Doyen é arguida e tem conta bancária de oito milhões de euros bloqueada

Fundo de investimento que negoceia jogadores de futebol está a ser investigado pelo Ministério Público por suspeitas de branqueamento de capitais.
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A Doyen Sports Investment Limited tem uma conta bancária, domiciliada em Portugal, que está sujeita a uma suspensão temporária de movimentos e operações por ordem judicial, com a companhia que tem sede em Malta a ser arguida num inquérito iniciado em 2019 e no qual o Ministério Público (MP) do Porto investiga crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais.

O processo teve início com a comunicação de um banco às autoridades relatando a tentativa de transferência de mais de 500 mil euros para uma empresa que tem como cliente único o grupo Doyen, criada em 2018 e sediada no Reino Unido, a troco de um alegado serviço de consultadoria e de cobrança de créditos que se suspeita ser apenas uma fachada para movimentar o dinheiro.

Depois disso, a Doyen tentou ainda transferir quatro milhões de euros para uma conta bancária num paraíso fiscal na Caraíbas (Santa Lúcia) com o MP a acreditar que esta verba teve origem ilícita, mais concretamente terá resultado de negócios em Espanha com transferências de jogadores. Na referida conta haverá um saldo de oito milhões de euros, sendo que mais de metade deste saldo foi transferido da Suíça pela própria Doyen. O MP suspeita que esta conta em Portugal - inativa durante anos - era usada para branqueamento de capitais.

Esta informação consta de um acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 14 de julho, em que a Doyen viu ser rejeitado um seu recurso para desbloquear a referida conta bancária, em que argumentava que não há qualquer crime fiscal. Outra vertente do recurso também não teve sucesso e dizia respeito a um pedido da Doyen para poder pagar mais de 245 mil libras [cerca de 272 mil euros] a uma firma de advogados inglesa. Alegava que esta sociedade presta serviço à outra empresa envolvida e que esta depende dos pagamentos da Doyen para conseguir liquidar as faturas.

Apesar de rejeitarem os recursos, os desembargadores do Porto admitem que a suspensão de movimento venha a ser alterada no futuro já que entretanto passou mais de um ano de inquérito (a medida tem sido renovada de três em três meses): "Verifica-se que permanecendo o grau das suspeitas, e não ocorrendo elementos que diminuam essas suspeitas, por ora, não se encontra justificada a pretensão da arguida recorrente em ver finda a medida de suspensão temporária dos movimentos a débito. A decisão que renova a medida proferida em 24 de Janeiro de 2020, agora em recurso, quase que perfez um ano sobre a sua confirmação judicial em Fevereiro de 2019, e se é compreensível que o curso das investigações em processo de inquérito leve o seu tempo, não se ignora que o decurso excessivo do tempo, sem que mais nada sobrevenha aos autos, mesmo em matéria de suspeitas, poderá vir a tornar, no futuro, crítica a manutenção da medida de suspensão."

"Indícios mais do que suficientes"

Após o recurso subir à Relação, na contra-motivação o MP aponta que existem no processo indícios mais do que suficientes do crime de branqueamento de capitais. "A transferência de 530.000,00 libras para a D... [empresa criada em Londres] indicia que a B... [Doyen Sports Investments Limited] quer "dar" a E... [administrador da Doyen e também da empresa de Londres] fundos sem qualquer causa justificante. O altruísmo e a magnanimidade no universo empresarial são fenómenos sobremaneira atípicos. Daí que esta conduta, somada à sua tentativa de transferir 4.000.000,00 euros para um paraíso fiscal, fundam o indício de que a B... quer, por um lado, fabricar uma justificação levar às mãos de E... dinheiro ilícito e, por outro, ocultar um rendimento de 4.000.000,00 euros", lê-se na promoção feita pelo MP, que foi aceite no despacho do juiz de instrução criminal, que é transcrita neste acórdão. .

No mesmo despacho, de fevereiro de 2020, o juiz do TIC do Porto que conduz o inquérito concordou com as conclusões do MP: "Esta conduta permite a tranquila conclusão de que a origem daqueles fundos é ilícita, não só porque pretende ocultar 4.000.000,00 euros, mas porque necessita de construir um esquema que aparente justificar a passagem de dinheiro para E.... Porém, tudo aponta para que os rendimentos ilícitos tenham sido gerados fora do território nacional (nomeadamente do crime de fraude fiscal imputado à recorrente pelas autoridades espanholas), de onde são oriundos a maior parte dos créditos transferidos."

Perante a investigação realizada e os documentos entretanto apresentados pela Doyen, o MP diz que se pode "razoavelmente suspeitar que, a pretexto de um suposto contrato de consultoria" acertado entre a Doyen a empresa londrina do seu universo, a conta bancária congelada destinava-se apenas "a transferir fundos de origem desconhecida" para o administrador da Doyen. Por isso, perante a conduta financeira da Doyen "(retirar fundos de uma conta na Suíça para uma conta Inativa em Portugal, pretender transferir 4 milhões de dólares para um paraíso fiscal, fazer circular deste modo esquivo fundos entre empresas do mesmo grupo) é manifesto que são fortes os fundamentos que alicerçam as suspeitas que as quantias têm origem ilícita".

Este inquérito está ligado a uma investigação das autoridades espanholas aberta em 2019 em que estão em causa crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais relacionados com as transferências de vários futebolistas em Espanha, com a Doyen e Nélio Lucas, o português que foi CEO da empresa até 2017, a serem arguidos.

A Doyen Sports Investments Limited está sediada em Malta e teve Nélio Lucas como homem-forte em termos públicos durante anos. Com o Football Leaks foram revelados vários movimentos suspeitos de dinheiro, relacionado com direitos económicos nas transferências de futebolistas. A Doyen está também no centro do processo em que Rui Pinto está acusado de extorsão. O hacker terá acedido a ficheiros informáticos do grupo de investimento de forma ilegal, tendo depois procurado extorquir dinheiro, segundo o MP, o que originou uma queixa da Doyen e o processo contra Rui Pinto que irá a julgamento em breve.

Além disso, ganhou um processo ao Sporting, relativo a comissões de transferências de jogadores, em que estavam em causa 22 milhões de euros.

Há muito secretismo em torno da Doyen Sports - que integra um fundo de investimento, o Doyen Group - e nem se conhecem bem quem são os seus investidores, A família Arif, do Cazaquistão mas com residência na Turquia, tem sido apontada com a detentora do capital do fundo Doyen mas até 2017 foi o português Nélio Lucas que dei a cara pela companhia ligada ao futebol.

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