PJ reforçada no plano para extinguir o SEF e o tiro ao lado do diretor da PSP

O SEF não vai ser fundido com a PSP, ao contrário do que disse Magina da Silva, nem sequer esse cenário esteve alguma vez na agenda. É a investigação criminal da Polícia Judiciária que pode sair reforçada e o controlo de fronteiras repartido entre a GNR e a PSP.
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O diretor nacional da PSP é campeão nacional de tiro (dinâmico), mas as suas declarações sobre a fusão do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e da PSP foram um disparo completamente ao lado do alvo. Este é um cenário que não está sequer em cima da mesa e, tal como o próprio veio depois a corrigir, não foi mais que a sua "visão pessoal" daquilo que deseja para a força de segurança que dirige.

Este plano envolve diretamente o primeiro-ministro, como coordenador do Governo, os ministros da Justiça, Administração Interna, Negócios Estrangeiros e Presidência do Conselho de Ministros.

Ao que o DN apurou, ouvindo várias fontes governamentais e policiais de topo que estão a acompanhar a anunciada reestruturação do SEF, precipitada pela morte de Ihor Homeniuk, o plano que parece estar a colher maior consenso é, extinto aquele serviço (e este ponto não está ainda sequer decidido), o controlo de fronteiras passar a ser feito pela PSP (aeroportos) e pela GNR (terrestres e eventualmente marítimas) e concentrar na Polícia Judiciária (PJ) toda a investigação criminal relacionada com redes de imigração ilegal e tráfico de seres humanos - crimes esses que também já investiga, tal como toda criminalidade relacionada, não sendo, por isso, necessário alterar a Lei de Organização e Investigação Criminal.

Toda a parte administrativa e de fiscalização - vistos, autorizações de residência e passaportes -, que é a maior fonte de receita do SEF, poderá ficar numa nova agência ou direção-geral, na dependência do Ministério da Administração Interna.

Esta transferência de competências terá de ser acompanhada pela proporcional transferência de recursos humanos - o SEF tem cerca 900 inspetores -, a qual beneficiará muito a investigação dos crimes mais graves alvo da PJ.

Não apenas porque este corpo superior de polícia poderá ser reforçado com inspetores altamente qualificados na investigação de crimes relacionados com as redes de imigração ilegal, tráfico de seres humanos e na deteção de documentos de viagem falsos - muitas vezes interligados com crimes de associação criminosa e terrorismo -, como teria acesso direto às riquíssimas bases de dados de informações do SEF.

Estas bases de dados são uma das grandes mais-valias do SEF, que lhe permitem monitorizar entradas e saídas de estrangeiros, sua localização e permanência em território nacional: o SIS II - Sistema de Informações Schengen (que indica as pessoas que são alvo de restrições de circulação no espaço Schengen e documentos extraviados ou com problemas); o VIS - Sistema de Informação de Vistos da União Europeia (UE); o SNV - Sistema Nacional de Vistos; o EURODAC, onde estão todos os registos de impressões digitais partilhadas com as polícias da UE; o APIS - Sistema de Informação Antecipada de Passageiros, que regista as informações que as transportadoras aéreas facultam ao SEF sobre os estrangeiros que transportam para território nacional; o SIBA - sistema que monitoriza o registo de estrangeiros em unidades hoteleiras nacionais; o PASSE-RAPID, que regista as entradas e saídas de estrangeiros em postos de fronteira; o Sistema de Passaportes, que regista todos os dados destes documentos; e o SIRENE, que neste momento está no Ponto Único de Contacto do Sistema de Segurança Interna (SSI), onde também está alojada informação de suspeitos estrangeiros, documentos e viaturas em circulação na UE e já é partilhado pelas forças e pelos serviços de segurança.

Caso o SEF venha a ser extinto, o acesso direto da PJ a esta informação será de enorme utilidade, não só na investigação dos crimes que o SEF também tratava, mas também na criminalidade como raptos, sequestros, terrorismo, tráficos de seres humanos, armas e estupefacientes, muitas vezes interligados e tendo associações criminosas a comandar.

A última grande reorganização do Sistema de Segurança Interna foi feito em 2007, quando José Sócrates era primeiro-ministro e António Costa era o ministro da Administração Interna. Na base desta reforma esteve um estudo alargado, coordenado por Nuno Severiano Teixeira, também ex-MAI socialista. Um dos cenários que propôs passava também pela extinção do SEF, mas teve a oposição de Costa.

Numa entrevista ao Expresso na altura, o atual primeiro-ministro foi claro, quando questionado porque não tinha seguido essa proposta e optado pela criação apenas do cargo de secretário-geral do SSI, com funções de coordenação das forças e dos serviços de segurança: "Não nos pareceu essencial optar pela fusão de forças, mas sim assegurar mecanismos de coordenação. Porquê? Em primeiro lugar, porque entendemos que é necessária uma força de segurança de natureza militar; em segundo, porque julgamos que a evolução da criminalidade aconselha a existência de uma Polícia Judiciária centrada na criminalidade complexa, organizada e transnacional; em terceiro, porque nos parece que tendo Portugal uma parte tão relevante da fronteira externa da UE, e sendo claro que nas próximas décadas o fenómeno migratório vai ser particularmente relevante, seria um erro extinguir um serviço especializado de emigração e fronteiras. Assim sendo, pouco sentido fazia optar pela fusão de forças", afirmou.

Todo este plano necessitará, porém, de uma maioria de dois terços no Parlamento, pois uma extinção do SEF exige uma alteração à Lei de Segurança Interna. Para já, publicamente, o Governo não assume que está em curso esta extinção, frisando apenas que o Programa do Governo prevê "uma separação orgânica clara entre funções policiais e funções administrativas de autorização e documentação de imigrantes do SEF".

No esclarecimento que fez depois das declarações escaldantes do superintendente chefe Manuel Magina da Silva, à saída de uma audição com o Presidente da República, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, desautorizando o chefe máximo da PSP que nomeou em janeiro passado, afirmou que a projetada reforma no âmbito do SEF será anunciada "de forma adequada" pelo Governo "e não por um diretor de Polícia".

Da parte da oposição, que terá de ser envolvida neste processo para que uma proposta do Governo obtenha os votos de dois terços dos deputados, não há, para já, sinais de apoio.

O PSD, partido que mais tem pressionado Cabrita por causa da morte de Ihor e que nos últimos dias lhe chegou a fazer um ultimato para que demitisse a diretora do SEF ou se demitisse, não tinha divulgado ainda, até à noite desta segunda-feira, a sua posição sobre esta reestruturação.

No entanto, no seu programa eleitoral, o PSD, que no tempo de Passos Coelho chegou a defender a criação de uma Polícia Nacional, agregando PJ, PSP e SEF, não faz qualquer proposta de alteração ao SSI.

O BE, por seu lado, entende que "a prioridade deve ser dada à alteração do modelo de acolhimento de pessoas migrantes, requerentes de asilo e refugiadas". A deputada Beatriz Gomes Dias defende que este acolhimento "deve ser um processo administrativo e não policial", e que "ao persistir neste modelo policial está-se a tratar as pessoas migrantes como criminosas".

Para os bloquistas "é fundamental criar um modelo que tenha a pessoa migrante no centro, que garanta o respeito dos direitos fundamentais das pessoas migrantes, que nenhum serviço do Estado, policial ou não, opere através da intimidação e da violência".

Segundo Beatriz Gomes Dias, "para a consecução desta restruturação será necessário separar as vertentes policiais e administrativas do SEF. É importante dar uma dimensão à componente civil e administrativa do SEF totalmente diferente da que tem hoje, sem deixar de ter uma componente de investigação e de polícia. Mas não podemos começar o processo de cima para baixo".

O PCP defende a necessidade de uma reestruturação do SEF por causa da morte de um cidadão ucraniano às mãos de inspetores, mas recomendou que não se faça "de cabeça quente".

Em conferência de imprensa após uma reunião do Comité Central do partido, neste domingo, Jerónimo de Sousa considerou que deve haver "uma reconsideração em relação ao funcionamento desse serviço", mas salientou que é preciso "não envolver todos os funcionários do SEF como se tivessem cometido crimes, porque isso não é verdade".

"Agir com a cabeça quente muitas vezes não ajuda a resolver o problema", afirmou, ressalvando que é preciso uma reestruturação do SEF, a apuração de responsabilidades e um "virar de página" no que toca ao acompanhamento e fiscalização da sua atividade".

Por fim, o presidente do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, considera que os problemas do SEF não se resolvem "mudando a farda aos agentes", e defendeu que acabar com esta entidade "é um erro e uma estratégia desesperada".

Numa publicação na sua página de Facebook, o líder centrista escreveu que "os problemas do SEF, que tem como qualquer instituição, não são corrigidos por alteração semântica, por passar a ser um braço da PSP ou da GNR".

Francisco Rodrigues dos Santos entende que a prioridade deve estar em "preservar a instituição, garantir que os responsáveis sejam julgados e exemplarmente punidos, dar meios, corrigir falhas e reforçar sistemas de controlo que não permitam que crimes se voltem a repetir".

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