Paulo Vizeu Pinheiro: "A chefia do Gabinete Europol-Interpol será atribuída à PJ, de forma permanente"
A integração dos gabinetes Europol e Interpol no SSI, na tutela do primeiro-ministro, promove eventuais interferências políticas ou acessos em processos de investigação criminal em curso, como alegam os sindicatos da PJ e do MP?
Não. De todo. O secretário-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI) ou sequer, por sua via, o primeiro-ministro, não interfere em nenhum caso e de modo algum em processos de investigação criminal em curso. Nem tem acesso. Nem pode ter. Cumpre rigorosamente a lei neste domínio, tal como a atual tutela política da PJ, a Senhora Ministra da Justiça.
CitaçãocitacaoOs últimos 5 anos de funcionamento do PUC-CPI, por onde passaram só em 2021 mais de 8.000 processos, configuram a prova provada de que não existe qualquer interferência ou acesso indevidos às informações"
Os últimos 5 anos de funcionamento do Ponto Único de Contacto - Cooperação Policial Internacional (PUC-CPI) no quadro do SSI, por onde passaram, só no ano de 2021, mais de 8.000 processos, configuram a prova provada de que não existe qualquer interferência ou acesso indevidos às informações ou intercâmbio de informações que circulam neste serviço. Nem há memória de um único episódio de fuga de informações ou de violação dos segredos de Justiça e de Estado.
Qual era o problema destas estruturas estarem na PJ, uma vez que esta é a polícia de investigação criminal que trata da maioria dos processos que passam por estes canais (cerca de 87%)?
Não se trata de uma questão de mera localização institucional ou física. Trata-se de concretizar as recomendações da avaliação Schengen: «Instituir de forma efetiva um ponto de contacto único (SPOC- Single Point of Contact), em conformidade com o Manual SPOC». Ao dia de hoje, após duas missões de avaliação Schengen, ainda não estão inteiramente realizadas.
Após a avaliação de 2017, já lá vão cinco anos, Portugal, no cumprimento do regulamento de avaliação Schengen, apresentou um plano de ação, um follow-up, com o objetivo de concretizar as recomendações, plano esse que foi homologado, ou melhor considerado adequado, pela Comissão Europeia.
Recordo que há 14 recomendações na área da Cooperação Policial Internacional dirigidas a Portugal e que foram plasmadas em decisão do Conselho da EU. Entre elas, a medida 8 que visa alargar a utilização do carregamento de dados para o Sistema de Informações da Europol (SIE) a todas a forças policiais e todos os domínios da criminalidade abrangidos pelo mandato da Europol, que inclui tipologia criminal que vai além da tipologia criminal objeto da competência exclusiva ou reservada da PJ.
A atividade de pedidos de cooperação e informação junto da Europol/Interpol, p.ex. em áreas como os crimes contra o património, veículos automóveis e até cooperação genérica, tem vindo a aumentar por parte das outras Forças e Serviços de Segurança.
CitaçãocitacaoImporta reconhecer, por uma mera questão de justiça e objetividade, que a "parte de leão" da cooperação com a Europol e Interpol compete à nossa polícia criminal, altamente profissional e competente, de reputação interna e internacional indiscutível.
Mas importa reconhecer, por uma mera questão de justiça e objetividade, que a "parte de leão" da cooperação com a Europol e Interpol compete à nossa polícia criminal, altamente profissional e competente, de reputação interna e internacional indiscutível.
Se havia a obrigação, determinada pela UE, de criar um ponto único de contacto para todas as estruturas que tramitam informação policial partilhada através da cooperação internacional, porque não se centralizou tudo na PJ?
As outras Forças e Serviços de Segurança, tal como Autoridade Tributária e Aduaneira, também tramitam informação policial partilhada através da cooperação internacional. e têm tutelas ministeriais diferentes. SEF, GNR e PSP estão no MAI, a PJ no MJ, a AT nas Finanças, a ASAE na Economia, a Polícia Marítima no Ministério da Defesa Nacional. Onde todos se encontram é no SSI, por via também do Gabinete Coordenador de Segurança e o Conselho Superior de Segurança Interna.
Mas não seria uma forma de evitar as desconfianças e as críticas a que estamos a assistir?
CitaçãocitacaoEstou em crer que desconfianças, dúvidas ou críticas radicam no desconhecimento do que está previsto em termos de concretização das recomendações Schengen.
Estou em crer que desconfianças, dúvidas ou críticas radicam no desconhecimento do que está previsto em termos de concretização das recomendações Schengen, em que, pelo contrário, todos saem a ganhar, pois veem as suas atribuições e competências não só intocadas como reforçadas através de uma cooperação mais estreita num "locus", ou local, em que todos estão presentes e atuantes há vários anos, independentemente das respetivas tutelas ministeriais: o SSI.
Sendo a chefia futura do Gabinete Europol-Interpol atribuída a um Coordenador de Investigação Criminal da PJ e a operação do dia-a-dia a cargo dos inspetores da PJ, mas com ligação direta aos operadores das outras FSS, ganha-se eficiência na distribuição dos processos e no intercâmbio de informações policiais.
CitaçãocitacaoAo contrário dos outros Gabinetes do PUC, não haverá rotação na chefia dos gabinetes Europol e Interpol, que estará a cargo da PJ de uma forma permanente.
E ao contrário dos outros Gabinetes do PUC, não haverá rotação na chefia dos gabinetes Europol e Interpol, que estará a cargo da PJ de uma forma permanente.
Note-se que seguindo ainda as orientações da UE, o PUC-CPI é uma estrutura multi-agência, com mandato abrangente, envolvendo a área da prevenção criminal, investigação criminal, a área administrativa, a área cível e a assistência humanitária. Envolve ainda diversos parceiros não policiais tais como o Instituto de Registos e Notariado ou o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses , e assegura serviços transversais a todas as FSS.
CitaçãocitacaoNa atual estrutura organizativa da segurança interna, apenas o SSI possibilita o espaço necessário para a coordenação e orientação estratégica de todos os parceiros.
Na atual estrutura organizativa da segurança interna, apenas o SSI possibilita o espaço necessário para a coordenação e orientação estratégica de todos os parceiros e respetivas necessidades, de forma inclusiva, complementar, resiliente e interoperável. Sempre no respeito escrupuloso das atribuições e competências legais de cada um.
O SSI permite potenciar a cooperação e criar sinergias. Quando tomei posse, em breve fará um ano, sublinhei que no quadro da Lei de Segurança Interna e do mandato que foi conferido pelo senhor primeiro - ministro, concretizaria esta missão de serviço público, executaria o cargo de secretário-geral do SSI, como uma mais-valia para cada FSS. Mais PJ, mais PSP, mais GNR, etc. e não menos.
O que aconteceria a Portugal se na avaliação Schengen fosse de novo verificado que os gabinetes da Europol e da Interpol ainda não estavam no PUC? Seria multado?
Não há multas, mas existem obrigações dos Estados-Membros, especialmente no cumprimento das recomendações Schengen, como forma de garantia da livre circulação interna no espaço Schengen.
Portugal, o Estado português, os sucessivos Governos, têm tido como seu timbre não o desrespeito das regras, compromissos ou recomendações europeias, em que aliás participa, mas o seu cumprimento. E, repito, tratam-se de decisões do Conselho em que Portugal participou e contribuiu ativamente. Não me parece fazer sentido criar uma "doutrina" ou atitude diferente, que venha a colocar o país numa situação desprestigiante ou desonrosa.
Em mais algum país da UE os SPOC estão instalados numa entidade que depende do primeiro-ministro?
Os SPOC diferem de Estado-Membro para Estado-Membro, muito de acordo com o respetivo modelo de segurança. A maioria está dependente de um ministério, normalmente o Ministério do Interior.
Tendo Portugal a singularidade de ter um SSI, neste caso em particular não devia ter sido encontrada outra solução que não deixasses dúvidas de confiança no sistema?
Acho que já respondi a essa questão. De acordo com as "orientações para a criação do ponto único de contacto para intercâmbio internacional de informação entre os serviços de polícia, o SPOC é um "balcão único" para a cooperação policial internacional para todos os pedidos de cooperação policial internacional tratados a nível nacional, que reúne sob a mesma estrutura de gestão os diferentes gabinetes nacionais ou pontos de contacto, tais como a Unidade Nacional Europol, o Gabinete Nacional Interpol, o Gabinete nacional Sirene, o ponto de contacto para os agentes de ligação nacionais destacados no estrangeiro e os agentes de ligação estrangeiros destacados num determinado Estado-Membro, os pontos de contacto designados nos termos da "Decisão-Quadro Sueca" e das "Decisões Prüm". Refere ainda que, idealmente, o SPOC alberga estes gabinetes e pontos de contacto no mesmo edifício.
CitaçãocitacaoNão vemos outra solução que abarque a inclusão das diferentes polícias no mesmo órgão/entidade.
Foi baseado neste contexto que se implementou o SPOC no SSI, local onde se garante o espírito multi-agência de funcionamento de todas as polícias portuguesas. Não vemos outra solução que abarque a inclusão das diferentes polícias no mesmo órgão/entidade.
Perante os múltiplos desafios da globalização e da evolução tecnológica e digital, com o crime a apresentar uma natureza transnacional e com as organizações criminosas a explorarem as vantagens destas transformações digitais, a proteção dos cidadãos não pode ser alcançada através de ações isoladas pelo que importa integrar esforços que continuam fragmentados.
Uma visão estratégica e um percurso conjunto reduzem custos e evitam redundâncias, contribuindo para uma maior eficiência dos recursos disponíveis, sejam eles humanos, financeiros ou organizacionais.
Este sempre foi o pressuposto base que esteve na origem e desenvolvimento do PUC-CPI. Daí a sua natureza multi-agências e transversalidade.
O fim último do PUC-CPI é o de colaborar no reforço das sinergias e da cooperação a todos os níveis para uma resposta eficaz e coordenada a nível nacional.
Os resultados alcançados ao longo dos últimos anos são demonstrativos da sua eficácia. Muito se deve, devo dizer, aos meus antecessores neste longo caminho. Mas também à lúcida liderança dos Diretores Nacionais e Comandantes Gerais das FSS. É um caminho que estamos a trilhar juntos.
O acordo com a PJ implica que, na prática, será a PJ a manter a gestão destes dois gabinetes, sem rotatividade no comando. Será apenas uma questão de mudar o local destas estruturas da PJ para o SSI? Na prática, tudo fica então na mesma?
Não fica tudo na mesma, pelo contrário, pretende-se incrementar a cooperação de todas as FSS, num conceito multi-agência, como já referi.
Que garantias há que só a PJ tem acesso a estes sistemas?
As garantias são as que estão atribuídas pelas próprias leis, seja pela Lei de Organização e Investigação Criminal ou as atribuídas nas competências das próprias FSS, que são intocáveis, e que todos os agentes da lei, tal como o próprio Secretário-Geral do Sistema do Segurança Interna, ou até mesmo qualquer tutela politica ou ministerial, têm obrigação de cumprir e fazer cumprir.
Como funciona o controlo de acessos e a prevenção de acessos indevidos no PUC-CPI?
Funciona como ao dia de hoje: sob supervisão do coordenador do Gabinete Europol e Interpol - que continuará a ser da PJ.