Do 1.º ciclo ao superior, exames e estágios ocorrem no pico do vírus. Suspensão à vista?

O governo prevê que o número de infetados por covid-19 em Portugal continue até ao final de abril, apenas a dias de avaliações e início de estágios no ensino. A data para as inscrições nos exames foi alargada esta segunda-feira, mas a suspensão calendário escolar como o conhecemos pode estar à vista.
Publicado a
Atualizado a

Escolas, faculdades e institutos politécnicos: o ensino presencial está parado em Portugal, pelo menos até 9 de abril. Os alunos estudam em casa, têm aulas à distância e aguardam o próximo toque de entrada para a normalidade. Com o número de infetados a aumentar no país, a primeira morte anunciada e os prognósticos internacionais, este regresso parece estar mais longe do que inicialmente previsto. A ministra da Saúde, Marta Temido, aponta que o número de casos continue em sentido ascendente, pelo menos, até ao final de abril, apenas a dias de provas, exames e estágios do ensino primário ao superior. O ano letivo como o conhecemos está em risco e o governo "deve começar a preparar-se", dizem diretores.

A medida era esperada e defendida por milhares de professores e o anúncio chegou na quinta-feira passada: o primeiro-ministro, António Costa, disse ao país que defender o território nacional do surto de covid-19 passava por encerrar todos os estabelecimentos de ensino. A saúde primeiro, o resto para depois. Na sexta-feira, o último dia de portas abertas, o que se seguiria ainda era uma incógnita para professores, confiantes de que estabelecer contacto à distância com todos os alunos não seria tarefa fácil. Mas é tarefa necessária e exigida pelo Ministério da Educação, que definiu que "a avaliação sumativa do 2.º período será efetuada no período normal, com base nos elementos disponíveis nesse momento (incluindo os ainda a recolher) e no carácter contínuo da avaliação".

A comunidade escolar não está de férias, como já lembrou o ministro Tiago Brandão Rodrigues. Por isso, o ano continua, embora professores e alunos ainda se questionem como. O número de infetados em Portugal aumentou nesta segunda-feira para 331, mais 86 nas últimas 24 horas, deixando o país cada vez mais em estado de alerta e em suspenso.

Provas de aferição e exames nacionais

A avaliação do 2.º período está garantida para todos os alunos, mesmo que estes dependam dos elementos avaliativos concretizados até ao dia anterior à suspensão das atividades letivas. Mas com o governo a prever o "aumento exponencial" de infetados, as portas das escolas podem manter-se fechadas por mais tempo, pondo em risco as provas de aferição do ensino básico (2.º, 5.º, 8.º e 9.º anos) e os exames nacionais dos 11.º e 12.º anos - avaliações que ocorrem dias depois da altura que a ministra da Saúde aponta para o pico do contágio.

Primeiro, as inscrições. Desde o dia 11 de março até ao próximo dia 24, decorreriam as inscrições para os exames nacionais - para as provas de aferição, os alunos estão automaticamente inscritos. Esta segunda-feira, o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) garante que "estão a decorrer dentro da normalidade", através de "medidas próprias adotadas autonomamente pelas escolas". Grande parte dos alunos "estão a inscrever-se via e-mail", diz Filinto Lima, que ainda assim defende que o processo seja centralizado pela tutela. "O Ministério [da Educação] devia criar uma plataforma para a inscrição", aponta.

As medidas chegaram esta terça-feira, com o alargamento do prazo final das inscrições para 3 de abril e o anúncio de ferramentas digitais para o efeito. No documento emitido pela tutela, define-se que as escolas devem disponibilizar "boletins de inscrição (modelo EMEC), em formato editável nas suas páginas eletrónicas", disponíveis para descarregamento e preenchimento dos mesmos. Os alunos ou encarregados de educação (no caso de serem menores de idade) "enviam o referido boletim, devidamente preenchido, para o correio eletrónico disponibilizado pela escola". Para o caso dos alunos que já dispõem do boletim, poderão, em alternativa, "proceder ao seu preenchimento, digitalização e envio para o correio eletrónico disponibilizado pela escola". Quem não tiver possibilidade de seguir este procedimento, poderá fazer a inscrição através deste formulário.

Mas questiona: "Se ainda não atingimos o pico e já estamos a adotar estas medidas, faz sentido que em maio precisemos de medidas mais gravosas, colocando o calendário em risco, certo?" Neste momento, lembra, "está tudo em aberto" e "as consequências [do vírus no ensino] dependem muito do tempo que isto durar e de saber se, no 3.º período, vamos estar a dar aulas à distância ou na escola", explica Filinto Lima.

De qualquer das formas, acredita que "já deveríamos começar a pensar no pior dos cenários": um 3.º período à distância, provas de aferição canceladas e os exames nacionais com alguns constrangimentos. "Há aqui um dado novo: o pico atinge-se em maio. Por isso, a tutela deve começar a preparar-se", alerta.

Quanto à avaliação do 3.º período, essa não representará um problema, pelo menos do ponto de vista legal. A lei prevê que haja, no mínimo, dois momentos de avaliação por ano, distribuídos por qualquer período (no caso das escolas que apliquem o sistema por períodos e não semestres) - estando, por isso, já assegurados. O dirigente da ANDAEP admite mesmo a possibilidade de o ano letivo depender apenas dos dois primeiros períodos, para efeitos de contagem final.

E os estágios no ensino profissional?

O próximo período ainda é incerto: se será feito à distância, se já nas salas e aula. Para os alunos dos 11.º e 12.º anos de ensino profissional, esta incerteza representa também não saber se irão arrancar ou não a sua fase de estágio nas várias empresas às quais se candidatam. Aliás, de acordo com o presidente da Associação Nacional de Escolas Profissionais (ANESPO), há já escolas profissionais em que os alunos já tinham iniciado o seu estágio no 2.º período. Uma forma de "dar oportunidade de mais alunos experimentarem as mesmas empresas", explica José Luís Presa.

Até agora, "a vasta maioria" dos formandos suspendeu os estágios, diz. "Há estudantes e encarregados de educação [no caso de os formandos serem menores de idade] que fazem questão da suspensão dos estágios, para se manterem em casa. E também acontece as próprias empresas dispensarem os estagiários", acrescenta.

Assim como no ensino científico-humanístico, o que se segue é uma incógnita. Para já, José Luís Presa prevê que, "no caso do 11.º ano, a totalidade de horas de estágio possa ser distribuída entre este ano [se já tiver iniciado] e o próximo". Já para o 12.º ano, o último do secundário, admite "a possibilidade de alargar o período de estágio até ao final do ano civil". Em vez de terminar a 31 de agosto, como previsto, pode até começar por esta altura.

Qualquer que seja a exigência, por força do plano de contenção do novo coronavírus, o presidente da ANESPO garante que as escolas profissionais "estão preparadas para se adaptarem".

No superior, provas de doutoramento e calendário em espera

As faculdades e os institutos politécnicos foram as primeiras instituições de ensino a dar os primeiros passos no plano de contenção a nível nacional - umas por receio, outras por necessidade, depois de confirmados casos positivos nos seus recintos. Agora, a medida estende-se obrigatoriamente a todas, públicas e privadas. Mas ainda há avaliações para assegurar.

Entre elas, as provas de doutoramento, que decorrem durante todo o ano letivo e que aguardam decisão das instituições. Este é um ponto especialmente sensível no calendário académico, "visto que muitos dos estudantes dependem destas provas para a sua vida profissional", alerta o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portugueses (CRUP).

António Fontainhas Fernandes garante que estão "a ser estudados mecanismos próprios" que permitam proteger as provas de doutoramento marcadas ou futuras, bem como as apresentações de mestrado.

Entretanto, há instituições que já admitem o alargamento do calendário escolar para colmatar as falhas consequentes do fecho de portas, como é o caso da Universidade do Porto. Também o presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, Pedro Dominguinhos, admite que esta poderá ser uma opção para os institutos politécnicos, tradicionalmente dirigidos para uma vertente de ensino mais prática e para quem o ensino à distância "é um grande desafio".

Atualizado às 14:45 de 17 de março com informação nova emitida pelo Ministério da Educação sobre as inscrições para os exames nacionais

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt