Concorda que as eleições vão ficar marcadas, seja qual for o resultado, pela tragédia do Elevador da Glória?Penso que há uma Lisboa antes e uma Lisboa depois desse trágico acidente. Foi algo por que ninguém esperava, e marca a cidade do ponto de vista sociológico. Não deveria marcar do ponto de vista político, pois as responsabilidades são claras. O presidente da Câmara representa o acionista de uma empresa e, durante estes três anos aumentou o orçamento dessa empresa [Carris] em 30%. A própria empresa aumentou o investimento em 60%. E a manutenção, no geral, também aumentou em quase 30%. As decisões que a empresa tomou têm de ser apuradas, mas estamos, como dizia o relatório preliminar, a apurar causas técnicas. A responsabilidade política da Câmara em relação a uma empresa autónoma é dar-lhe condições. Caso se prove que o presidente da Câmara não as deu, a responsabilidade política é clara. Se isso se provasse - não se prova, pois sabemos o que fizemos e as contas são transparentes -, assumiria as responsabilidades. Mas as minhas responsabilidades políticas são claras, e não é necessário chegar ao dia das eleições para saber quais são. Penso que representei verdadeiramente o sofrimento dos lisboetas, que foi o meu. Sobretudo, tive de conseguir ir mais além naqueles dias, a liderar e coordenar, em momentos tão difíceis.Mesmo que se chegue à conclusão que, do ponto de vista de quem gere a empresa, e do ponto de vista da Câmara, não há nenhuma responsabilidade direta, no sentido de que ninguém falhou na forma como supervisionou a manutenção, não acha necessário que alguém assuma a responsabilidade?Penso que as responsabilidades técnicas serão assumidas. O que não podemos fazer é um julgamento sem ter conclusões dos relatórios técnicos. Há três investigações em curso. Aliás, pedi mais uma do que é normal. Uma é feita pelo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários, outra é interna e, naquela noite, pedi mais uma investigação externa à Carris. Temos de esperar pelo resultado de todas.Foi por isso que não deixou o presidente da Carris demitir-se?Seria uma cobardia. Os líderes também se definem em momentos tão duros. E sei, na primeira pessoa, do que falo. A primeira característica de um líder é, num momento em que o próprio sente esse sofrimento terrível no estômago, conseguir reagir e tomar decisões. Foi o que fizemos. E penso que os lisboetas perceberam aquilo que fiz, como presidente, e o que a Câmara fez naquela altura. Conseguimos tomar as decisões certas nos momentos certos.Tem havido muitas críticas, de parte a parte, ao aproveitamento político da tragédia. O que é que os seus rivais, nomeadamente Alexandra Leitão, deveriam ter feito diferente?Foi clara a tentativa de aproveitamento. Penso que o PS, no fundo, viu uma tábua de salvação. E tentou fazer do acidente o tema da campanha. Penso que é muito triste que isso aconteça, pois o respeito que devemos a todos os que passaram por isto é grande de mais para se tentar fazer aproveitamento político. Penso que mostra alguma doença na própria democracia. Como se pode aproveitar uma coisa destas? Acredita que o PS dava a eleição por perdida antes do acidente?Não sei. Isso teria de perguntar ao PS. Penso que as pessoas têm escolhas a fazer. E a escolha era clara muito antes disto. Há um presidente da Câmara que veio para mudar a cidade, e que em quatro anos não podia corrigir 14. Esse presidente teve uma ação muito concreta em várias áreas, e está no meio desse projeto de mudança na habitação, na saúde, na mobilidade, em todas as áreas. A escolha dos lisboetas é continuar o projeto em andamento ou ter um retrocesso. Temos uma oponente com ideias muito ideológicas sobre aquilo que é, por exemplo, a habitação. O seu partido travou um projeto de habitação acessível em que as pessoas iam pagar um terço do seu rendimento em renda. Ou seja, alguém que ganhasse mil euros não pagaria mais de 300. O PS veio travar esse projeto, que era de 600 casas. Porquê? Porque envolvia os privados. Este PS - não o PS todo, nem todos os socialistas - não gosta de privados. Ou então cinicamente diz que gosta, mas não lhes cria condições para poderem fazer. É um PS que se chega à extrema-esquerda, e por isso tenho tantos apoiantes que são do socialismo moderado, porque temos uma divisão entre um PS - até nacional, com esta nova liderança - e outro PS colado ao Bloco de Esquerda (BE), que vai dominar a sua ação política. O BE já domina o PS neste mandato, mesmo não estando com eles. O PS olha sempre para como o BE vota. Agora imaginem o Bloco no executivo. Acho que os lisboetas compreendem que seria um grande retrocesso.Não está a dar demasiada importância a um partido reduzido a uma deputada?Estou a dar a importância daquilo que vivi durante quatro anos, em que um vereador do BE conseguia contaminar o PS. Não sei em que número está a candidata do BE, se em quarto ou quinto [Carolina Serrão é a sexta da lista da coligação Viver Lisboa], mas eventualmente será eleita uma pessoa que, além de não ter experiência política, traz essa ideologia. O BE votou contra o Plano de Saúde dos lisboetas, votou contra as clínicas de proximidade, e aquilo até já pode não significar nada, mas com a eleição de alguém do BE dentro dessa coligação, essa pessoa vai dizer “vocês não podem votar a favor de coisas com que o Bloco não está de acordo”. E a própria cabeça de lista é dessa área política. Alexandra Leitão mostrou-o em vários momentos. Alguém que quer ser presidente da Câmara vai para uma manifestação contra os polícias? O presidente da Câmara representa a ordem e a lei, e quem escolhe esse lado político, muito antes das eleições, não é uma socialista moderada. A escolha, independentemente de tudo o que aconteceu nas últimas semanas, já era muito clara para os lisboetas. Tendo em conta os interlocutores que tem, à esquerda e à direita, se vencer sem maioria como se propõe governar a cidade novamente? Digo sempre aos lisboetas que quero ser presidente da Câmara porque estou a meio de um caminho. Para o ser, preciso de mais um voto do que quem estiver nessas condições, que será obviamente a minha oponente desse bloco das esquerdas. Também peço aos lisboetas para pensarem no que foram estes quatro anos e nos bloqueios que tivemos. E se esses bloqueios existiram com o BE fora da coligação, numa situação de só mais um voto ou de uma minoria com o BE lá dentro, a dificuldade aumenta. Digo que quero mais um voto, mas cada voto a mais pode mudar as condições de governabilidade. Peço aos lisboetas que se mobilizem para que tenhamos a maior votação possível, para ter condições para governar diferentes das que tivemos agora.Apresentando a coligação Por Ti, Lisboa como uma ilha de moderação, rodeada de radicais por todos os lados, imagina-se a oferecer pelouros a Bruno Mascarenhas, a João Ferreira ou até a Alexandra Leitão?Penso que a resposta está dada. Temos uma coligação que inclui três partidos, mas também muita gente sem partido. Essa coligação é o que é, e não vou fazer outras. O Chega fez uma moção de censura contra mim, pelo que não faria qualquer sentido, e também nunca fez. Por estes quatro anos, também sei que os outros nunca fariam uma coligação comigo, mas existe um partido que, não o fazendo, é um partido muito institucional da nossa democracia e durante estes quatro anos mostrou-o, mesmo estando contra na maior parte das vezes: o PCP, com o vereador João Ferreira. Esta coligação do bloco das esquerdas, que representa o PS, é uma coligação instável, que entra numa reunião de Câmara a dizer uma coisa e sai a dizer outra. O PCP entra numa reunião a dizer uma e sai a dizer a mesma. Isso tem valor político. Estou a milhas do PCP e do vereador João Ferreira, pensamos completamente diferente, mas ele representa esta institucionalidade. Os outros não.Foram muito notados os elogios que tem feito a João Ferreira...Não são elogios, porque não me identifico em nada com o PCP Não faço nenhum elogio às políticas que propõe, mas no bloco das esquerdas é que nem sabemos bem quais são. Por exemplo, nós reduzimos os impostos e quem vive em Lisboa paga menos 5% de IRS. João Ferreira está completamente contra, mas não sei o que o bloco das esquerdas pensa. Aliás, a candidata mostrou uma hesitação muito grande.João Ferreira é alguém com quem pode trabalhar?A filosofia do PCP é ir aumentando os impostos. A filosofia do bloco das esquerdas da minha oponente parece que é também aumentar os impostos, mas nem sequer é claro. Com a informação que há em relação a este bloco das esquerdas, liderado pelo PS, não sabemos verdadeiramente. Falam em habitação, mas nunca fizeram nada durante dez anos. Falam em 4500 casas, mas onde e como? Nós temos projetos concretos. Quando olhamos para a minha oponente, as pessoas não sabem o que vai acontecer às clínicas de proximidade que estamos a fazer, onde temos um médico e um enfermeiro. Já não vão fazer mais? Vão parar? Vão fazer como estamos a fazer? O que vão fazer do plano de saúde?São pouco claros e incertos?Não têm um projeto. Eu, além de um projeto, tenho uma linha de implementação e percebo que estou a meio do caminho. Do outro lado não vejo isso. Reparem, por exemplo, num dos problemas criados pelo PS. Todos concordamos que houve um problema na higiene urbana com a partilha de responsabilidades entre as freguesias e a Câmara. Não é um pouco estranho que demore quatro anos a apresentar um projeto alternativo para a recolha de lixo? Esse foi o resultado de estarmos em minoria. Identificámos o problema, mas o cidadão não percebe que a Câmara vá limpar uma coisa que a freguesia deixa, e depois só vai recuperar três dias depois, e isto cria um problema de higiene urbana. Eu apresento a solução, e digo que, a partir de agora, nos ecopontos, vai ser a Câmara. Também identifiquei que, em Campo do Ourique e noutras freguesias, só há recolha de lixo indiferenciado três dias por semana, pelo que vamos fazer seis. E a minha oponente diz duas coisas: quer descentralizar ainda mais, e então vai haver mais lixo, e fala de sete dias por semana, mas para isso era preciso um acordo com os sindicatos. Eu não o faço sem um acordo, e os sindicatos não o dão. Vamos fazer já seis dias porque isso sei que posso fazer. Ela fala em situações que não poderá fazer e esperam que a higiene urbana melhore com ela? Vai piorar, seguramente. . Tem dito que Lisboa é uma cidade segura, mas o seu discurso pauta-se muito por preocupações quanto ao aumento da insegurança. Já pediu mais 500 agentes da PSP ao Governo, quer mais 100 elementos na Polícia Municipal, tal como mais videovigilância e guardas noturnos. Isto pode ser visto como uma tentativa de conter a progressão do eleitorado do Chega em Lisboa? Não, de todo. Aliás, pergunto-me qual é a pessoa em Lisboa que gostava de ter um presidente da Câmara que não se preocupasse com a segurança? É uma pergunta sincera, porque se tivesse um presidente da Câmara que não se preocupasse com a segurança ficaria muito preocupado. Ontem estive em São Domingos de Benfica, e várias lojas foram assaltadas. Pensa que as pessoas querem ter um presidente da Câmara que não se preocupe com a segurança? Fui dos primeiros a falar disso, porque falar de segurança é mesmo a função de um presidente da Câmara. Sinceramente, não quero saber do que os extremos falam. Eu falo do que é importante, não alinho com os extremos, até porque falei muito antes dos outros, mas criou-se a ideia de que estava a falar de perceções. Eu sou engenheiro, gosto de números, e dei-me conta de que os números de que as pessoas falavam eram uma média. Ora, um engenheiro sabe que uma média não representa muita coisa. Quando fui ao detalhe vi que em Lisboa os crimes de abuso sexual aumentaram 17% e as violações aumentaram 12%. Ainda ontem referi o caso concreto da 1.ª Divisão da PSP, que representa Arroios e Santa Maria Maior, zona de bairros históricos.De bairros históricos e com muita imigração também. Sem dúvida, mas não misturo as coisas. Na 1.ª Divisão, o número desses crimes aumentou em 67%, pelo que tenho de ficar preocupado. As pessoas pagam salário ao presidente da Câmara para estar preocupado e para ter soluções. Por isso, disse ao primeiro-ministro que quero trabalhar com o Governo no plano de segurança para Lisboa, mas que precisamos de mais 500 PSP, pois perdemos mais de mil nos últimos 14 anos, de mais Polícia Municipal e de mais videoproteção. Tudo isso é importante, e as pessoas agradecem. Ninguém me diz na rua: “Ó senhor presidente, olhe que falar de segurança é uma coisa dos extremos.” Na questão dos poderes da Polícia Municipal, que é uma bandeira sua, tem defendido que deve poder prender pessoas.Costumo dizer que a política muitas vezes também é a arte de fazer o óbvio, e nunca pensei que isso fosse uma bandeira. Dizem-me: “Então os polícias municipais veem um tipo a assaltar no meio da rua e não o podem levar para a esquadra? Ficam ali parados com o homem, à espera da PSP, porque não está na lei? Isso é uma coisa insensata.” É realmente triste que se esteja a discutir uma coisa tão óbvia para as pessoas, e também para os polícias municipais, que são eles próprios polícias de segurança pública. Um presidente da Câmara tem que ser este garante da lei e da ordem.Mas incentivar um polícia municipal a abusar do poder que a lei lhe permite neste momento, também é algo que um presidente da Câmara não pode fazer. É por isso que estou tão empenhado em que a lei, ou o contrato interadministrativo, ou o quer que seja - é o Governo que tem de dizer -, mude. Isto cria quase que uma desautorização. Imagine o que é ser um polícia de segurança pública, como todos eles são, que ao ir para a Polícia Municipal perde capacidades. Isso não faz sentido e é tão óbvio que tem mesmo de mudar. É uma questão corporativa?Não sei qual é a questão. Se é preciso mudar a lei que se mude, se é preciso algum tipo de acordo entre a Polícia Municipal e a PSP que se faça. Se a cidade perdeu mais de 1300 polícias nos últimos 14 ou 15 anos, se os polícias municipais também são polícias de segurança pública e podem ajudar os colegas, então por que não poderiam ajudar? Outra coisa de que me acusam, também estapafúrdia, é que quero que a Polícia Municipal seja um órgão de polícia criminal. Não foi isso o que eu disse.Que possa prender criminosos em flagrante delito?Nem vou utilizar palavras técnicas, para as pessoas perceberem. Aquilo que estou a dizer é um polícia municipal apanhar um ladrão em flagrante delito, poder pegar nele e levá-lo para uma esquadra. Isto as pessoas percebem. Sendo a habitação uma prioridade da sua candidatura, pode dizer que o Governo de Luís Montenegro não prejudicou as suas probabilidades de reeleição ao qualificar uma renda de 2300 euros mensais como moderada? Não tenho tido tempo para estar envolvido em políticas nacionais. O Governo lançou este pacote, que tem boas medidas. Já o meu conceito é simples: uma renda acessível na Câmara de Lisboa é - e será sempre - um terço do rendimento da pessoa. Temos dois tipos de ajuda: para pessoas que não podem pagar ou praticamente não podem, com rendimentos baixíssimos - às vezes não pagam, e outras vezes pagam rendas de 5, 10 ou 50 euros - e para jovens profissionais que não conseguem pagar renda em Lisboa. Aquilo que criámos foi um sistema em que só pagam um terço do rendimento. Seja porque lhes damos uma casa, seja porque têm um contrato de arrendamento que nos apresentam, e até aqui não recusámos ninguém. Se alguém que ganha mil euros apresenta um contrato de arrendamento de 500 euros, dizemos que metade do salário em renda é muito. Então, a pessoa paga 300 e nós pagamos 200.Se a renda fosse de 2300 euros, a Câmara apoiava? Não chegamos aí, obviamente.Há um limite máximo?É bom relembrar que ajudávamos pessoas que ganhavam - e há muitas, infelizmente - menos de 500 euros. Depois, com a renda acessível, ajudávamos quem estava acima do salário mínimo, na altura à volta dos 870 euros. E havia todo um grupo que estava entre os 500 e os 800 e tal euros, que não era ajudado. Focámo-nos nesse grupo, porque são muitas pessoas. Mas qual é o valor máximo que podem apoiar?Os máximos nesse tipo de programas têm a ver com pessoas em que o casal ganha dois mil e tal euros, e paga um terço disso de renda.Um valor muito abaixo da tal renda moderada. Não vou fazer nenhuma especulação sobre o pacote do Governo, até porque o primeiro-ministro disse que está a falar de rendas que podem ser de 400, 500, 600, 700, 800 ou 900 euros. As pessoas que neste momento ajudamos em Lisboa estão muito abaixo disso. O certo é que os números ficam na cabeça das pessoas.Claro.E 2300 euros não é a normalização de uma capital onde a classe média terá muitas dificuldades em poder encontrar casa?Obviamente. É por isso que, durante estes anos, entregámos 2881 casas e ajudámos mais 1300 pessoas a pagar apenas um terço da renda. O que foi feito entre 2010 e 2020? As pessoas sabem que foram 17 casas por ano. Há uma política municipal de Lisboa, e essa política é que ninguém deve pagar mais de um terço daquilo que ganha. Se for reeleito, quantas famílias é que no final do próximo mandato estarão a viver nos empreendimentos do Vale de Santo António e no Vale de Chelas? Neste momento, na zona de Marvila-Beato e no Vale de Chelas, já estão em construção setecentas e tal casas, e vamos lançar mais 300. Nas Olaias são mais 400, que já estão aprovadas. E ainda temos mais 200 no Casal do Pinto. Portanto, essas seguramente estão a ser feitas. O potencial do Vale de Santo António e do Vale de Chelas é de longo prazo. Tudo isto demora, mas é a começar que vamos conseguir. Esse potencial é muito mais do que cinco mil casas, mas não em quatro anos. Quem promete aos lisboetas, como é o caso da minha oponente, que vai conseguir construir 4500 casas em quatro anos, não sabe o que isso é. Consegui entregar 2881 porque fiz mais do que construir. Fui pegar nas que estavam fechadas, que eram quase duas mil, das quais reabilitámos 1900. Não é construir, é fazer uma casa de banho ou uma cozinha nova, o que é muito mais rápido. Quem promete construir de raiz 4500 casas não pode estar a dizer a verdade, porque isso não acontece em quatro anos, em nenhuma Câmara, nem em nenhum sítio. Isso vai custar muito dinheiro. Como vai financiar este plano? Tivemos uma ajuda europeia enorme. Não só o PRR, mas também dinheiros da Comissão Europeia, que vão até 2028. E há margem para facilitar a construção por privados? Sem dúvida. Nós não conseguimos aprovar, por bloqueio do PS, que os privados participem. Porque o PS - e isso já vem do executivo anterior - diz que gosta dos privados, mas cria condições, por estar dominado pelo BE, em que os privados não fazem. Qualquer pessoa percebe que um privado não pode perder dinheiro. Dão-lhe o terreno, tem um custo de construção, e não pode perder dinheiro, porque isso não faria sentido. O PS abriu concursos, ainda no executivo anterior. Quantos concorreram a esses concursos? Zero. Por causa das condições... É de um cinismo atroz político defender que, “sim senhor, queremos os privados”, e depois dizer-lhes:“Construam um prédio, e depois, pá, não ganham nada. e vão perder dinheiro.”Compreende que, apesar disso, tem de haver um limite ao valor que se pode cobrar se o terreno for cedido quase gratuitamente?O limite é ver o custo de construção, e se o privado tiver que ter uma renda superior àquele terço de rendimento, nós temos de pagar o diferencial. Mas isso é uma ajuda pública. Os privados não fazem ajudas sociais. Neste país temos que compreender que quem deve fazê-lo é o Estado, quem deve fazê-lo é o Estado Social Local, e por isso tenho desenvolvido muito essa ideia. Quando alguém está a pagar uma renda que é mais alta, não é o privado que tem de estar a subsidiar o público.A longo prazo, muito além deste ciclo político, onde é que vê espaço para Lisboa crescer? Nos terrenos do aeroporto, por exemplo?Temos uma morfologia difícil. Além do rio, não podemos invadir os nossos vizinhos. Mas há poucas cidades que têm 250 hectares, como nós temos, que estavam bloqueados há 20 anos. Finalmente aprovámos o plano de urbanização do Vale de Santo António. São 250 hectares, e podemos ter ali parques, equipamentos, e renda acessível. Se há um projeto de visão de cidade concreto, é o Vale de Santo António e o Vale de Chelas, porque é realmente cidade dentro da cidade, em que podemos construir novos bairros, com a sua identidade e a sua alma. E o aeroporto?É para sair de Lisboa, e ainda bem. Essa decisão foi tomada.Concorda que isso, a longo prazo, é o melhor para Lisboa?Obviamente que este Governo tomou uma boa decisão. O que peço é que seja célere. Não podemos estar dez anos à espera do novo aeroporto.E aquele terreno tem de ser aproveitado.O Governo já definiu a ideia de uma grande empresa com todas estas áreas, mas a Câmara de Lisboa tem que estar a liderar.Tem que ser ouvida.A Câmara de Lisboa tem de liderar o projeto do que vai acontecer nos terrenos do aeroporto.Terá de ser uma Parque Expo com esteroides?Essa definição é forte (risos), mas diria que pode ser uma boa definição. Tem de ser algo em que a Câmara coordene, e em que tem de haver capacidade de aprovação de projetos, como foi o caso da Parque Expo. Vai ter de ser pensado dessa maneira.Contrariando o chavão de que em equipa que ganha não se mexe, na sua lista de candidatos a vereadores mudou praticamente tudo, ficando o centrista Diogo Moura, que até esteve fora do executivo durante algum tempo. Trocar Filipe Anacoreta Correia, Filipa Roseta e Joana Almeida por Gonçalo Reis, Joana Baptista, Rodrigo Mello Gonçalves e outros, não pode ser visto como instabilidade?É tão importante essa pergunta, porque os lisboetas não votam só num presidente da Câmara. Votam numa lista e a minha lista é incomparavelmente melhor do que todas as outras. A da minha oponente tem, sobretudo, lealdades partidárias. Não consigo ver na lista dela alguém que seja especializado em urbanismo até ao número oito ou nove. Onde é que está essa pessoa? Quem vai ser o vereador? Eu tenho um vereador do Urbanismo [Vasco Moreira Rato], que é professor de Arquitetura, esteve na Câmara, trabalha lá, e sabe o que está a fazer. Gostava que se observasse a lista da minha oponente e se dissesse quem vai gerir um orçamento de 1300 milhões de euros? Eu tenho uma pessoa que geriu a RTP durante 10 anos, que esteve nas Estradas de Portugal como administrador, que é um gestor público de topo.Falamos de Gonçalo Reis.Quem na lista da minha oponente vai fazer isso? Vamos ter projetos incríveis em termos de espaços verdes. Quem os vai gerir? Fui buscar alguém que em Oeiras fez um trabalho reconhecido por todos os portugueses. Obviamente que há um presidente da Câmara, mas uma vereadora [Joana Baptista] fez Oeiras brilhar em termos de espaço público. Quando vejo a qualidade das outras equipas, e vejo a qualidade da minha, a diferença é abismal. A-bis-mal.Se, mesmo assim, perder as eleições, pode assumir o compromisso de que vai ser vereador da oposição?Confio que os lisboetas não querem retroceder 14 anos, para aquilo que era uma gestão política e não uma gestão para as pessoas. Acredito nisso e estou muito confiante. Mas não sou um político tradicional. Se os lisboetas não me quiserem para presidente, não fico como vereador. Isso parece-me óbvio. Passo os dias na rua e sinto, da parte dos lisboetas, que não querem voltar para trás. Sabem que isso tem um custo enorme para a cidade. Vai parar projetos que estão a ser feitos, como o novo elétrico ou a ligação a Oeiras.E se for reeleito, compromete-se a fazer o mandato até ao fim? Ou mesmo a procurar um terceiro mandato?Sempre cumpri os mandatos até ao fim. As pessoas diziam-me “quer ser presidente da Câmara de Lisboa, mas depois pode ir embora a meio”, e eu respondia: “Se eu for presidente da Câmara de Lisboa, é para ficar." A pergunta até faria sentido no primeiro mandato, pois vinha da Comissão Europeia, e não era alguém com um perfil típico de presidente da Câmara, mas tinha uma grande paixão pela cidade e conhecia temas que a mudaram. O meu lado social humanista, mas também um lado liberal, na criação de empresas e de emprego. Conseguimos prová-lo, porque fomos buscar os tais unicórnios.Há quem diga que a Fábrica dos Unicórnios tem mais marketing do que substância.Acho essa crítica divertida, porque quando cheguei, naquele sítio, que era chamado Hub do Beato, havia zero pessoas a trabalhar. Agora estão 1200. Quando cheguei, haveria uma ou duas empresas de nível unicórnio, ou seja, de mais de mil milhões de euros. Hoje temos 16. As grandes empresas começaram a apostar em Lisboa. Falo muito nos unicórnios, mas neste momento temos, no Largo do Rato, uma empresa internacional, como a Deloitte, a criar 2500 postos de trabalho e a investir 25 milhões de euros. Temos empresas como a AstraZeneca, que está a investir 600 milhões para a criação de 500 empregos. Tivemos um presidente de um país do G7 [Emmanuel Macron], e a França não é um país qualquer, que veio a Portugal em visita de Estado e quis estar na Fábrica de Unicórnios. Veio para ver o que estava a acontecer em Lisboa.A Câmara de Lisboa já mostrou ser uma excelente alavanca para ser Presidente da República ou primeiro-ministro. Algum desses cargos está no seu horizonte? O único cargo que tenho no horizonte é continuar a ser presidente da Câmara. É um privilégio, é um gosto, é um cargo em que a minha vida faz sentido. Foram quatro anos muito difíceis, mas com uma grande vontade e com umas ganas, como dizem os espanhóis, de fazer e de mudar. No fundo, é isso que eu quero. Não é uma ambição pessoal, porque nunca foi, e os lisboetas sabem disso. Nas próximas eleições presidenciais, depois das autárquicas, apoia o candidato Marques Mendes. Acha que ele tem condições para passar à segunda volta e vencer?Sou apoiante desde a primeira hora de Luís Marques Mendes. Acho que tem uma experiência incrível, teve muitas funções na nossa sociedade, e é um agregador e conciliador.Tem condições para ter apoio à esquerda também?Penso que tem. Ele abrange muito, com a moderação que lhe é característica.A entrada em cena da André Ventura muda alguma coisa nesses cálculos? Não sei. As pessoas dirão pelo seu voto. Como Presidente da Câmara, não faço comentário político, mas penso que é uma marcação de terreno. No fundo, é isso que está a acontecer. Nessa lógica, quão grave considera que seria uma segunda volta entre Gouveia e Melo e André Ventura? Não vou especular sobre isso. Temos duas semanas até às eleições autárquicas, e é muito importante que estejamos focados, que os lisboetas tenham consciência de que não podemos voltar para trás. Gostava de acabar a entrevista com uma mensagem: quem não quer que a cidade volte para trás, que haja um retrocesso, venha votar no dia 12 de outubro, porque isso é crucial. Cada voto conta, pois as condições de governabilidade serão muito importantes. Eu só peço para ganhar, mas é muito diferente ganhar com uma pequena margem, ou com uma margem maior.