernando Santos, 'Baião', 30 anos, prisão preventiva
Associação criminosa, tráfico e mediação de armas e terrorismo
Amigo e sócio de Paulino no JB Bar, em Ansião, acabou por cortar relações com este, pouco depois do furto, e emigrou para a Suíça.
Filipe Sousa, 29 anos, prisão preventiva
Associação criminosa, tráfico e mediação de armas e terrorismo
Foi a "toupeira" nos paióis e uma peça-chave em todo o processo. Era militar na base de Tancos e foi quem passou toda a informação sobre as fragilidades da segurança dos Paióis Nacionais de Tancos (PNT), o tipo de material que ali era guardado e a organização das patrulhas.
Entrou para o Exército em 2015, em regime de contrato.Em 2016, foi colocado no Batalhão de Engenharia do Regimento de Engenharia nº 1 em Tancos, onde esteve até final de 2017, findo o contrato. Como sargento, foi em diversas ocasiões o responsável pela guarda dos PNT. Tinha conhecimento de todas as vulnerabilidades dos sistema de segurança
Gabriel Moreira 'Tije, 32 anos, em prisão preventiva
Associação criminosa, tráfico e mediação de armas e terrorismo
Hugo Santos, 35 anos, em prisão preventiva
Associação criminosa, tráfico e mediação de armas e terrorismo
Pedro Marques, 25 anos, em prisão preventiva
Associação criminosa, tráfico e mediação de armas e terrorismo
Três amigos de João Paulino, que, segundo o MP, integravam o gangue de tráfico de droga. Costumavam juntar-se para jogar póquer no Chão de Couce (Ansião).
Valter Abreu, 'Pisca', 35 anos, TIR e obrigado a apresentações semanais na polícia
Associação criminosa, tráfico e mediação de armas e terrorismo
Residente no Bairro de Santiago, em Aveiro, é conhecido das autoridades como traficante e consumidor de haxixe, que compraria a João Paulino. É tio de Filipe Sousa, com quem mantinha uma relação muito próxima. Foi numa conversa entre ambos que, segundo o MP, 'Pisca' ficou a saber tudo sobre os paióis mal guardados. Esta informação foi depois transmitida a Paulino, a título de compensação por uma dívida de 1000 euros.
João Pais 'Caveirinha' , 32 anos, em prisão preventiva
Associação criminosa, tráfico e mediação de armas e terrorismo
Conhecido também por 'gadelhas' por usar o cabelo comprido, foi colega de escola de Paulino e de um outro amigo que estava a viver com 'Fechaduras', que indicaria ao grupo o material a utilizar para abrir os cadeados dos paióis.
Mora no Algarve, e diz o MP que está ligado não só a negócios de armas mas também de drogas.
Jaime Oliveira, 36 anos, obrigado a apresentações semanais na polícia
Associação criminosa, tráfico e mediação de armas.
Dono de um restaurante em Aveiro, conhecido de 'Pisca' , integrou também o grupo que foi aos paióis roubar as armas.
3. O Núcleo da "farsa" do 'achamento'

O Coronel Luis Vieira dirigia a PJM
© Álvaro Isidro/Global Imagens
Coronel Luís Vieira, 66, ex-diretor da PJM - esteve em prisão preventiva entre setembro de 2018 e fevereiro deste ano
Associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação de documento, denegação de justiça, favorecimento pessoal praticado por funcionário
A inspiração para o nome da operação Húbris (orgulho, arrogância e insolência), na qual foi detido juntamente com outros militares da PJM e da GNR, foi a atitude deste coronel. Vieira não se teria conformado que a investigação ao furto tivesse passado para a PJ civil e fez tudo ao seu alcance para reverter a situação, incluindo promover a criação de uma equipa clandestina para fazer investigação paralela. Fez também inúmeros contactos com o ministro da Defesa e com o chefe da Casa Militar do Presidente da República.
Major Vasco Brazão, 48 anos, ex-coordenador de investigação criminal da PJM
Associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação de documento, denegação de justiça, favorecimento pessoal praticado por funcionário
Era o rosto mais conhecido da PJM e foi, durante o julgamento dos comandos no caso da morte do recruta, o porta-voz desta polícia. Foi o braço direito de Luís Vieira na 'investigação paralela'. Umas semanas depois do 'achamento' escreveu uma carta a Vieira a sugerir louvores para todos os militares, incluindo os da GNR. "A PJ desta vez não nos passou a perna",afirmou. Também foi ele que sugeriu que Azeredo Lopes teria conhecimento do que se estava a passar - ou se tinha passado.

O major Vasco Brazão, 48 anos, ex-coordenador de investigação criminal da PJM
© Global Imagens
Major Roberto Pinto da Costa, 48, investigador -chefe da PJM
Associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação de documento, denegação de justiça, favorecimento pessoal praticado por funcionário
Segundo o MP, este militar soube que estaria a ser preparado um assalto a instalações militares da zona centro, em março de 2017 (um mês antes do furto), através de um inspetor da PJ, onde decorria um inquérito dirigido pelo DIAP do Porto.
No dia do assalto contou ao coronel Luís Vieira o que tinha sabido. No dia da visita de Marcelo Rebelo de Sousa a Tancos, a 4 de julho, o coronel revelou essa informação publicamente, criticando o MP e a PJ por não terem alertado o Exército - embora não tenha referido que a PJM também tinha sabido antes da denúncia.
Pinto da Costa teve, segundo o MP um envolvimento intenso na preparação da farsa da recuperação do material.

Major Pinto da Costa da PJM
© Imagem RTP
José Carlos Costa, 53 anos, sargento-chefe do Exército, investigador da PJM
Associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação de documento, denegação de justiça, favorecimento pessoal praticado por funcionário
Mário Lage de Carvalho, 43 anos, primeiro-sargento da GNR, investigador da PJM
Associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação de documento, denegação de justiça, favorecimento pessoal praticado por funcionário
Amigo de Lima Santos, do Núcleo de Investigação Criminal da GNR de Loulé, Lage de Carvalho foi o elo entre a Guarda e a PJM neste processo. Todas as diligências que os militares da GNR faziam, no âmbito da investigação paralela, eram-lhe reportadas e este transmitia-as a Pinto da Costa e Luís Vieira.
Nuno Reboleira, 35 anos, coordenador do Laboratório de Polícia Técnico-Científica da PJM
Associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação de documento, denegação de justiça, favorecimento pessoal praticado por funcionário
Em conluio com o grupo da PJM e da GNR, ignorou todos os procedimentos de segurança e forenses em relação ao material recuperado, impedindo que os peritos da PJ conseguissem identificar qualquer pista.
4. Grupo da GNR
Coronel Taciano Teixeira, 57 anos, diretor da Investigação Criminal da GNR
Associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação de documento, denegação de justiça, favorecimento pessoal praticado por funcionário
Segundo o MP, soube de todo o plano da encenação e tratou de conseguir que os militares da GNR pudessem apoiar a PJM, mesmo agindo fora da suas zonas territoriais.
Coronel Amândio Marques, 54 anos
Associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação de documento, denegação de justiça, favorecimento pessoal praticado por funcionário
Sucedeu a Taciano Teixeira da direção da Investigação Criminal da GNR e manteve a cooperação com a PJM nos mesmos termos
Tenente-coronel Luís Sequeira, 52 anos, chefe da Secção de Informações e Investigação Criminal da GNR do Algarve
Associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação de documento, denegação de justiça, favorecimento pessoal praticado por funcionário
Também soube e apoiou a investigação paralela
Guarda Bruno Ataíde, 33 anos, do NIC da GNR de Loulé
Associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação de documento, denegação de justiça, favorecimento pessoal praticado por funcionário
Ex-paraquedista do Regimento de Paraquedistas de Tancos, amigo de infância de João Paulino, de quem foi colega de escola. Depois do 'achamento' do material, Ataíde ocultou do Facebook a lista de amigos.
Foi com Bruno Ataíde que João Paulino desabafou sobre o furto que tinha protagonizado, pedindo-lhe ajuda para devolver o material sem ser incriminado. Ataíde, por sua vez, falou com Lima Santos que conhecia Lage de Carvalho, da PJM e lhe contou. Assim começou o plano da encenação.
Sargento Caetano Lima Santos , 42 anos, chefe do NIC da GNR de Loulé
Associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação de documento, denegação de justiça, favorecimento pessoal praticado por funcionário
Amigo de Lage de Carvalho da PJM, que ia mantendo informado sobre os passos da investigação dos seus militares do Algarve.
Guarda José Gonçalves, 33 anos, investigador do NIC de Loulé
Associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação de documento, denegação de justiça, favorecimento pessoal praticado por funcionário
Integrou também o grupo da farsa do achamento.
5. Referidos, investigados, mas não acusados
Tenente-general João Cordeiro, ex-chefe da Casa Militar do Presidente da República
Uma escuta a Vasco Brazão, dia 1 de abril de 2019, foi a primeira pista para o possível conhecimento que o chefe da casa militar da Presidência da República teria da situação - nomeadamente de desagrado da PJM com o facto de a investigação ter sido dada à PJ. "Nós temos provas concretas em que a Casa Militar foi informada. A Casa do Presidente, temos provas concretas, há e-mails (...) Portanto, não há que fugir a isso. (...) Agora não sei se ele quer falar já ou se só em julgamento. Portanto vamos ver.".
Confrontado pelo DCIAP com a transcrição, o major confirmou que Luís Vieira lhe tinha reencaminhado um e-mail que tinha enviado a Vasco Cordeiro. E que nesse dia o chefe da casa militar e o CEMGFA tinham telefonado para o diretor da PJM e estiveram a falar sobre Tancos. Adiantou ainda que a Casa Militar sabia que a PJM estava a trabalhar com um informador e que, desde o assalto, que Vieira falava regularmente com Cordeiro sobre o que estavam a fazer para recuperar o material.
João Cordeiro prestou depoimento por escrito e negou que tivesse recebido e-mails da PJM. Confirmou que no segundo semestre de 2017 Vieira lhe foi telefonando a dar da sua investigação e de algumas suspeitas que tinha em relação a suspeitos do Algarve e da possível localização do armamento. Nega que alguma vez lhe tivesse sido dito que estava em curso um acordo com os assaltantes para devolverem o armamento.
O DCIAP descobriu emails de Vieira para Cordeiro, um a 31 de julho de 2017, outro a 26 de outubro de 2017. No primeiro, Luís Vieira escreveu um longo texto no qual vincava a sua oposição à decisão da PGR. No outro pedia para que Cordeiro interviesse junto a Marcelo para que este sensibilizasse a PGR a devolver a investigação à PJM.
Também foram registadas diversas chamadas e mensagens entre Vieira e Cordeiro, uma delas no dia do 'achamento' - antes do comunicado oficial.
O DCIAP entendeu que João Cordeiro faltou à verdade quando disse, em reposta escrita aos magistrados, que não tinha recebido e-mails de Vieira e que tinha sabido do achamento pela comunicação social. Esta inconsistência permitiu ao DCIAP suspeitar que Cordeiro podia realmente ter sabido mais do que estava a assumir, podendo configurar crime de abuso de poder.
Mesmo assim as provas não foram, no entender dos magistrados, sólidas o suficiente, não tendo constituído arguido o tenente-general para poder ser condenado.
No entanto, o MP extraiu uma certidão do processo para abriu um inquérito isolado contra este General, pelo crime de "falsidade de testemunho".
Tenente-general Rui Clero, segundo comandante da GNR, e tenente-general Pires da Silva, comandante operacional
Taciano Teixeira e Amândio Marques disseram ao DCIAP que estes oficiais superiores sabiam da colaboração da GNR de Loulé com a PJM, no âmbito da investigação paralela ao furto de Tancos. Estes negaram. A informação teria sido só dada verbalmente, para obter cobertura superior. Era a palavra de dois coronéis contra a de dois tenentes-generais e, sem mais provas, o MP considerou insuficiente para os acusar.
*Artigo alterado com os crimes da acusação às 17:00 de 26/9/2019