Rui Pinto. Cruzadas, motivações e derrotas. Tudo o que vai assumir em tribunal

Pronunciado por 90 crimes, Rui Pinto, criminoso para uns e denunciante para outros, vai tentar provar em tribunal que os fins podem justificar os meios. E que a luta contra a corrupção é o seu desígnio.
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"Um país degenerado, com elevados níveis de corrupção, falta de justiça e um dos mais repressivos em relação aos whistleblowers [denunciantes]. Necessário processar a Cofina. São os pontas-de-lança da polícia e do MP, manipulam as pessoas."

Estas são palavras de Rui Pinto manuscritas - a autoria é assumida na contestação que vai levar a tribunal - num papel que as autoridades apreenderam quando foi detido na Hungria. Demonstram a motivação que foi o ponto de partida para as suas ações. Também o seu desencantamento e ingenuidade.

Foram escritas a 15 de janeiro de 2019, quando Rui Pinto estava a discutir com o seu advogado e a Signal Foundation (uma organização internacional que defende denunciantes) as condições da sua colaboração com as autoridades francesas e a forma como queria que fossem divulgados os seus ficheiros explosivos (ler mais abaixo a história completa). Acabou por ser detido três dias depois e a folha de papel apreendida.

Rui Pedro Gonçalves Pinto vai começar a ser julgado no próximo dia 4 de setembro. No seu rol de 45 testemunhas encontram-se figuras públicas de peso - a ex-eurodeputada e ativista de Direitos Humanos, Ana Gomes, o diretor nacional da PJ, Luís Neves, o ex-coordenador do BE, Francisco Louçã, e um dos mais famosos whistleblowers do mundo, Edward Snowden, entre outras.

Na contestação de 130 páginas enviadas ao Tribunal Central Criminal de Lisboa, a que o DN teve acesso, a defesa de Rui Pinto faz uma espécie de visita guiada pelos bastidores das bandeiras que o hacker foi erguendo nos últimos anos: Football Leaks, Luanda Leaks, Malta Files, estão entre eles.

Contar a "história e a sua motivação" de forma a impedir que "seja julgado e condenado pelos 90 crimes por que está pronunciado" é o objetivo descrito.

Em causa estão 68 crimes de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo (aos sistemas informáticos do Sporting, da Doyen, da sociedade de advogados PLMJ, da Federação Portuguesa de Futebol e da Procuradoria-Geral da República) e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.

As motivações

A defesa de Rui Pinto sublinha que, "sem prejuízo de o arguido não aceitar a autoria de todos os crimes pelos quais foi pronunciado, a sua conduta não poderá deixar de ser, global e pontualmente, analisada e ponderada tendo em conta que a sua motivação para a prática de factos ilícitos foi o desejo de denúncia pública de crimes graves".

Recorda que "as revelações" de Rui Pinto "permitiram a numerosas autoridades
judiciais - europeias e não só - um avanço histórico no conhecimento de práticas
criminosas clandestinas que, não sendo reveladas, perdurariam indefinidamente com manifesto prejuízo económico para diversos países, mas também para os direitos humanos, em geral, em todo o mundo".

A sua atuação, é assinalado, "assumiu uma enorme dimensão pública - nacional e internacionalmente -, nomeadamente em virtude dos, assim designados, Football Leaks e, mais recentemente, dos Luanda Leaks, revelações com manifesto impacto em todo o mundo e com que estes autos se prendem e que nos mesmos deverão ser tidos em conta".

O despertar em Mafamude

A defesa de Rui Pinto descreve a história da paixão do hacker, desde muito miúdo, pelo clube do dragão. "Nasceu em Mafamude, Vila Nova de Gaia, e, nunca o escondeu, é amante de futebol e adepto do Futebol Clube do Porto. Durante vários anos, seguiu atentamente o fenómeno futebolístico, primeiro como adepto interessado, depois, também, como cidadão indignado com a obscuridade patente nos negócios do futebol que indiciavam a existência de realidades ocultas, seguramente ilícitas", está escrito na contestação.

Por volta de 2010, Rui Pinto passou a ler atentamente os relatórios e contas dos clubes (com os valores de valores de transferência de jogadores, percentagens de passe dos jogadores, e intermediações), nos quais havia referências a várias empresas localizadas em paraísos fiscais e que recebiam avultadas verbas em tais negócios.

"Uma pesquisa simples no Google pouco ou nada revelava sobre quem se escondia por detrás dessas sociedades offshore e qual a sua real atividade e ligações no mundo do futebol e da finança" e Rui Pinto "compreendeu que a crescente intervenção de fundos de investimento opacos em negócios no futebol impedia a transparência que tais negócios, no seu entender, deviam merecer e eram, simultaneamente, um sinal de alerta para os contornos eventualmente ilícitos das transações".

No seu entender, as autoridades não investigavam devidamente esta realidade criminosa "pelo que decidiu procurar mais informação do que aquela que era divulgada por essas empresas, entre as quais os fundos de investimento".

A criação do Football Leaks

Rui Pinto decidiu criar esta plataforma, onde usava o pseudónimo John, "para divulgar com transparência e verdade documentação original e integral, sem omissões ou truncagens".

Pretendia, explica a defesa, que "os cidadãos comuns, amantes do futebol como era o seu caso, pudessem perceber, em toda a plenitude, como funcionavam os negócios do futebol".

O hacker "assume todas as responsabilidades decorrentes da mesma", embora assinale que houve publicações que não foram suas e informações a que não acedeu pessoalmente.

Através desta plataforma, recorde-se, foram divulgados publicamente, através de canais de televisão e outros órgãos de comunicação, acordos e contratos confidenciais.

"No mês de setembro de 2015, foi apresentado no canal TVI 24, pelo comentador
desportivo Pedro Guerra, um draft de um acordo falhado entre o Sporting Clube
de Portugal e o clube de futebol inglês Fulham relativo ao jogador grego
Konstantinos Mitroglou", exemplifica.

"Na mesma altura, o ex-futebolista António Simões, no programa Play-Off, na SICNotícias, e o comentador desportivo João Gobern, no programa Trio de Ataque da RTP3, revelaram os detalhes da proposta pelo jogador Franco Cervi feita pelo Sporting e o envolvimento de um fundo africano nesse suposto negócio", acrescenta.

Alega Rui Pinto que "não foi fonte desses comentadores, mas dado o impacto mediático dessas divulgações, as mesmas foram aproveitadas pelo arguido para lançar o Football Leaks no dia 29 de setembro de 2015".

"Marco histórico"

O impacto do Football Leaks, com John como protagonista, ultrapassou fronteiras, com vários jornais prestigiados em todo o mundo a fazerem eco das revelações ali publicadas. Um deles foi o The New York Times, com um artigo, apenas dois meses depois, a escrever: "Site misterioso visa esclarecer negociações sobre o futebol".

Diz o texto que "o jovem funcionou como whistleblower de um escândalo de proporções mundiais ao revelar práticas ilícitas no mundo do futebol" e "com o processo longe de estar terminado e ainda com muita informação por ser revelada, como o próprio garantiu em entrevista após a sua detenção, o Football Leaks já se tornou um marco histórico no futebol mundial".

Segundo um artigo da Sportinforma/Lusa, citado nesta contestação, "foi destas revelações que "resultaram casos como a multa do fisco espanhol a
Cristiano Ronaldo ou a José Mourinho
pelo seu desvio de fundos para contas em
offshores e outras descobertas como os esquemas ardilosos de Manchester City e
Mónaco, as ligações entre Jorge Mendes e bilionários chineses e até o alegado
abuso sexual de Ronaldo a Kathryn Mayorga".

No início deste ano, lembra a defesa de Rui Pinto, "foi noticiada pela Guarda Civil espanhola a investigação a empresários de jogadores em Espanha com base em documentos divulgados pelo Football Leaks".

A defesa de Rui Pinto alega que "uma parte substancial dos documentos publicados" lhe chegaram por fontes anónimas e não através de intromissões dos sistemas informáticos.

A Doyen e o filho de Pinto da Costa

A defesa classifica de "repugnante" que esta sociedade - da qual partiu a primeira queixa contra Rui Pinto por tentativa de extorsão - venha dar "lições de ética e moral", quando "é investigada pelo MP"

Conforme o DN noticiou, o inquérito foi aberto em 2019 pelo MP do Porto e são investigados crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais.

A Doyen é um fundo de investimento que negoceia jogadores de futebol e "por estar envolta em mistério, sempre suscitou a curiosidade" de Rui Pinto.

De resto, é assinalado, "já em 2015 circulavam rumores entre adeptos do Futebol Clube do Porto, no sentido de que poderia haver ligações entre aquela empresa e Alexandre Pinto da Costa, filho do presidente do Futebol Clube do Porto, tendo o arguido tido acesso a um conjunto de contratos que revelavam um 'esquema' entre o Futebol Clube do Porto e Nélio Lucas - na altura CEO da Doyen Sports Investments Limited -, para financiar a empresa Energy Soccer em que Alexandre Pinto da Costa detinha, assumidamente, 60% do capital, utilizando a empresa maltesa Vela Management Limited, falsos contratos de scouting e falsificação de documentos com a aposição de datas anteriores à sua efetiva elaboração".

A Doyen passou a ser alvo de Rui Pinto na sua "cruzada a favor da transparência no futebol" para "descobrir e revelar publicamente o enorme número de crimes cometidos pelos "parasitas que se aproveitam do futebol".

Uma derrota

Foi esta empresa que apresentou queixa contra Rui Pinto por tentativa de extorsão - por ter ameaçado publicar documentos comprometedores caso não o contratassem como "técnico de informática com um ordenado de 25 mil euros", de acordo com o que está escrito na contestação.

No entanto, garante a defesa, logo "tomou consciência do grave erro em que incorrera ao contactar e ao negociar com Nélio Lucas a possibilidade de acabar com as revelações do Football Leaks".

Transmitiu de imediato, alega a defesa, a sua desistência e retomou as publicações no Football Leaks, "pondo um ponto final nas negociações com Nélio Lucas". "Houve, pois, da parte do arguido uma decisão voluntária, uma atitude interior, espontânea, de revogar a decisão anteriormente formada de cometer o crime, por motivos próprios, assumidos, de reconsideração", é assinalado.

Além disso, sublinha a defesa, "os documentos publicados no site Football Leaks não foram retirados do sistema informático da Doyen Sports".

Mas estas alegações, repetidamente apresentadas ao MP e em recursos aos tribunais não convenceram até agora os magistrados. Esta foi a sua maior derrota, pois este era o único dos crimes que lhe estavam imputados, cuja moldura penal (mais de cindo anos de prisão) sustentava a prisão preventiva a que esteve sujeito.

O Sporting - suspeitas e polémicas

Rui Pinto assume que o seu interesse pelo clube dos leões teve vários motivos: "A polémica rescisão do contrato do treinador Marco Silva, polémicas com a Doyen Sports Investment Limited, a falta de transparência da transferência do treinador Jorge Jesus com toda uma 'novela' mediática em redor da mesma, um contrato com a banca que aparentava ser bastante benéfico para o clube, e, acima de tudo, as ligações com Angola, nomeadamente o investimento de Álvaro Sobrinho através da Holdimo - Investimentos e Participações, S.A. com a utilização de dinheiro proveniente do Banco Espírito Santo de Angola."

Segundo a acusação, Rui Pinto terá provocado uma paralisação do servidor do correio que durou três dias. O hacker alega que nunca foi sua intenção esse resultado, mas que "surpreendentemente" o Sporting Clube de Portugal (SCP) não tinha instalado um software "que bloqueia o acesso ao endereço IP, se existir um fluxo de grandes dimensões, e protege a estabilidade do servidor.

Quanto às alegadas violações dos e-mails do SCP, a defesa sustenta que as vítimas "souberam no ano de 2015 que as suas caixas de correio tinham sido acedidas, não tendo apresentado queixa dentro dos seis meses legalmente previstos, sendo irrelevantes as declarações que tenham prestado, depois daquele prazo, no sentido de pretenderem procedimento criminal".

Rui Pinto diz que o seu interesse pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) "está
relacionado com a prolongada impunidade nas questões da corrupção desportiva".

Entre 2015 e 2018, terá denunciado "questões legais graves". Pontos de interesse eram, por exemplo:

1 - O processo dos vouchers, denunciado pelo dirigente sportinguista Bruno de
Carvalho, em que o Benfica ofereceu aos elementos de arbitragem e delegados
dos jogos um conjunto de ofertas de valor significativo, mas que as instâncias
disciplinares do desporto arquivaram;

2 - Os "esquemas" do controlo das estruturas de arbitragem, desde a
seleção dos árbitros até à monitorização da vida privada dos árbitros por parte de
elementos com ligações ao clube Benfica;

3 - As questões da intermediação das transferências de jogadores e a
fraca fiscalização da dupla representação legalmente inadmissível;

4 - O funcionamento das sociedades anónimas desportivas (SAD), o fraco escrutínio da idoneidade dos investidores, não existindo sequer uma análise do beneficiário final das empresas acionistas maioritárias, permitindo as maiores dúvidas sobre a sua legalidade. Como exemplo indica o recente caso do Desportivo das Aves e o caso Atlético Clube de Portugal, com o envolvimento de uma rede internacional de match-fixing.

Os escritórios de advogados e o Luanda Leaks

Rui Pinto garante que o seu alvo prioritário para aceder aos sistemas informáticos da sociedade de advogados PLMJ eram as operações ligadas a Isabel dos Santos, a empresária filha do ex-presidente de Angola José Eduardo dos Santos.

Não era, ao contrário do que diz a acusação do MP, as ligações deste escritório com o Benfica nem o facto de arguidos do processo E-Toupeira, Operação Marquês ou processo EDP terem ali os seus advogados.

Rui Pinto assume que teve em 2017-2018 "acesso a diversa informação relacionada com a empresa Fidequity - Serviços de Gestão, S.A. e com muitas operações financeiras suspeitas ligadas a Isabel dos Santos" e que "ao ler essa documentação, percebeu que advogados da PLMJ como Inês Pinto da Costa eram peças-chave no auxílio e na otimização do branqueamento de capitais da filha do presidente angolano, tal como na elaboração de contratos lesivos para o Estado angolano".

Daí que tenha decidido investigar estas suspeitas "porque era manifestamente evidente que o dinheiro provinha da corrupção em Angola e era produto do regime cleptocrático aí instalado".

Daí, assume que acedeu à caixa de correio de Inês Pinto da Costa e que isso "lhe permitiu completar o puzzle". Essas informações, conjugadas com outro material, permitiram a Rui Pinto ceder à PLAAF (Plataforma para a Proteção dos Denunciantes em África) todo o material que veio a dar origem ao Luanda Leaks.

É hoje sabido, sustenta a defesa, que esta divulgação "demonstrou que advogados portugueses. em violação da lei, não reportaram casos flagrantes de fraude e branqueamento de capitais, e mais grave ainda auxiliaram a própria Isabel dos Santos na criação de estruturas offshore para o efeito, sugerindo jurisdições favoráveis, mesmo sabendo que estavam a lidar com uma pessoa politicamente exposta".

Garante a defesa que Rui PInto "nunca auferiu qualquer vantagem económica de qualquer das suas atuações descritas na acusação/pronúncia".

O seu objetivo foi o de "denunciar ao mundo numerosas e graves ilegalidades -
sendo certo, no caso do Luanda Leaks, o saque ao dinheiro e às riquezas do
Estado angolano (e português) por um clã dirigido por uma PPE (pessoa politicamente exposta) - e tentar acabar com essa atividade predatória num país com uma imensa riqueza, uma cleptocracia de luxo e uma pobreza generalizada da população".

O manuscrito

A 15 de janeiro de 2019, Rui Pinto anotou um conjunto de "ideias para serem discutidas numa reunião com o seu advogado William Bourdon e uma representante da Signal Foundation, Preethi Nallu, que teve lugar nesse mesmo dia no lobby de um hotel na Andrassy Út, em Budapeste".

O manuscrito viria a ser apreendido quando foi detido a 18 de janeiro e serviu para os procuradores do MP responsáveis pela investigação sustentarem a tese de que Rui Pinto estava a "negociar" a venda das informações, que tinha obtido ilegalmente "a entidades com relevante poder económico".

Eis o que está escrito, em inglês (traduzido pelo DN):

"Poder de veto em todas as histórias sobre mim e o Projeto.

Permissão para partilhar os documentos através da plataforma EIC durante um tempo limitado - depois pode ser acordado alguma extensão dependendo de como os parceiros trabalharem.

Aluguer de casa, despesas a longo termo.

Não quero coisas temporárias, quero uma proteção para o futuro.

A minha decisão definirá o resto da minha vida.

A minha namorada seguir-me-á e precisa de estabilidade e trabalho. Não quero que ela pague pelos meus erros.

A partir do momento em que venha a público, estarei disponível para entrevistas na TV, presenças, conferências, etc.

Preciso de uma equipa de relações públicas e de alguém conhecedor das especificidades do mercado português. A maior das guerras será travada em Portugal.

Um país degenerado com elevados níveis de corrupção, falta de justiça e um dos países mais repressivos em relação aos denunciantes.

Necessário processar a Cofina.

São os pontas-de-lança da polícia e do MP, manipulam as pessoas.

Contrato de cinco anos.

Não estou só envolvido no FL (Football Leaks), mas também nos Malta Files e outras matérias que podem expor corrupção e lavagem de dinheiro."

Proteção em França não se concretizou

Segundo a defesa, além das conversações com a Signal para a divulgação do material através da EIC (European Investigative Collaborations), que junta diversos órgãos de comunicação social, estava também em cima da mesa Rui Pinto ser acolhido por um programa de proteção de testemunhas das autoridades francesas, em troca de colaboração.

Estava previsto que todo este processo fosse anunciado em "fevereiro ou março quando o arguido já estivesse devidamente protegido em França - o que não veio a suceder em virtude da sua detenção".

Rui Pinto, assinala a defesa, estava "consciente de que era alvo de uma campanha negativa alimentada por tabloides, entre os quais, o Correio da Manhã e a CMTV (do grupo Cofina)" e por isso "considerava necessitar de uma equipa de relações públicas para combater essa campanha constante nas edições impressas e no canal de televisão referido".

Mas a folha de papel com as anotações para a reunião foi apreendida na sua detenção pelas autoridades húngaras (cumprindo o mandado de detenção europeu emitido por Portugal) e nada se concretizou. Foi outro revés, ou derrota, para Rui Pinto.

"Desconhece-se que conclusões pretende o Ministério Público extrair do mesmo, sendo certo que tal documento corresponde, ipsis verbis, ao que se descreveu", afiança a defesa.

O "jornalista" Rui Pinto

Em conclusão, a defesa sublinha que Rui Pinto "não duvida de que na sua atividade no âmbito do Football Leaks, no seu sentido mais amplo, sem cuidar das formas como obteve a informação, se enquadra no exercício do direito à informação".

Nesse sentido, o seu trabalho "deve ser também enquadrado numa perspetiva
jornalística, visto ter auxiliado órgãos de comunicação social internacionais
na
pesquisa e na análise documental como é particularmente evidente no relato do
jornalista Rafael Buschmann no livro Football Leaks".

A defesa de Rui Pinto assinala que "a importância do mundo do futebol na lavagem de dinheiro foi, finalmente, reconhecida pela Comissão Europeia no seu Relatório ao Parlamento Europeu e ao Conselho de 24.07.2019".

A Comissão oficializou "inclusão do futebol numa lista de 47 setores que merecem maior vigilância, por serem vulneráveis a operações de "lavagem de dinheiro" e/ou "financiamento de terrorismo".

A defesa de Rui Pinto sustenta que a legislação europeia de proteção de denunciantes pode ser aplicada a Rui Pinto, em sede de decisão judicial, "na valoração da sua motivação e dos resultados obtidos em termos sociais com as revelações efetuadas".

As colaborações com as autoridades

Na contestação é destacada "a colaboração encetada com as autoridades judiciárias francesas, nomeadamente o Parquet National Financier".

Segundo a defesa "no dia 20 de novembro de 2018, o arguido foi ouvido pelos procuradores financeiros da República Francesa, Eric Russo e Jean Philippe Navarre, acompanhado pelo seu advogado William Bourdon, e entregou àqueles diversa informação por si detida".

Mais tarde, "entregou outro disco informático ao seu advogado francês que, por sua vez, entregou ao procurador Jean Yves Lourgouilloux, que veio a referir-se, em conferência de imprensa nas instalações do Eurojust, à importância da informação trazida pelo arguido".

Foi também ouvido em Budapeste, quando ali ainda residia clandestinamente, por um procurador belga (Julien Moinil) e elementos da polícia belga "com vista a auxiliar aquelas autoridades em questões criminais relacionadas com o fenómeno futebolístico".

Além destas, Rui Pinto terá ainda, de acordo com a defesa, prestado "outras colaborações, tendo efetuado denúncias junto das autoridades, tal como sucedeu no caso da MFSA de Malta, onde uma sua denúncia auxiliou num processo em que a Doyen Sports Investment veio a ser multada em 23 mil euros por efetuar empréstimos de dinheiro sem para isso estar legalmente autorizada".

A Suíça também terá pedido a sua colaboração, tendo as revelações de Rui Pinto estado na origem de uma investigação "ao presidente da FIFA, Gianni Infantino, e à demissão do procurador-geral suíço, Michael Lauber, suspeito de atuar em conluio com Infantino".

Rui Pinto diz-se arrependido de, "para obter os dados que procurava, ter acabado por praticar ilícitos penais" mas que a "censura" não deve ser "muito forte" dados os resultados obtidos na luta contra a corrupção.

Em Portugal, alega a defesa, Rui Pinto "enviou diversas denúncias anónimas para o
DCIAP (...) desconhecendo o seguimento que as mesmas possam ter tido".

Rui Pinto esteve na cadeia até abril passado, altura em que terá começado a colaborar com as autoridades portuguesas e foi transferido para um apartamento na sede da PJ.

No início deste mês, também devido a essa colaboração, foi libertado e colocado numa casa-abrigo, no âmbito do programa de proteção de testemunhas.

A legislação portuguesa não permite a utilização, como prova de crimes, de nenhum material obtido de forma ilícita, mas não deixa de ser informação disponível para os investigadores seguirem as pistas até recolherem os dados, de forma legal, que permita abrir inquéritos.

MDE ilegal

Apesar de no despacho de pronúncia (decisão de levar Rui Pinto a julgamento) a juíza de instrução criminal Cláudia Pina considerar que foi "legal e que não houve a violação de um julgamento justo" para Rui Pinto, quanto à extensão do mandado de detenção europeu (MDE) original, pedida pelas autoridades portuguesas e autorizada pela Hungria, o que permitiu à justiça portuguesa alargar a investigação e a acusação a Rui Pinto, a defesa do arguido reitera a "ilegalidade" deste alargamento do MDE.

Na contestação, os advogados consideram ainda que a busca à residência de Rui Pinto em Budapeste, e a consequente apreensão de dispositivos informáticos, foi realizada por "órgão policial criminal ilegal", razão pela qual alega ser "um meio proibido de prova".

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