SEF foi extinto pelo Governo do PS há dois anos.
SEF foi extinto pelo Governo do PS há dois anos.Carlos Manuel Martins / Global Imagens

"Mais cedo ou mais tarde, o poder político assumirá a necessidade de criação de um novo SEF", diz associação

Em entrevista ao DN, a Associação para Memória Futura do SEF explica que se refere a uma agências "com características semelhantes ao extinto serviço" e avança que criação da UNEF "é um indício".
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No aniversário de dois anos da extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), o DN enviou perguntas à Associação para Memória Futura do SEF sobre como avaliam este período. As respostas foram enviadas por e-mail e representam a associação na sua generalidade (que é formada por trabalhadores do antigo SEF que estão em serviço e outros não).

A olhar para os últimos dois anos, o que temiam na altura com o fim do SEF concretizou-se?

Passados dois anos da data em que o SEF foi oficialmente extinto e quatro anos após a publicação da Lei nº 73/2021, de 12 de novembro, que determinou essa extinção, não podemos deixar de recordar os inúmeros alertas atempadamente feitos por nós para o caos e riscos que se previam. 

De mencionar também, as sucessivas e contínuas  alterações à lei de estrangeiros desde 2017, com consequências notórias ao nível do aumento da comunidade estrangeira em Portugal, e a ausência de reforço de meios para o efeito, descurando irresponsavelmente as suas consequências e inerentes necessidades e alertas do SEF. 

Os adiamentos constantes da entrada em vigor da Lei nº 73/2021 e as sucessivas adaptações ao modelo do Sistema de Segurança Interna já evidenciavam uma impreparação das entidades herdeiras das atribuições que até então eram da competência do SEF.

O SEF era um Serviço de competência especializada, que ao longo dos anos foi granjeando reconhecimento tanto ao nível interno, como internacionalmente, com pessoal, nomeadamente da Carreira de Investigação e Fiscalização,  selecionado especificamente em exigentes concursos públicos de admissão, com capacidades para estas áreas, formação nacional e internacional, especialista nestas matérias e com uma visão holística sobre questões migratórias. Se à partida poderíamos dizer que seria difícil a sua substituição, arriscamos dizer que o resultado da sua extinção foi ainda pior do que o receado - passados dois anos, assiste-se ainda a um desnorte e impreparação difíceis de avaliar. 

São notórias: 

- a falta de competências técnicas; a descoordenação entre entidades; a alegada falta de recursos, não obstante o número desmedido de envolvidos e proliferação de entidades e protocolos nas diversas matérias (em comparação com o número de Inspetores do SEF que exercia a totalidade das funções concentradas num só Serviço); o consequente aumento de custos, fruto desta realidade; a incapacidade de gestão do fenómeno migratório. 

O fim do SEF gerou novas crises e convulsões no seio das entidades herdeiras. Volvidos dois anos, alguns dos Inspetores do ex-SEF ainda são considerados imprescindíveis para assegurar o funcionamento das fronteiras aéreas.

Concluindo, continuamos sem perceber qualquer vantagem resultante da extinção do SEF e convictos de que se tratou de um erro crasso, atento o caos criado no sistema e a perda de conhecimento, de experiência e de valor resultante da sua extinção.

Como avaliam o desempenho da AIMA atualmente?

A AIMA, com a sua mera natureza administrativa, não detém, nem pode deter, competências necessárias para levar a cabo a execução das atribuições que lhe foram atribuídas; face à saída do pessoal da Carreira de Investigação e Fiscalização do SEF para a PJ, a AIMA, não obstante a evidente redução de competências face ao SEF e ao reforço de pessoal do regime geral, ficou com um quadro de pessoal fragilizado e menos capacitado para responder aos desafios que enfrenta, agravados com o aumento exponencial da comunidade imigrante em Portugal (o número de imigrantes em Portugal quadruplicou desde 2017). 

A nossa avaliação sobre o seu desempenho é negativo. Abundam as chefias, em número bastante superior ao que o SEF tinha,  com fragilidades técnicas para liderar um Serviço com competências específicas e, sobretudo, um desconhecimento holístico sobre a matéria, resultando numa falta de capacitação de resolver os muitos problemas que, contrariamente ao invocado por muitos, suscitam interligações com matérias de natureza policial e necessidades de fiscalização prévia à tomada de decisão sobre os pedidos de regularização documental. Matérias para as quais a AIMA, entidade de natureza  meramente administrativa, não tem competência. Natureza administrativa que a limita ainda ao nível da cooperação internacional com algumas entidades de natureza policial, natureza policial essa essencial em algumas vertentes destas matérias. 

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Acreditam que existe um reconhecimento público sobre a extinção do SEF ter sido um erro, tal como afirmado pelo atual Governo e mesmo por parte dos imigrantes?

Acreditamos e estamos convictos de que hoje existe o reconhecimento desse erro, já expresso publicamente em vários meios, embora para muitos, sobretudo os que tiveram responsabilidades na sua extinção, seja ainda difícil assumir que o rei vai nu.  Pode mesmo afirmar-se que com a extinção do SEF houve um retrocesso a um sistema de gestão migratória que existiu há mais de 30 anos (situação/sistema existente anterior a 1991), em termos de capacidade do País na gestão do fenómeno migratório e realidades conexas. Hoje, com a agravante de o País estar inserido num espaço europeu comum de liberdade, segurança e justiça e, por isso, termos compromissos reforçados a cumprir, que não tínhamos em 1991, com maiores riscos e ameaças na área  da crescente mobilidade das pessoas pelos mais diversos motivos.

Lamentamos que muitas das pessoas que hoje publicamente já reconheceram  esse erro, não tenham, em 2020 a 2023, alertado para a dimensão do absurdo da decisão e potenciais e reais consequências nefastas para o País e, pelo contrário, tenham alinhado no discurso oficial de que era necessário mudar o sistema, extinguindo a única instituição do Estado que detinha um conhecimento integrado e reconhecida experiência em todas as vertentes da gestão migratória, ao invés de se apostar na resolução das suas fragilidades e no reforço das suas capacidades.

A irresponsabilidade na tomada de decisões por questões demagógicas e ideológicas, sem qualquer estudo sério, conduz a consequências prejudiciais  para o País e para os direitos sociais e humanos de todos os que nele residem.

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Como veem o Plano de Ação para as Migrações, que está a ser posto em marcha pelo atual Governo?

Vemos com uma perspetiva positiva, embora consideremos que se trate de um documento que elenca de forma vaga um conjunto de medidas, na sua maior parte necessárias e alinhadas com as orientações e responsabilidades do país enquanto Estado membro da UE. Carecem, não obstante, duma precisão quanto ao modo, capacidades e calendário de implementação. Trata-se de um plano de ação que precisa de ser enquadrado numa verdadeira estratégia nacional global de gestão das migrações, a começar pela definição de um modelo de coordenação e acompanhamento bem definido e consolidado, o que está ainda longe de ser conseguido. Preocupa-nos, também, o processo de preparação para aplicar adequadamente os nove instrumentos legislativos que integram o pacto europeu sobre migração e asilo - uma directiva e oito regulamentos europeus -, os quais, sendo oito de aplicação directa, entram, em vigor no ordenamento jurídico dos Estados membros daqui a pouco mais de 6 meses, em junho de 2026.

O que mais pensam ser relevante destacar?

Em síntese, avaliado o processo de extinção do SEF e as suas consequências, destacaríamos:

- O erro crasso que constituiu a extinção do SEF;

- O retrocesso de mais de 30 anos a uma situação/sistema anterior a 1991, em termos de capacidade do país na gestão do fenómeno migratório e realidades conexas, com a agravante de que hoje, inseridos num espaço europeu de liberdade, segurança e justiça, são maiores os riscos e as ameaças e, por isso, temos compromissos reforçados que não tínhamos naquela altura;

- A irresponsabilidade dessa decisão, tomada sem qualquer planificação nem sequer estudo de avaliação;

- A convicção de que, mais cedo ou mais tarde, o poder político assumirá a necessidade de criação de um novo SEF, com características semelhantes ao extinto serviço. A criação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF) na PSP é já um indício do reconhecimento dessa necessidade. No entanto, ainda que com mais pessoal policial do que tinha o SEF e apenas parte das competências daquele Serviço, a UNEF estará ainda longe dos níveis de preparação, formação, detenção de informação, conhecimentos técnicos e especialização, necessários para dar resposta adequada aos desafios e exigências que a realidade migratória impõe;

- Infelizmente, o erro crasso da extinção do SEF, não só tem repercussões ao nível organizacional, como trouxe um elevado custo à despesa pública, que se agravará no futuro, com o proliferar de estruturas e perdas de eficiência;

- Finalmente, esperamos que, um dia, sejam assacadas responsabilidades individuais a quem tomou as decisões que conduziram à situação em que nos encontramos.

amanda.lima@dn.pt

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