A entrevista ao Expresso, neste sábado, em que a ministra da Segurança Social, Ana Mendes Godinho, se colocou debaixo de fogo do PSD e do CDS-PP, vai fazendo o seu caminho de controvérsia no espaço público - mas do PS nem uma palavra (bem como, aliás, dos antigos parceiros dos socialistas na geringonça, BE, PCP e PEV)..Talvez nesta terça-feira o primeiro-ministro comente pela primeira vez o caso. António Costa presidirá de manhã à reunião do Centro de Coordenação Operacional Nacional (CCON), na sede da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, em Carnaxide..Por causa da entrevista, o caso de Reguengos tornou-se embaraçoso para o governo. Mas não só. As mortes ocorreram num lar detido por uma fundação presidida por José Calixto, o socialista que acumula estas funções com as de presidente da Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz (cargo para o qual foi reeleito em 2017 com quase dois terços dos votos do concelho)..Tanto os sociais-democratas como os centristas querem a ministra no Parlamento a dar explicações - e ainda a titular da pasta da Saúde, Marta Temido -, mas a esta pretensão os socialistas não disseram nem água vem nem água vai..A verdade é que o Parlamento está fechado. Não está sequer agendada nenhuma reunião da Comissão Permanente, o órgão que em férias pode substituir o plenário. A primeira conferência de líderes do novo ano político está marcada apenas para 9 de setembro..O que está em causa são as declarações de Ana Mendes Godinho sobre o caso do lar de Reguengos de Monsaraz - onde um surto de covid-19, já entretanto considerado como resolvido, matou 18 pessoas (16 utentes, uma funcionária do lar e um homem da comunidade), num total de 162 casos de infeção (80 utentes, 26 profissionais do lar e 56 pessoas da comunidade em redor)..Na entrevista, a ministra assumiu que não tinha lido o inquérito feito pela Ordem dos Médicos (OM), tendo a sua equipa a analisá-lo. Este inquérito foi enviado para o Ministério Público - que desencadeou um inquérito criminal - e ainda para o Conselho Disciplinar Regional do Sul da OM, onde está a ser avaliado se será necessária ação disciplinar sobre algum médico envolvido no caso..No relatório, ao qual a agência Lusa teve acesso, a OM concluiu que o lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva (FMIVPS), em Reguengos de Monsaraz, não cumpria as orientações da Direção-Geral da Saúde (DGS) e apontou responsabilidades à administração e à Autoridade de Saúde Pública..Também afirmou que a sua preocupação com os lares era mais "estrutural" e menos com "casos concretos", não tendo como prioridade a responsabilização pelos surtos e respetivas consequências mas antes dar às instituições cada vez mais para melhor se poderem precaver contra a doença..Também relativizou a importância global da pandemia nos lares, atualmente: "Tivemos 365 surtos [em abril] e temos 69 agora. Claramente, temos menos incidência. Temos 3% do total dos lares e temos 0,5% das pessoas internadas em lares que estão afetadas pela doença. A dimensão dos surtos não é demasiado grande em termos de proporção. Mas, claro, isto não significa que não devamos estar preocupados.".Ainda antes da entrevista deste sábado, já o caso de Reguengos tinha suscitado reações parlamentares. O PCP pediu explicações no Parlamento dos responsáveis da ARS do Alentejo. A Iniciativa Liberal também já tinha exigido um "cabal esclarecimento" do caso numa pergunta dirigida aos ministérios da Saúde e do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social pelo seu deputado único, João Cotrim Figueiredo..Com a entrevista, Ana Mendes Godinho conseguiu porém transportar-se para a condição de epicentro da crise. O CDS e o Chega já lhe pediram a demissão. O PSD não - mas exige esclarecimentos na AR. E, entretanto, a ministra mantém-se em silêncio, tendo apenas emitido um comunicado a dizer que as suas declarações tinham sido descontextualizadas..O Presidente da República, por sua vez, disse que não só tinha lido o relatório da OM como os outros três relatórios oficiais sobre o caso (da câmara municipal, da fundação proprietária do lar e da Administração Regional de Saúde do Alentejo), mas não sem, em simultâneo, sublinhar a "tarefa brutal de toda a gente olhar para os lares e ver qual era a resposta adequada". "Os planos de contingência mudavam de lar para lar, foram descobertos muitos lares clandestinos. Houve que tomar medidas em cima da hora e difíceis", disse..Quem nesta segunda-feira não ajudou a que a situação da ministra ficasse melhor foi a diretora-geral de Saúde, Graça Freitas, e o secretário de Estado da Saúde, António Sales, na conferência de imprensa onde apresentaram o mais recente balanço sobre os efeitos da pandemia em Portugal.."Analisamos todos os documentos e relatórios [no Ministério da Saúde]. A análise pressupõe a leitura. Li todos os documentos e relatórios, claro que sim. Neste momento, estamos a analisar. Há muitas conclusões convergentes, outras menos convergentes, mas o que interessa é que da análise desses relatórios saia um caminho para proteção destas faixas mais vulneráveis", disse Sales.."Como disse o secretário de Estado da Saúde, temos a obrigação de ler os relatórios que nos chegam. Isso faz parte das nossas obrigações: ler os relatórios, retirar deles os ensinamentos mas também fazer sobre eles comentários e acrescentos, porque nenhum relatório é completamente exaustivo e precisa, às vezes, que se olhe para outros ângulos", acrescentaria Graça Freitas..O secretário de Estado aproveitou para divulgar um balanço geral da situação nos lares. Segundo disse, 70 estruturas residenciais para idosos em Portugal têm casos de covid-19, com 542 utentes e 2017 funcionários com testes positivos..Ou seja, a situação é de "alguma estabilidade" e a tendência continuar a ser de diminuição de infeções nestes espaços.."O que podemos garantir é que a experiência tem levado a correções e a melhorias", disse o governante, adiantando que, por exemplo, foram feitas visitas a 261 de um total de 283 residências para idosos na zona do Alentejo, com a elaboração de relatórios sobre as inconformidades detetadas, estando os serviços a aferir correções..Esta situação, assegurou António Sales, "também se verifica no resto do país, onde os lares têm recebido equipas mistas da Segurança Social, autoridades de Saúde e Proteção Civil para verificação da implementação das medidas".."Este é um trabalho conjunto com as instituições, as autarquias e a Segurança Social com um objetivo comum de proteger esta faixa da população mais vulnerável ao vírus que obriga a um dever especial de proteção", salientou..Esta segunda-feira, Portugal registou uma morte e mais 132 casos confirmados de covid-19 em relação a domingo, segundo o boletim epidemiológico da DGS. Desde o início da pandemia até segunda-feira registaram-se 1779 mortes e 54 234 casos de infeção..A nível mundial, a pandemia de covid-19 já provocou pelo menos 770 429 mortos e infetou mais de 21,7 milhões de pessoas em 196 países e territórios, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.