Putin no casamento da MNE austríaca antes de discutir temas quentes com Merkel

Presidente russo vai reunir-se neste sábado com a chanceler alemã para discutir dossiês tão importantes como o conflito na Ucrânia, a guerra na Síria, as sanções dos EUA contra o Irão e o gasoduto Nord Stream 2. De caminho para a Alemanha, passa na Áustria, para o casamento da chefe da diplomacia Karin Kneissl.

Envolto em polémica, como quase sempre, o presidente russo, Vladimir Putin, vai estar hoje em dois países da União Europeia. Na Áustria como convidado do casamento da ministra dos Negócios Estrangeiros, Karin Kneissl, uma independente que foi nomeada para o governo de coligação pelo partido de extrema-direita FPÖ. Na Alemanha como convidado da chanceler Angela Merkel, com quem discutirá, no Palácio de Meseberg, temas quentes como o conflito na Ucrânia, a guerra na Síria, as sanções dos EUA contra o Irão e o gasoduto Nord Stream 2.

Da Ucrânia, precisamente, vieram as primeiras críticas à presença do líder russo no casamento da chefe da diplomacia austríaca com o empresário Wolfgang Meilinger numa quinta vinícola no estado da Estíria. Na cerimónia do enlace de Karin Kneissl, especialista em Médio Oriente, de 53 anos, estarão igualmente o chanceler e o vice-chanceler, respetivamente, Sebastian Kurz (líder do conservador ÖVP) e Heinz-Christian Strache (líder da formação de extrema-direita FPÖ).

"A 18 de agosto, entre os convidados do casamento da líder da diplomacia da Áustria estará Putin, que era suposto ser isolado. A sua participação no casamento desacredita a Áustria como Estado neutral para mediar sobre a Ucrânia", declarou a presidente do comité de Negócios Estrangeiros do Parlamento ucraniano, Anna Hopko, citada pela agência Unian.

"Provocação de dimensão europeia e vergonha para a Áustria"

No entender da responsável ucraniana, a presença de Putin no casamento de Kneissl "é mais um revés para os valores europeus, enquanto [Oleg] Sentsov, [Volodymyr] Balukh, presos políticos do Kremlin, correm risco de morrer por greve de fome; enquanto a tortura dos ucranianos nos territórios ocupados é uma prática diária e os peritos internacionais da Cruz Vermelha não têm acesso a eles; enquanto no leste da Ucrânia os bombardeamentos diários prosseguem porque Putin não respeita os acordos e não existe qualquer armistício". Além disso, "Putin deveria estar isolado por causa de crimes como o do MH17, Aleppo e Salisbury", disse, referindo-se ao avião da Malaysia Airlines que foi abatido sobre a Ucrânia em 2014 fazendo 298 mortos, aos ataques com armas químicas atribuídos ao regime de Bashar al-Assad, o qual, segundo as garantias russas, já não as deveria ter, bem como ao envenenamento do ex-espião russo Sergei Skripal naquela zona do Reino Unido.

A Ucrânia indicou ainda que passa a excluir a Áustria do Processo de Minsk, relativo ao conflito com os pró-russos do leste ucraniano que levou à anexação da Crimeia pela Rússia.

Dentro da Áustria, país que assegura atualmente a presidência da União Europeia, também chovem críticas. "Como pode a presidência austríaca da UE desempenhar, como pretende, um papel de intermediário honesto [entre a UE e a Rússia], se a ministra dos Negócios Estrangeiros e o chanceler se colocam tão claramente de um lado?", questionou nesta sexta-feira o líder parlamentar dos sociais-democratas do SPÖ, na oposição, Andreas Schieder. "É uma provocação de dimensão europeia" e "uma vergonha para a imagem da Áustria", considerou a eurodeputada do SPÖ Evelyn Reger.

Os Verdes, também na oposição, pediram a "demissão imediata" da ministra, frisando que "Vladimir Putin é o adversário mais agressivo da UE em matéria de política externa". Face à polémica, o Ministério dos Negócios Estrangeiros austríaco assegurou que a visita do presidente da Rússia "não mudará nada no posicionamento da Áustria em matéria de política externa".

A presença de Putin no casamento da ministra próxima da extrema-direita foi noticiada pela BBC e confirmada esta semana pelo porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, o qual afirmou apenas: "Ele passará por lá a caminho de Berlim." O FPÖ é um partido próximo do regime russo, que defende o fim das sanções da UE impostas à Rússia após anexação, em 2014, da península da Crimeia. Moscovo construiu, entretanto, uma ponte que liga a Crimeia à Rússia. Sem que nem UE nem EUA tenham feito algo determinante no sentido de travar a consolidação daquela anexação.

Tropas da ONU na fronteira entre a Rússia e a Ucrânia


O encontro que Putin terá com a chanceler alemã Angela decorrerá no palácio de Meseberg, a 70 quilómetros de Berlim, no estado federado de Brandeburgo. É o segundo encontro neste ano entre os dois líderes. Em maio, Merkel foi a Sochi, tendo sido a primeira visita da chanceler desde que a Rússia anexou a Crimeia em 2014.

Rússia e Alemanha concordam que os acordos obtidos no âmbito do Processo de Minsk devem ser implementados a 100% para se chegar à paz e acabar o conflito que persiste na Ucrânia. Porém, Putin e Merkel não conseguiram ainda chegar a acordo sobre o mandato de uma força de manutenção de paz das Nações Unidas.

Alemanha e França querem as tropas da ONU mobilizadas para as áreas controladas por rebeldes pró-russos, incluindo na zona de fronteira entre a Rússia e a Ucrânia. Moscovo opõe-se à ideia.

O gasoduto da discórdia internacional

Quando veio à cimeira da NATO, em julho, o presidente dos EUA, Donald Trump, usou o gasoduto Nord Stream 2 para atacar a Alemanha e a chanceler Angela Merkel.

"Acho que é muito triste ver a Alemanha fazer um acordo com a Rússia sobre importação de gás. Quando é suposto nós estarmos vigilantes e nos defendermos em relação à Rússia, a Alemanha vai pagar milhares de milhões por ano à Rússia", disse Trump, em Bruxelas, num pequeno-almoço com o secretário-geral da NATO Jens Stoltenberg . "A Alemanha está refém da Rússia porque importa de lá uma grande parte da sua energia."

As obras do gasoduto Nord Stream 2 já foram lançadas, na zona alemã do Báltico, estando a conclusão prevista para 2019. O custo está calculado em cerca de 10 mil milhões de euros e a entrada em funcionamento prevista para 2020. Quando estiver a funcionar, o gasoduto trará 55 mil milhões de metros cúbicos de gás por ano da Rússia até à Alemanha. O projeto atravessa outros países, como a Finlândia, a Suécia e a Dinamarca. Além da Polónia, estão contra os Estados Bálticos e a Ucrânia. No passado, os ucranianos sofreram cortes de gás, como forma de retaliação pela aproximação do país à UE e à NATO. O gasoduto sairá de Ust-Luga na Rússia, atravessará o Báltico, até chegar terminar em Greifswald, na Alemanha.

Em entrevista ao DN, no final de maio, o secretário de Estado dos Assuntos Europeus polaco, Konrad Szymanski, criticou uma grande contradição por parte do governo alemão no que toca à forma de lidar com a Rússia, pois enquanto uns países expulsavam diplomatas russos por causa do envenenamento do ex-espião Sergei Skripal no Reino Unido, Berlim aprovava a construção do Nord Stream 2. Aconteceu no final de março

"O Nordstream 2 é um mau exemplo, porque significa que, no fim de contas, seremos dependentes da Rússia, no que respeita a nível de importação de energia. A concorrência será limitada nesta parte do mercado também. Com este tipo de políticas estamos a fazer algo contraditório. Mas, no caso da Alemanha, não é nada de novo. Claro que Angela Merkel tem tido um papel positivo nas sanções contra a Rússia. Mas o Nordstream2 vai contra os interesses europeus", disse Szymanski ao DN, falando do gasoduto que pertence à estatal russa Gazprom e cujo presidente do conselho de administração é o ex-chanceler alemão Gerhard Schroeder. Schroeder é do SPD. Merkel da CDU.

Cessar-fogo duradouro na Síria

Merkel quer discutir com Putin um cessar-fogo duradouro para a Síria acordado entre EUA e Rússia. Falando numa conferência de imprensa com o primeiro-ministro do Montenegro, Dusko Markovic, a chanceler alemã admitiu a possibilidade de ser realizado um encontro sobre a Síria envolvendo a Alemanha, a Rússia, a Turquia e a França.

O regime de Putin tem sido criticado pelo apoio ao regime de Bashar al-Assad, o qual disse ter convencido no passado a desfazer-se de todas as armas químicas que aquele tinha em sua posse. Chegado ao poder, face a dois ataques químicos que vitimaram civis, um em 2017 e outro já este ano, Trump decidiu intervir. Três dias após o ataque químico que fez 74 mortos e 557 feridos em Khan Sheikhoun, a 4 de abril do ano passado, o presidente dos EUA autorizou o disparo de 59 mísseis Tomahawk contra a base militar síria de Al-Shayrat. Em abril deste ano, após novo ataque químico nos arredores de Douma, o qual deixou também pelo menos sete dezenas de mortos, muitos deles crianças, os EUA voltaram a atacar a Síria, apoiados pelo Reino Unido de Theresa May e a França de Emmanuel Macron.

Os alvos foram um centro de investigação em Damasco e duas instalações que serviriam para armazenar armas químicas em Homs. Uma delas serviria para guardar stocks de gás sarin. Antes do ataque, Trump avisou, através do Twitter, o regime de Assad, mas também os países que o apoiam, citando o Irão e a Rússia, de forma muito específica.

"Muitos mortos, incluindo mulheres e crianças. Ataque QUÍMICO na Síria. A área visada está cercada pelo Exército sírio, completamente inacessível ao mundo. O presidente Putin, a Rússia e o Irão são responsáveis por apoiarem o Animal Assad. Preço muito elevado a pagar. Abram imediatamente a área para ajuda médica e verificação. Outro desastre humanitário sem qualquer razão. DOENTIO! Se o presidente Obama tivesse ultrapassado a Linha Vermelha conforme disse, o desastre sírio teria acabado há muito! O Animal Assad já seria história", escreveu, em três tweets consecutivos, o presidente dos EUA.

O conflito na Síria já fez, segundo a ONU, cerca de meio milhão de mortos. Além disso, há 5,6 milhões de refugiados sírios, além de 6,5 milhões de pessoas deslocadas internamente. Em 2015, a Alemanha abriu as portas a 1,1 milhões de migrantes e refugiados, na sua maioria oriundos da Síria, tendo tal decisão custado votos à CDU de Merkel nas eleições de setembro de 2017 e críticas dentro do próprio governo por parte do parceiro de coligação bávaro CSU.

A chanceler tem, por isso, mas também para travar a subida nas intenções de voto do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha, tentado convencer os parceiros da UE a acordar uma política migratória mais abrangente. Mas sem grande sucesso. Por isso enveredou por acordos bilaterais. Como o que anunciou nesta sexta-feira com a Grécia. O acordo diz que a Grécia receberá de volta pessoas que inicialmente requereram asilo em território grego e que depois viajaram até à fronteira da Alemanha com a Áustria.

As sanções de Trump contra o Irão

Ao contrário do presidente dos EUA, com quem Putin se encontrou em Helsínquia, na Finlândia, em julho, tanto o presidente russo como a chanceler alemã querem manter os seus países no acordo sobre o nuclear do Irão.

Trump retirou os EUA do acordo e anunciou novas sanções contra o regime de Teerão. Em maio, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, enunciara 12 condições que os iranianos têm de cumprir para voltarem a ter os americanos num acordo.

No início deste mês de agosto, no âmbito da guerra comercial em curso, o chefe de Estado dos EUA mandou os países escolherem: ou fazem negócios com o Irão ou com os EUA.

"As sanções contra o Irão voltaram oficialmente. São as sanções mais duras alguma vez impostas. Quem quer que esteja a fazer negócios com o Irão NÃO fará negócios com os Estados Unidos. Estou a pedir a PAZ MUNDIAL, nada menos!", escreveu Trump na sua conta na rede social Twitter.

O aviso do presidente norte-americano foi levado muito a sério pelas empresas. A alemã Daimler, por exemplo, anunciou que desistiu de expandir os seus negócios para o mercado iraniano. "Cessámos as nossas atividades, já restritas, no Irão, em concordância com as sanções aplicáveis", indicou o fabricante automóvel, citado pela Reuters. Também a francesa Peugeot indicou que começou já a tomar medidas para suspender a joint venture com o Irão e a sua rival Renault que vai aderir às sanções dos EUA.

Isto apesar de a União Europeia, que discorda da denúncia do acordo sobre o nuclear do Irão por parte dos EUA, ter anunciado a entrada em vigor de uma nova legislação para proteger as empresas europeias no Irão, de modo a menorizar o efeito das novas sanções dos EUA contra o país muçulmano de maioria xiita.

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