Ex-governantes, juízes, banqueiros, empresários na lista de espera para julgamentos
Os tribunais reabrem esta quinta-feira, depois de cerca de mês e meio das chamadas férias judiciais. Muitos casos mediáticos com figuras conhecidas, desde um ex-primeiro-ministro a um ex-banqueiro e vários juízes continuam sem ser julgados, em processos que se têm arrastado. Manuel Ramos Soares, Adão Carvalho e Menezes Leitão, representantes dos juízes, procuradores e advogados, respetivamente, destacam as suas preocupações e defendem prioridades.
Um ex-primeiro-ministro, José Sócrates, um ex-banqueiro, Ricardo Salgado, um empresário, Joe Berardo, estão entre as muitas figuras na "lista de espera" para serem julgadas pelos crimes de que estão acusadas, alguns deles há bastante tempo.
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Dessa longa lista de processos está o de Pedrógão Grande, em que a justiça procurou encontrar culpados para a morte de 63 pessoas; outro que envolve corrupção no futebol, como o E-Toupeira ou o Football Leaks, com o denunciante, Rui Pinto, acusado de vários crimes. (ver em baixo mais pormenores).
Todos têm em comum a demora na sua conclusão e são o resultado de um sistema judicial ainda sem reformas fundamentais.
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Manuel Ramos Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), destaca três prioridades para esta nova época de batalhas judiciais.
A primeira prende-se com os tribunais administrativos e fiscais, apelando a que seja "aprovada a Lei Orgânica do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais".
Defende ainda um "plano de recuperação dos atrasos processuais, com reforço conjuntural dos quadros", e que haja "leis processuais mais expeditas e mais planeamento e monitorização".
Outro aspeto que o representante dos juízes destaca relaciona-se com "megaprocessos e criminalidade financeira", advogando o "reforço dos meios do Ministério Público (MP) e da Polícia Judiciária (PJ) para a investigação criminal, assessorias nos tribunais e alterações nas leis de processo que permitam ao juiz impedir o exercício abusivo e ditatório dos direitos processuais".
Finalmente, segundo o resultado do inquérito da Rede Europeia de Conselhos de Justiça, que revelou que 26% dos magistrados judiciais portugueses disseram acreditar que durante os últimos três anos houve juízes a envolverem-se em corrupção, Manuel Soares pede um "reforço dos mecanismos de proteção da integridade judicial e da confiança social na justiça, com mais mecanismos de prevenção, deteção e repressão de comportamentos desviantes e falhas éticas graves".
Por seu lado, o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), Adão Carvalho, lembra que "a partir desta quinta-feira irão produzir efeitos os movimentos anuais dos magistrados judiciais e do MP, com a consequente movimentação de centenas de magistrados que vão iniciar funções em novas comarcas, tribunais, jurisdições ou serviços. Para alguns será a altura de se aproximarem da área da sua residência após anos de trabalho longe de casa, mas para muitos outros será mais um ano longe da sua residência, da família, o adaptar a novos processos, novas instalações, novos funcionários, em alguns casos a uma jurisdição totalmente diversa".
O magistrado refere que "a isto acresce a pressão e o acréscimo do trabalho após as férias judiciais".
O magistrado assevera que "a atividade dos magistrados judiciais e do Ministério Público é uma atividade de alta pressão constante. Em muitos tribunais o volume processual é elevado o que acarreta muitos processos conclusos para despacho e decisão todos os dias e muitas diligências agendadas. O stress e a pressão associados ao trabalho nos tribunais têm provocado um número crescente de magistrados com síndrome de Burnout, depressão, exaustão física e mental. A tal não é alheio o quadro de carência atual de magistrados do MP".
"Vivemos uma crise grave de falta de magistrados que se repercute no esforço exigido aos mesmos, tendo que acumular o seu serviço com o de colegas em situação de doença, licença de parentalidade ou onde, devido à escassez de magistrados, nem sequer foi possível colocar alguém", sublinha Adão Carvalho.
Por outro lado, lamenta, "desconhece-se até ao momento qual a política do atual Governo para a justiça. Para além do remendo de algumas opções erradas da anterior legislatura, não é conhecido o programa da atual Ministra da Justiça".
Recorda ainda que "recentemente foi conhecido um projeto de lei, relativo ao reforço das competências e poderes do SSI, que não foi discutido com as estruturas representativas do MP, e que mais não é do que remeter para uma secretaria-geral na dependência direta do Governo de competências que deviam ser do MP enquanto titular do exercício da ação penal".
O dirigente sindical assinala que "a coordenação dos órgãos de polícia criminal deve pertencer ao MP e não a qualquer entidade do executivo, sob pena de violação dos princípios da separação de poderes e da autonomia do MP".
Adão Carvalho refere-se à proposta de lei do Governo que transfere os gabinetes da Europol e da Interpol da PJ para o SSI.
"Não basta pregar a defesa da autonomia do MP e depois esvaziar por completo os meios e a disponibilidade dos meios pelo MP, limitando a direção da investigação criminal a um mero exercício formal. A grande prioridade do Governo deveria ser o reforço da autonomia do Ministério Público dotando-o dos recursos necessários, mas parece que o Governo tem receio de um MP autónomo!", conclui.
O bastonário da Ordem dos Advogados, Menezes Leitão por sua vez, está preocupado com as greves que foram anunciadas já para esta semana .
"Achamos preocupante as greves que foram anunciadas para os dias de reabertura dos tribunais (funcionários judiciais e oficiais de justiça anunciaram uma greve para os próximos dias 1 e 2 de setembro), demonstrando a grande insatisfação que existe atualmente na justiça", diz Menezes Leitão.
"Infelizmente estas greves são uma clara demonstração da enorme insatisfação com a política do Governo para o setor da Justiça. Nos últimos anos tivemos um Ministério da Justiça empenhado em governar apenas para as magistraturas, esquecendo todos os restantes profissionais que trabalham neste setor. Esperar-se-ia por isso que a mudança de titular da pasta provocasse uma mudança de paradigma na política, mas até agora infelizmente o que temos visto tem sido uma mera evolução na continuidade. Em consequência, todos os dias a imagem da justiça vai-se degradando aos olhos da opinião pública, levando a um profundo descrédito das instituições. É por isso mais do que tempo de a situação ser alterada, a bem de todos os que trabalham no setor", afiança.
E salienta ainda, por ocasião desta rentrée judicial, a "grande apreensão" com que tomaram "conhecimento das respostas dos juízes a um inquérito sobre corrupção, que demonstram uma grande dimensão do fenómeno, e que nos parece que o governo está a desvalorizar".
Menezes Leitão apela ainda à revogação "da legislação Covid no sector da Justiça agora que a pandemia parece ultrapassada".
À espera da sentença e de julgamentos
Pedrógão Grande
Este será o primeiro processo a conhecer decisão do julgamento sobre eventuais responsabilidades criminais nos incêndios de Pedrógão Grande, em 2017.
O Tribunal Judicial de Leiria profere sentença a 13 de setembro para 11 arguidos, que respondem por crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves.

Nesta estrada que liga Castanheira a Figueiró dos Vinhos morreram 47 pessoas
© Rui Oliveira/ Global Imagens
No processo, o Ministério Público (MP) contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
O MP defendeu a condenação a prisão efetiva superior a cinco anos do comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, e também penas de prisão para o funcionário da ex-EDP Casimiro Pedro e para outro arguido também funcionário da antiga EDP (atual E-REDES), José Geria.
Em relação a Arnaut, a procuradora do MP considerou "errada" a avaliação que este comandante de bombeiros fez sobre o incêndio que deflagrou em Regadas, que deveria ter sido "considerado uma ocorrência, autónoma" e que a "autonomização do combate" lhe "daria outra relevância e proporcionaria mais meios".
Quanto aos funcionários da EDP, o despacho de pronúncia atribui-lhes responsabilidades pela omissão dos procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível na linha de média tensão Lousã-Pedrógão, da responsabilidade da EDP Distribuição, e onde ocorreram duas descargas elétricas que desencadearam os incêndios.
E-Toupeira
Para 4 de novembro, no Juízo Central Criminal de Lisboa, está prevista a conclusão dos julgamentos do processo E-Toupeira, no qual o MP pediu a condenação do ex-assessor jurídico do Benfica Paulo Gonçalves e dos dois funcionários judiciais acusados.
Estão em causa crimes de corrupção passiva e ativa, violação do segredo de justiça, violação de segredo por funcionário, violação do dever de sigilo, acesso indevido e peculato.

Paulo Gonçalves
© André Luís Alves / Global Imagens
A acusação do processo E-Toupeira diz que Paulo Gonçalves, enquanto assessor da administração da Benfica SAD e no interesse desta, solicitou a funcionários judiciais que lhe transmitissem informações sobre inquéritos em curso a troco de bilhetes, convites e merchandising.
Os processos "incidiam sobre investigações na área do futebol ou sobre pessoas relacionadas com este desporto, designadamente inquéritos em curso e em segredo de justiça, em que era visada, ou denunciante, a Sport Lisboa e Benfica - Futebol SAD ou os seus elementos".
Luís Filipe Vieira não foi individualmente arguido neste caso, mas, segundo o MP, teve conhecimento e autorizou a entrega de benefícios aos dois funcionários judiciais por parte de Paulo Gonçalves.
Operação Cavaleiro
Para 8 de novembro está prevista a leitura da sentença no julgamento do processo Operação Cavaleiro, no qual o ex-diretor do Museu da Presidência Diogo Gaspar e outros três arguidos respondem por um total de 42 crimes, incluindo abuso de poder, participação económica em negócio, tráfico de influências, falsificação de documentos, peculato e branqueamento de capitais.

Diogo Gaspar, ex-diretor do Museu da Presidência da República
© Global Imagens
O MP pediu prisão efetiva para o antigo responsável do Museu da Presidência, mas admitiu que venha a ter pena suspensa, algo que pediu que seja aplicado aos outros arguidos.
Operação Lex
O processo Operação Lex, que envolve suspeitas de corrupção e outros crimes alegadamente cometidos por juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, tem o início da audição das testemunhas marcado para 20 e 21 de setembro no Supremo Tribunal de Justiça, onde vai decorrer a fase de instrução, sensivelmente dois anos após ser conhecida a acusação.

O juíz desembargador Rui Rangel
© Sara Matos / Global Imagens
Entre os 17 arguidos estão os juízes Rui Rangel, Fátima Galante e Vaz das Neves e o ex-presidente do Benfica Luís Filipe Vieira.
Em causa neste processo estão crimes de corrupção passiva e ativa para ato ilícito, recebimento indevido de vantagem, abuso de poder, usurpação de funções, falsificação de documento, fraude fiscal e branqueamento.
Football Leaks
Já na reta final está o processo Football Leaks, que aguarda pelas declarações em tribunal do criador da plataforma, Rui Pinto, após o arguido concluir a consulta dos discos apreendidos pela PJ.
Rui Pinto, de 33 anos, que ajudou a denunciar diversos casos de corrupção no futebol nacional e internacional e de governos, como o Luanda Leaks, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão na forma tentada.

Rui Pinto durante uma das sessões em tribunal
© Jorge Amaral/ Global Imagens
Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.
O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 7 de agosto de 2020, "devido à sua colaboração" com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu "sentido crítico", mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas, em local não revelado e sob proteção policial.
O-Negativo
O processo, também conhecido por "Máfia do Sangue", tem o debate instrutório agendado para 3 de outubro.
Em causa no inquérito estavam suspeitas de negócios com plasma, que terão lesado o Estado em 100 milhões de euros.

Lalanda de Castro (à esquerda)
© Paulo Spranger / Global Imagens
Na altura, a PGR referiu que havia "suspeitas de obtenção, por parte de uma empresa de produtos farmacêuticos, de uma posição de monopólio no fornecimento de plasma humano inativado e de uma posição de domínio no fornecimento de hemoderivados a diversas instituições e serviços que integram o Serviço Nacional de Saúde (SNS)".
O MP acusou sete arguidos por corrupção, abuso de poder e branqueamento de capitais, entre os quais o ex-presidente do INEM Luís Cunha Ribeiro e o ex-administrador da Octapharma Lalanda de Castro.
Hells Angels
Mais longe do desfecho está o julgamento do processo Hells Angels, no qual a juíza ordenou perícias às tatuagens dos 89 arguidos, que respondem por associação criminosa, tentativa de homicídio qualificado agravado pelo uso de arma, ofensa à integridade física, extorsão, roubo, tráfico de droga e posse de armas e munições.

© André Alves / Global Imagens
A operação da PJ contra este grupo de motociclistas com ramificações no mundo inteiro foi lançada em junho de 2018, antes da concentração de Faro, quando as autoridades tinham indícios de que poderia estar iminente um confronto violento entre gangues motoqueiros.
Em causa, para além dos crimes já referidos, está também uma cilada montada contra Mário Machado, condenado por vários crimes e ex-líder dos Hammerskins, que tentava fundar em Portugal um chapter de Los Bandidos, grupo motociclista rival dos Hells Angels.
Operação Marquês
Entre os processos mediáticos mais atrasados sobressai o julgamento de José Sócrates e de Carlos Santos Silva no processo conexo da Operação Marquês, que, mais de um ano após a decisão instrutória do juiz Ivo Rosa, em 9 de abril de 2021, continua sem data marcada para o início.
Este período ficou marcado por um imbróglio jurídico e uma sucessão de recursos do ex-primeiro-ministro e do MP, num processo em que Sócrates, inicialmente acusado de 31 crimes, entre os quais três por corrupção passiva de titular de cargo político, vai responder por três crimes de branqueamento de capitais e outros tantos de falsificação de documento.

José Sócrates
© Leonardo Negrão/ Global Imagens
Inicialmente, o processo reunia 28 arguidos, entre os quais 19 pessoas singulares e nove pessoas coletivas, num total de 188 crimes.
A fase de instrução, pedida por 19 dos arguidos, decidida por Ivo Rosa, resultou em que dos 189 crimes imputados a 28 arguidos pelo MP apenas restaram 17, distribuídos por José Sócrates, Carlos Santos Silva, João Perna, Armando Vara e Ricardo Salgado. Apenas Armando Vara e Ricardo Salgado já foram condenados, e existem ainda três arguidos - Sócrates, Carlos Santos Silva e João Perna - a aguardar julgamento.
BES/GES
Sem se saber se seguem para julgamento estão os processos BES/GES.
O caso do colapso do grupo financeiro outrora liderado pelo ex-banqueiro Ricardo Salgado tem de conhecer decisão até fevereiro de 2023, após determinação do Conselho Superior da Magistratura.
O processo BES/GES conta com 29 arguidos (23 pessoas e seis empresas), num total de 356 crimes.

Ricardo Salgado
© Alvaro Isidoro / Global Imagens
Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro.
Segundo o MP, cuja acusação contabilizou cerca de quatro mil páginas, a derrocada do Grupo Espírito Santo (GES), em 2014, terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.
EDP/CMEC
Longe ainda de julgamento - ou até de uma eventual fase de instrução - mantêm-se outros casos mediáticos da justiça portuguesa.

Manuel Pinho
© André Luís Alves / Global Imagens
Um deles é o processo EDP/CMEC, relacionado com os custos de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC), no qual os antigos gestores António Mexia e Manso Neto são suspeitos de corrupção e participação económica em negócio para a manutenção do contrato das rendas excessivas e, segundo o MP, terão corrompido o ex-ministro da Economia Manuel Pinho e o ex-secretário de Estado da Energia Artur Trindade.
CGD/Joe Berardo
Outro caso mediático e que continua ainda em inquérito envolve a Caixa Geral de Depósitos (CGD), tendo sido constituídos 11 arguidos, entre os quais o empresário Joe Berardo.

Joe Berardo
© Gonçalo Villaerde / Global Imagens
Segundo o MP, a investigação envolve um grupo "que entre 2006 e 2009 contratou quatro operações de financiamento com a CGD, no valor de cerca de 439 milhões de euros", e terá causado "um prejuízo de quase mil milhões de euros" à CGD, ao Novo Banco e ao BCP.
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