O novo desafio da carreira profissional do diretor Nacional-Adjunto da Polícia de Segurança Pública (PSP) e superintendente-chefe João Ribeiro é chefiar a recém-criada Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF) da PSP. Sob o seu comando estão, para já, 1200 profissionais (a maior parte polícias, mas também outros profissionais) que vão garantir a segurança das fronteiras, fiscalizações de imigrantes e cuidar do afastamento de estrangeiros do país. “Há aqui um aspeto que acho que é bastante importante desmistificar: Não é um mini-SEF”, começa por dizer ao DN João Ribeiro, a explicar o quanto é importante que a comunicação seja clara sobre aquilo que será o trabalho da UNEF.Trabalho este que, em 2026, terá um investimento de 90 milhões de euros, valor que inclui a construção de dois novos Centros de Instalação Temporária (CIT) de imigrantes. “É um grande investimento com instalações, a construção dos sítios, a reabilitação dos espaços equiparados, a capacitação de pessoas, a aquisição de serviços para esse efeito e aspetos bastante relevantes para que haja este equilíbrio entre a capacitação tecnológica, a capacitação humana e que consigamos ser mais eficientes, inclusivamente com investimento em Inteligência Artificial no sentido de apoiar a operação em fronteira”, detalha o superintendente-chefe. No próximo ano, a previsão é de que a UNEF tenha até 2000 profissionais.A criação desta nova unidade ocorre durante uma mudança política na forma de conduzir a imigração. O Governo de Luís Montenegro quer reduzir a entrada de imigrantes após o que classifica de uma política de “portas escancaradas” do Executivo anterior. À UNEF, desde as discussões no Parlamento, chegam críticas da esquerda sobre uma “militarização” do trabalho com os imigrantes e celebrações mais à direita sobre uma maior repressão aos imigrantes - que estão no meio disto tudo, alguns com medo do que, de facto, será esta unidade. E estas críticas ou comemorações fazem sentido?Segundo o diretor-adjunto, nenhuma delas faz. “Os imigrantes não precisam ter medo dessa nova unidade, pelo contrário. A estratégia que nós temos foca-se aqui, fundamentalmente, em pilares essenciais, naquilo que é a lei e seguir a lógica. Fomos e somos um país de emigrantes, portanto, fomos bem acolhidos, bem recebidos, bem integrados, e a lógica tem de ser precisamente a mesma”, explica.Na visão do superintendente chefe, que tem quase 35 anos como oficial de carreira na PSP, “há muitos cidadãos que acabam por procurar Portugal, mais pelas condições que existem nos próprios países, de passarem fome, de todo um contexto que tem componentes humanitária, mas fundamentalmente vêm à procura da sua migalha de felicidade, portanto, poderem estar em paz e poderem estar. Portanto, esse é um aspeto que nós temos de ter presente, essa noção”. De acordo com João Ribeiro, os “princípios fundamentais” serão respeitados, sem deixar de lado o combate à imigração irregular, as fiscalizações e afastamento desses imigrantes.“Quem está em situação irregular - e até porque temos uma perceção clara de onde é que estão os focos -, é evidente que iremos fazer aqui um processo inteligente de afastamento, dando oportunidade para as pessoas optarem pelo retorno voluntário, até porque há um apoio financeiro relativamente ao retorno voluntário, e após o retorno um conjunto de entidades que ajudam a reiniciar a vida no seu país. Portanto, quem está em situação irregular é algo que vamos cumprir, é a nossa missão afastar as pessoas que estejam em situação irregular”, sublinha..Esta semana, tornou-se público o caso de um imigrante marroquinho que, alegadamente, morreu após ser espancado por dois polícias no Algarve, o que reforça o medo de alguns imigrantes. “Obviamente, casos concretos, até porque é um caso que está em investigação, não me vou pronunciar sobre qualquer das formas, portanto, toda a matriz da PSP é uma matriz que assenta no princípio do Estado de Direito Democrático, que nos caracteriza, e os valores fundamentais, os valores humanistas, que caracterizam a sociedade portuguesa. Tudo o que são comportamentos desviantes que existem, aquilo que tem sido a estratégia do seu diretor Nacional da PSP e aquilo que resulta da própria lei, é que os comportamentos que se desviem da norma sejam devidamente censurados, seja em termos criminais, seja em termos disciplinares. Esse é o aspeto essencial, até porque é uma questão de legitimidade e de confiança da própria PSP”, explica.Incógnita dos imigrantes que chegam ao aeroporto e reflexos de demoras da AIMADuas situações comuns vividas por imigrantes em Portugal é o modo discricionário como ocorre a entrada na fronteira e o facto de que as demoras e o próprio incumprimento da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) deixam muitos imigrantes em situação irregular. Um exemplo que ilustra esta situação é o facto de o Governo ter deixado caducar mais de 374.000 títulos de residência de imigrantes, que agora estão numa task force para renovação.Já sobre o aeroporto, um caso ocorrido nesta semana mostra que as muitas decisões são, de facto, discricionárias. Uma brasileira, que vive no país, chegou de férias com o marido e dois filhos pequenos, mas foi barrada no aeroporto, mesmo com uma decisão judicial que determinou à AIMA um agendamento para reagrupamento familiar (há meses que a AIMA não consegue agendar o volume de decisões favoráveis aos cidadãos). O restante da família foi autorizado a entrar, enquanto a mãe teve de voltar para não ser deportada.O diretor-adjunto admite que “sim, há um elemento discricionário” na entrada dos cidadãos estrangeiros, mas que a UNEF foi criada mediante procedimentos-padrão para todos. “A grande aposta aqui vai ser a lógica da criação de unidade, termos uma matriz de comando e de uniformidade de procedimentos, que tem a ver também com isso. Portanto, garantirmos que a fronteira é resiliente, mas que tudo o que se passa na fronteira se passa exatamente da mesma forma e de acordo com os procedimentos operacionais-padrão que estão definidos”, afirma. Segundo Ribeiro, é literalmente um “documento-padrão” que precisa ser seguido por todos os agentes. “Claro que não existem sempre condutas perfeitas da parte de quem está na primeira linha de fronteira, mas queremos que haja um padrão e que, o mais possível, estes padrões sejam seguidos”, afirma.E se não forem seguidos? “Temos mecanismos de controlo de qualidade, é uma das vertentes em que nós vamos apostar, na prática, é uma auditoria do que é que está a acontecer nos postos de fronteira”, explica. Ainda de acordo com o superintendente-chefe, algumas condutas podem ser alvo de “um inquérito que pode ter consequências disciplinares”.Sobre a situação documental dos estrangeiros em território nacional, garante que há uma “estreita colaboração” com a AIMA. “Temos conhecimento dessas situações e, por isso, sempre que temos aqui uma abordagem relativamente a um contexto de uma pessoa que possa estar nessa situação, o procedimento-padrão, é precisamente de verificar essa situação e vamos implementar novos procedimentos para garantir esse processo”, explica.Segundo o diretor-adjunto, há casos em que o agendamento existe, mas não consta no sistema da AIMA. “Temos sempre um procedimento de verificar nos diferentes sistemas de informação, que são vários, no sentido de acautelar situações de risco”, complementa. Ainda em termos de colaboração, sublinhou que será também estreita com a Guarda Nacional Republicana (GNR). “Uma das inovações que traz, precisamente, esta nova lei é o reforço da interoperabilidade e de uma maior cooperação entre forças e entre entidades relativamente a esta matéria. Um aspeto essencial que temos de garantir é a fluidez de informação em tempo real, praticamente”, destaca.O diretor Nacional-Adjunto ainda destaca a colaboração com a Polícia Judiciária (PJ), nomeadamente no que diz respeito a crimes como tráfico de seres humanos. “Estamos a reforçar também essa colaboração com a Polícia Judiciária, até porque é muito importante a sinalização de situações em que tratamos de auxílio à imigração e, especialmente, tráfico de seres humanos, seja para questões laborais, seja para exploração sexual. Recordo-me, aqui, de uma situação recente que tivemos num aeroporto, que aparentemente teria contornos de ser trânsito de me- nores para efeitos de adoção que estavam a ser acompanhados, não por genitores, a partir de um país em África”, conta. Outra preocupação a nível europeu é o tráfico de órgãos. “Felizmente, ainda não tivemos aqui, que é algo que também já tem ocorrido e que a Frontex alerta para isso”, pontua.Tecnologia e meios humanosTodo este trabalho tem, segundo o diretor, “uma forte componente tecnológica, que é um dos pilares fundamentais da unidade”. Além da necessidade de garantir a operabilidade entre todos os sistemas, também será preciso substituir alguns dos equipamentos herdados do antigo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). “São equipamentos já com algum tempo de uso e temos aqui uma estratégia toda de renovação e de dotar as diferentes áreas com capacidade de deteção de documentos falsos, de análise de risco, apostando aqui também na capacitação de pessoas, que é outro dos nossos pilares”, ressalta. Esta nova unidade terá a sede nacional num edifício onde fica a gestão integrada de fronteiras, na Avenida da República, em Lisboa.Além deste pilar da tecnologia, outra aposta é na formação dos profissionais, em especial dos polícias. “É importante clarificar aqui algumas críticas de que teríamos canibalizado polícias - desculpe a força da expressão -, mas recordo que já temos nas nossas competências a segurança aeroportuária há 80 anos, mais a responsibilidade herdada com o fim do SEF. Naturalmente também foram feitos recrutamentos internos. Inclusive, no ano passado, do Curso de Formação de Agentes que terminou, há um conjunto de elementos que foram afetados diretamente para esse efeito. Portanto, a dinâmica que está aqui é termos uma abordagem de equilíbrio nesta matéria, tendo em conta a realidade que existe na PSP em termos de recursos humanos. Nos próximos três meses, mais 150 polícias terão a formação especializada.”O medoSe há medo da PSP por parte de alguns imigrantes e dos próprios locais, perante casos de xenofobia, e dos locais face a alguns imigrantes, João Ribeiro diz que o objetivo da PSP é garantir “a segurança de todos”. “É evidente que se tivermos um crime que seja praticado por um cidadão estrangeiro, não deixa de causar algum alarme relativamente a essa prática.”“Mas há também a componente psicológica, do sentimento das pessoas. Por exemplo, numa pequena comunidade, com muitas pessoas que não falam português, que vão somente às lojas destas comunidades, a falha aqui é na integração e acolhimento, que é um aspeto essencial”, analisa. Mesmo assim, afirma que Portugal está seguro. “Eu continuo convicto, olhando àquilo que são os últimos relatórios de criminalidade - e eu tenho tido interação com muitas comunidades -, eu diria que Portugal continua a ser um país seguro. Aquilo que são as situações irregulares serão afastadas do território nacional, seja por via judicial, porque a pessoa praticou um crime, seja por via administrativa”, vinca.amanda.lima@dn.pt.PSP reforça ações contra alojamentos ilegais. “Imigrantes são as vítimas”, afirma superintendente .Governo fecha as portas ainda mais à imigração. “Economia terá que se adaptar”, diz ministro