"Por exemplo hoje, para uma jovem mulher, ir ao Martim Moniz… O número de violações aumentaram! Mas aumentaram exponencialmente, 60%! As violações na cidade aumentaram! Eu não quero que as minhas filhas… Não quero que elas sintam isso!”As palavras são de Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, na segunda-feira 29 de setembro no programa da SIC As Tardes de Júlia (de Júlia Pinheiro). Júlia essa que questiona: “60%? Aumentou 60%?” O edil responde: “Na 1ª Divisão, ou seja ali na zona de Martim Moniz, Arroios, etc.” Questionado pelo DN sobre a origem destes números, o gabinete de Moedas remete para a página das Estatísticas da Justiça e para a subida, verificada de 2023 para 2024 na 1ª Divisão Policial, do número de denúncias daquele crime, de 9 para 15 (mais seis, num acréscimo de 66,6%). Um acréscimo que, como se constata na mesma fonte, se seguiu a uma descida igualmente expressiva: tendo-se em 2022 registado 19 queixas de violação na mesma divisão, em 2023 verificaram-se nove (menos 10, numa redução percentual de 52,6%). Não será pois correto, tendo em vista os dados existentes, falar numa “subida exponencial” na zona da 1ª Divisão (que inclui toda a zona central da cidade): não se pode, de variações de um ano para o outro, retirar conclusões sobre tendências — sobretudo quando os números evidenciam alterações tão bruscas. E quando, no passado, houve variações muitíssimo mais expressivas na mesma divisão policial — por exemplo 120% (de 5 para 11), de 2016 para 2017. Questionado pelo DN sobre a utilização do termo “exponencial”, o qual implica necessariamente alarme social, e se o presidente da Câmara detém alguma informação não pública que o leve a usar essa expressão, o gabinete de Carlos Moedas não respondeu.Mas, em entrevista ao jornal, publicada sexta 3 de outubro, este autarca voltou a mencionar a sua preocupação com o facto de o número das participações de violação ter aumentado na zona central da cidade: “Na 1.ª Divisão, o número desses crimes aumentou em 67%, pelo que tenho de ficar preocupado.” Moedas também falou, quer na entrevista ao DN quer no debate “com todos” na RTP3 (quinta 2 de outubro), de um aumento de 12% das queixas por este crime em 2024 no total da cidade. “É uma cidade segura, mas há crimes que aumentaram muito nos últimos tempos. Crimes de violações, que aumentaram 12% no último ano (…)”, referiu no debate.Esse aumento de 12% — de 49 para 55 participações, de 2023 para 2024 — segue-se, ainda de acordo com as Estatísticas da Justiça, a um decréscimo de 18,36% (de 58 para 49) de 2022 para 2023. Sendo 2022, desde o início do século, e ainda segundo a mesma fonte, o ano com mais queixas deste crime em Lisboa; é preciso regressar a 1997 para encontrar um total superior (67).Martim Moniz foi referido só “a título de exemplo”Mas não é apenas do ponto de vista matemático que as afirmações de Carlos Moedas carecem de contextualização. Se a 1ª Divisão Policial inclui o Martim Moniz, agrega igualmente as zonas do Rato, Avenida da Liberdade, Bairro Alto, Boavista (Cais de Sodré, etc), Baixa/Chiado, Rossio, Praça da Alegria, Mouraria/Castelo, Arroios e Alfama. Ou seja, uma vasta área geográfica que abarca todo o centro de Lisboa, incluindo as zonas mais pressionadas em termos turísticos, e portanto com mais afluxo de pessoas, e grande parte daquilo a que se dá o nome de “vida noturna” (ver, a propósito, as declarações de um responsável da Polícia Judiciária (PJ) ao DN). O DN quis, então, perceber por que motivo o presidente da Câmara mencionou especificamente o Martim Moniz como um local no qual haveria risco acrescido de violação. O gabinete do autarca respondeu assim: “Foi a título de exemplo. Faz parte da primeira divisão, certo?”Poderia então Carlos Moedas ter dito Rossio, Marquês de Pombal, Largo do Rato, Rua Garrett, Chiado, Sé ou Cais do Sodré; disse Martim Moniz. Como poderia igualmente ter dito que — atendendo às estatísticas oficiais — o número de denúncias de violação desceu 5% desde 2022 (de 19 nesse ano para 15 em 2024) na zona central da cidade.Ou que a divisão policial na qual se verificou, de 2023 para 2024, um aumento realmente “exponencial” é a 5ª (Penha de França, São Vicente, Areeiro, Avenidas Novas, Beato): de zero em 2023 (e desde 2017) para cinco em 2024. (Não sendo possível calcular um aumento percentual a partir de zero, releve-se que, tratando-se de um acréscimo de um para cinco, a variação percentual seria de 400%). De resto, ainda segundo a fonte citada, conclui-se que os números mais elevados de denúncias de violação foram registado nos anos 1990 (em consonância com os dados gerais do crime violento na cidade e no país nessa década) e os mais baixos na primeira década do século XXI. 2007, com 14 participações, é o ano com a menor contabilidade deste crime, logo seguido de 2008, com 19, e de 2009, com 20. Em 2010 houve 48 participações (exatamente as mesmas que em 2000), e até 2019, com a exceção de 2018 (44) a contabilidade variou entre 25 e 39, tendo voltado a “acelerar” a partir de 2022.Conclui-se assim que as participações pelo crime de violação na capital seguem, desde 1993 (primeiro ano constante nos quadros das Estatísticas da Justiça) um percurso semelhante ao registado no país: foi em 1997 que se registou o total nacional mais elevado (551), e em 2007 o mais reduzido (305), regressando a partir de 2022 à área das cinco centenas (519) e chegando em 2024 a 543, depois de em 2023 se terem registado 494. Vários distritos com aumentos percentuais superiores a LisboaCuriosamente, as participações à Polícia Judiciária mostram 2021, no que respeita à Diretoria de Lisboa e aos dados constantes nas Estatísticas da Justiça, como o ano recordista da década, com 30. Já 2024 surge com 22 inquéritos, um decréscimo de 24% face aos 29 de 2023.Releve-se ainda que há quatro diretorias da PJ com mais participações, em 2024, que a de Lisboa. À cabeça está a do Porto, com 62 inquéritos, seguindo-se Braga, com 39, Coimbra, com 32, e Faro, com 31. O Porto singulariza-se, aliás, no que respeita a estes dados, por apresentar números bastantes altos. Na última década, o mais elevado corresponde a 2019: 78. Também no Relatório de Segurança Interna de 2024 (que agrega as participações de todas as polícias) se constata que em várias distritos do país a violação não apenas está entre os crimes violentos mais participados — o que não sucede no de Lisboa — como o incremento percentual nas participações entre 2023 e 2024 é muito superior ao verificado na zona da capital. Caso de Vila Real (150%), Beja (120%), Évora (55,6%), Coimbra (53,3%), Bragança (50%), Braga (37,5%) e Faro (13,5%). As regiões autónomas da Madeira (16,7%) e Açores (50%) registaram igualmente acréscimos percentuais acima do referido para Lisboa. Acréscimos que podem, naturalmente, corresponder a variações numéricas diminutas: os 150% de Vila Real, por exemplo, traduzem-se num total, em 2024, de cinco queixas; os 120% de Beja em 11. O DN perguntou ao gabinete de Carlos Moedas se, tendo em conta a sua preocupação com o que denomina de “aumento exponencial das violações em Lisboa”, o candidato da coligação PSD/CDS/IL tem no seu programa alguma medida de combate à violência sexual. Até agora, não houve resposta. .Violações em Lisboa. PJ confirma aumento sem relação com zonas de imigrantes.Carlos Moedas: “Quem promete aos lisboetas que vai construir 4500 casas em quatro anos não sabe o que isso é".Carlos Moedas: “Hoje há crimes mais violentos na cidade e as pessoas estão preocupadas”.Descida da criminalidade geral e da violenta em Lisboa confirmada em relatório do Governo