SEF: Ex-diretora pode ter cometido crime de prevaricação ou encobrimento

Para a IGAI, a conduta de Cristina Gatões na sequência do óbito do cidadão ucraniano não merece censura disciplinar. Penalistas ouvidos pelo DN discordam: creem-na suscetível de configurar os crimes de prevaricação, encobrimento e abuso de poder

Ihor Homeniuk morreu há exatamente dois anos, a 12 de março de 2020, no centro de detenção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) do aeroporto de Lisboa.

Mas após a condenação a nove anos de prisão, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de três inspetores do SEF por terem causado a morte (condenação em recurso no Supremo), ainda há responsabilidades criminais por apurar.

Quer no que se refere às circunstâncias em que Ihor esteve detido e que levaram ao óbito, como ao que se lhe seguiu, nomeadamente quanto à operação de encobrimento e de "blindagem corporativa" que, segundo a Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI), o organismo que fiscaliza as polícias, teve lugar.

Para a IGAI, o mentor desta operação foi o ex-diretor de Fronteiras de Lisboa (DFL), António Sérgio Henriques, cuja expulsão da função pública propôs e foi aceite pela tutela. Henriques ainda não foi ouvido no inquérito criminal que corre termos no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, e no qual foram já constituídos arguidos outros inspetores do SEF, assim como vigilantes da empresa privada Prestibel (contratada pelo SEF para gerir o centro de detenção onde Ihor morreu).

Mas, de acordo com penalistas e magistrados ouvidos pelo DN, também Cristina Gatões, que era diretora nacional no momento da morte e acabaria por sair do cargo nove meses depois, a 9 de dezembro, em consequência das dúvidas sobre a sua conduta no caso, deve ser investigada criminalmente.

Gatões, recorde-se, foi ilibada de responsabilidades disciplinares pela IGAI, em decisão de julho de 2021. Discordando dessa decisão, os juristas que falaram ao DN consideram que há na sua conduta e nas explicações que deu à IGAI indícios suficientes para suspeitar de que tanto esta inspetora coordenadora - o grau mais alto na carreira no SEF - como Sérgio Henriques cometeram crimes específicos para quem desempenha funções públicas, nomeadamente o de prevaricação / denegação de justiça.

Este crime, previsto no artigo 369º do Código Penal (CP), é cometido pelo funcionário que, "no âmbito de inquérito processual, processo jurisdicional, por contraordenação ou disciplinar, conscientemente e contra direito, promover ou não promover, conduzir, decidir ou não decidir, ou praticar ato no exercício de poderes decorrentes do cargo que exerce", sendo punido com pena de prisão até dois anos.

Há também quem considere - é o caso de um procurador do MP que pediu o anonimato por se encontrar em funções de coordenação - que Gatões e Henriques também deveriam ser investigados pelo crime de abuso de poder (artigo 382º do CP, dizendo respeito ao funcionário "que (...) abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa", prevendo-se pena até três anos).

E o magistrado afiança: "Os prazos de prescrição ainda não venceram e esses crimes ainda estão muito a tempo de ser investigados."

Justificações "sem sentido"

Em causa na conduta de Gatões está, em primeiro lugar, o facto de a diretora do SEF ter decidido não comunicar de imediato, como a lei obriga ("Em caso de morte da pessoa detida deverá o comandante do estabelecimento policial comunicar imediatamente o facto ao Ministério Público, à Inspeção-Geral da Administração Interna e ao familiar mais próximo conhecido", decreta o despacho 5863/2015) o óbito de Ihor à Inspeção Geral da Administração Interna.

Esta só seis dias depois, a 18 de março, foi oficialmente avisada, por comunicação escrita, de que morrera uma pessoa em custódia. E, apesar de nessa altura a brigada de homicídios da Polícia Judiciária (PJ) já estar a investigar o caso, facto de que vários elementos da alta hierarquia do SEF, subordinados diretos da diretora nacional, tinham conhecimento (já lá iremos), a informação comunicada foi de que fora uma morte por causas naturais.

Gatões viria a justificar a sua opção perante a própria IGAI, ao ser por esta inquirida a 19 de março de 2021, no âmbito do processo disciplinar instaurado ao ex-coordenador do Gabinete de Inspeção do SEF (João Ataíde).

Revelando que foi avisada da morte, pouco depois de esta ter ocorrido, pelo DFL Sérgio Henriques, o qual estava com ela numa reunião e recebeu a novidade por telefone, explicou-se assim no seu depoimento, a cujo áudio o DN teve acesso: "Entendi que para a IGAI seria útil a informação sobre se nós tínhamos ou não... Se tinha havido alguma violência, para também dotar a IGAI de mais informação pertinente. A existência de tortura daria uma [impercetível] diferente. (...) Também precisava de que me fizessem chegar o expediente para fazer chegar à IGAI - e naqueles dias o que era urgente era fechar as fronteiras [refere-se à pandemia de Covid-19; o confinamento geral foi decretado a 19 de março]."

Estas justificações, que a IGAI considerou atendíveis, erguem as sobrancelhas do procurador já citado. "Se havia um despacho a obrigar à comunicação imediata da morte à IGAI e isso não foi feito, houve uma clara violação dos deveres inerentes à função. É preciso que a investigação determine qual era a intenção e essa será a chave. Se tiver sido com intenção de beneficiar alguém, a moldura penal agrava-se. Pelo que tem sido do conhecimento público, aquela atitude tem todos os indícios de se tratar do encobrimento de comportamentos que indiciam fortemente a prática de crimes."

O crime em causa será pois o de abuso de poder, eventualmente em conjugação com o de favorecimento pessoal (encobrimento).

Quanto à justificação dada por Cristina Gatões, segundo a qual não comunicou "de imediato" à IGAI, como manda a lei, porque queria primeiro verificar se não tinha havido maus-tratos, o magistrado é categórico: "Não lhe compete a ela fazer essa avaliação. Só à IGAI."

Outro procurador, que também não quer ser identificado, ironiza: "Esta atuação, tal como é descrita pela ex-diretora nacional, é como a das pessoas que limpam a casa antes de a pessoa a quem pagam para fazer esse trabalho aparecer, para não haver pó quando esta chega."

E garante: "Se fosse eu o responsável pelo inquérito criminal em curso olharia também, sem dúvida, para as responsabilidades criminais da diretora nacional, com base nesse atraso na comunicação à IGAI e nas explicações que dá para ele. Isso deve ser averiguado."

A penalista Teresa Quintela de Brito, professora da faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, concorda: "Quem tem de averiguar se há ou não indícios de crime é o MP e a IGAI, esta para apuramento de eventual responsabilidade disciplinar . A diretora nacional não tinha nada de mandar averiguar antes de reportar - é uma justificação que não faz sentido."

Ministro avisado por SMS

Em contraste com o seu atraso na comunicação à entidade fiscalizadora, Gatões apressou-se a dar a novidade à tutela: "Depois de ter recebido a comunicação do DFL, mandei uma SMS ao senhor ministro a dizer que tinha havido uma morte no Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária [o centro de detenção do SEF no aeroporto de Lisboa] na sequência de uma crise convulsiva e de um problema de epilepsia."

A existência desta SMS enviada a Eduardo Cabrita, que segundo Gatões teria já a informação que seis dias mais tarde comunicaria à IGAI, nunca tinha até agora sido revelada, já que a IGAI não lhe faz menção no relatório escrito, ao qual o DN tinha já tido acesso e em que se descreve o depoimento de Gatões.

Neste relatório é apenas referido o mail que a então diretora nacional enviou, às 19H54, para a chefe de gabinete do ministro.

Malgrado a alegada preocupação em saber o que realmente se passara com Ihor, Gatões - que disse à IGAI que "alguém me contou que ele [Ihor] se tinha atirado ou batido num armário", o que a teria alertado para a possibilidade de ter podido haver "algumas agressões ou alguma violência" - não instaurou qualquer averiguação interna (ao contrário do que o então ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, certificaria a 8 de abril ao parlamento, declarações que, como o DN já noticiou, consubstanciam informação falsa) à morte para apurar em que circunstâncias aquela tinha acontecido.

A então diretora nacional limitou-se, segundo a própria afirma, a pedir informalmente ao DFL e ao responsável do gabinete de inspeção, João Ataíde, que vissem as imagens de videovigilância das câmaras do centro de detenção - o que só sucedeu a 16 de março, com os dois, como o DN já relatou, a visionar em fast forward, em menos de três horas, mais de um dia de gravações.

Em resultado desse visionamento em que não viu nada a não ser que havia muita gente a entrar e sair da divisão (a única sem videovigilância no centro de detenção) na qual Ihor foi posto "em isolamento" e onde acabaria por morrer, Ataíde comunicou à direção nacional que não encontrara "indícios objetivos da existência de situações anómalas".

Tanto Ataíde como Gatões negam que tenha sido aberta uma averiguação interna, apesar de o então ministro Eduardo Cabrita ter dito ao parlamento, na já referida audição, que esta era obrigatória.

Leu relatório "um milhão de vezes" e nada viu de errado

Mas Gatões invoca também, no seu depoimento, a necessidade de receber "o expediente" para o enviar à IGAI. Não fica claro (nem é perguntado) de que expediente está Cristina Gatões a falar; o que se sabe é que um documento crucial para qualquer averiguação sobre o caso, o relatório de ocorrência, ou RO - espécie de "diário" de cada detido, no qual devem ser averbadas todas as ocorrências e intervenções a ele relativas - respeitante a Ihor só estava, aquando da morte, ou seja ao fim da tarde de 12 de março, preenchido até meio do dia 11 de março.

Tudo o que consta no RO a partir dessa altura foi escrito, diz a IGAI na conclusão do processo disciplinar que moveu ao DFL Sérgio Henriques, sob a batuta deste e com o objetivo de "encobrir a etiologia criminosa da morte de Ihor Homeniuk e, dessa forma, proteger-se e a colegas de trabalho (...) omitindo, deliberadamente, informações essenciais e relevantes à descoberta da verdade (...)", tentando, "com uma blindagem corporativista, evitar a instauração de procedimentos criminais e disciplinares contra os autores do crime, sobrepondo-se ao interesse público, nomeadamente, de aplicação da justiça."

A conduta imputada pela IGAI a Sérgio Henriques, que não apresentou defesa (pretenderá impugnar a pena de expulsão em tribunal, tendo declinado responder às perguntas do DN), corresponde, quase ipsis verbis, à tipificação do crime de abuso de poder ou de favorecimento pessoal.

Isso mesmo sublinha ao DN um terceiro procurador, também ele requisitando anonimato: "É claramente abuso de poder, no mínimo. Encobriu aqueles factos, dificultou a descoberta da verdade. Não é coautor do crime mas encobriu. O próprio relatório da IGAI deixa implícito, para não dizer claro, que houve obstrução à justiça por parte de dirigentes."

Mas será Sérgio Henriques o único dirigente do SEF responsável pela assim descrita tentativa deliberada de obstruir a justiça?

"Li o RO um milhão de vezes", afirma a ex-diretora nacional no seu depoimento de pouco menos de duas horas (e no qual só é questionada pela IGAI sobre a morte de Ihor ao fim de uma hora e três minutos), asseverando que "durante meses largos isto não me deixou dormir. Ainda hoje não me é fácil lidar com isto porque é a negação de toda a minha vida de trabalho, portanto não me podia acontecer nada mais violento do ponto de vista pessoal. Isto não podia ter acontecido."

Mas quando perguntada sobre quando viu o RO pela primeira vez, diz não se recordar: "Não sei se foi na sexta ou na segunda [Ihor morreu numa quinta-feira], não tenho memória se me chegou no dia 13."

No dia 13 decerto não lhe terá chegado, uma vez que não estava pronto. Por exemplo os três inspetores que estão condenados por terem causado a morte agredindo e algemando o cidadão ucraniano, deixando-o nessa condição mais de oito horas (o que foi considerado determinante para morte), só enviaram o relato da sua intervenção, por mail, a Sérgio Henriques no dia 15 de março, domingo.

Perguntando pelo RO mal soube da morte - o que seria natural, já que, como explicado, é neste que deve estar toda a informação relativa a cada detido - ou mesmo no dia seguinte, Gatões teria de concluir que este não estava disponível. E que, portanto, a data que está no documento de 56 páginas como sendo a da sua conclusão - 13 de março - não corresponde à verdade.

Deveria também Cristina Gatões, lendo o RO "um milhão de vezes", ter reparado que, havendo menção à algemagem do detido, não há referência ao momento em que foi desalgemado - uma omissão no mínimo intrigante.

E que, sendo a regra, ao algemar alguém, como explicou à IGAI um inspetor formador do SEF, que a pessoa fique acompanhada, é óbvio da leitura do RO que tal não aconteceu - o que desde logo devia implicar à diretora nacional que houvera violação das normas e dos direitos do detido e determinar-lhe a instauração de um inquérito interno. Mas só virá a fazê-lo a 30 de março, quando os três inspetores são detidos pela Polícia Judiciária.

Esse inquérito será de imediato, por determinação ministerial, avocado pela IGAI, que também esperou até esse dia para se interessar pela morte de um cidadão em custódia policial.

É só aí que, através do seu subinspector-geral, José Manuel Vilalonga, pede "mais informação" ao SEF sobre o óbito, questionando: "Antes de mais solicito à Direção Nacional que informe com urgência se foi instaurado algum processo de natureza disciplinar para averiguar dos factos comunicados."

Este atraso de 12 dias da IGAI face à notícia da morte leva Teresa Quintela de Brito a considerar que "houve falha da IGAI. Também aí há indícios do crime de prevaricação/denegação de justiça. Deveria ter sido promovido um inquérito disciplinar e não foi."

Quantos altos funcionários do SEF "enganaram" a diretora?

Cristina Gatões saiu da direção do SEF a 9 de dezembro, quatro dias depois de o DN ter noticiado que estava nos destinatários de um mail enviado a 19 de março pelo DFL para a Polícia Judiciária, no qual este respondia a um pedido desta de identificação dos funcionários (do SEF e vigilantes da empresa de segurança privada Prestibel) que tinham estado ao serviço de 10 a 12 e março, os três dias em que Ihor esteve sob custódia, e de preservação das imagens de videovigilância do centro de detenção.

Essa revelação contrariava as suas afirmações anteriores de que só soubera das suspeitas de crime pela comunicação social, a 29 de março, quando a TVI deu a notícia.

Porém na sua inquirição pela IGAI a ex-diretora nacional assevera que não viu o mail e que o DFL Sérgio Henriques nunca a pôs a par de que a PJ estava a investigar, dizendo sentir-se "completamente enganada".

Como o DN já noticiou, Sérgio Henriques recebeu logo a 16 de março, no aeroporto de Lisboa, a visita da brigada de homicídios da PJ, que fora alertada a 14 de março, por uma denúncia anónima e pelo médico que fez a autópsia, para a existência de uma morte violenta no SEF.

Inspetores do SEF contactados pelo DN consideram que Henriques tinha, sem qualquer dúvida, o dever de comunicar à direção nacional a existência da investigação, "por escrito e por voz".

É tanto mais estranho que não o tenha feito quando há evidência de que não guardou segredo: nesse mesmo dia Henriques disse a João Ataíde, o coordenador do gabinete de inspeção do SEF, que como já referido foi ao aeroporto a mando de Gatões visionar as imagens de videovigilância, que a PJ estava a investigar.

Este esteve, após o visionamento das imagens, no dia 17, com a diretora nacional e com o subdiretor José Barão. A mesma obrigação que cabia a Henriques, de avisar a direção nacional, estende-se naturalmente a Ataíde.

Mas na inquirição no âmbito do processo disciplinar que foi movido a Ataíde (por ter visto as imagens e ter dito que nada indiciavam de maus tratos) a IGAI não perguntou se lhes comunicou essa informação, o que soubera por Henriques, ou se estes mostraram ter dela conhecimento.

Sucede que havia pelo menos mais duas pessoas na alta hierarquia do SEF a saber da investigação da PJ e assim a ter a obrigação de comunicar o facto à diretora nacional. Uma é o sub-diretor de Fronteiras de Lisboa, Amílcar Vicente, que está nos destinatários de dois mails - aquele que Gatões diz não ter visto, na tarde de 19 de março, e um outro, na manhã desse dia, às 11H40, enviado para ele e para o DFL - sobre essa mesma investigação.

"Esta investigação ficou a meio"

Este mail da manhã de 19 de março vem do diretor regional de Lisboa e Vale do Tejo do SEF, o inspetor coordenador Paulo Torres, que é o quarto alto funcionário do SEF a saber da investigação e, a dar como verdadeiro o que Gatões sustenta, nada lhe dizer sobre elas.

Logo a 17 de março, às 12H33, a Direção Regional de Lisboa do SEF tinha recebido um mail de um inspetor da Brigada de Homicídios da PJ a solicitar a lista dos funcionários do SEF que estiveram em serviço no aeroporto de 10 a 12 de março e perguntar sobre a existência de videovigilância no centro de detenção.

A 19 de março, às 10H54, é enviado da PJ novo mail como o mesmo pedido, mas desta vez dirigido ao diretor regional e assinado pelo coordenador de investigação criminal da PJ. No assunto lê-se "Pedido de identificação de funcionários em serviço e de preservação e gravação de imagens de videovigilância", e no texto explica-se que o pedido é feito "no âmbito do processo com o NUIPC: 2863/20.4T9LSB, em que se investigam as circunstâncias de ocorrência do óbito de um indivíduo nas instalações do CIT do SEF ."

Cerca de uma hora depois, o diretor regional Paulo Torres envia um mail para a direção de Fronteiras de Lisboa contendo em apenso as listas de funcionários ao serviço naqueles três dias; às 16H48 Sérgio Henriques faz forward desse email, que contém também o pedido da PJ, para esta polícia, com, como já referido, conhecimento para Cristina Gatões, e também Ataíde e Amílcar Vicente, elencando a informação enviada e assegurando que as imagens de videovigilância "estão guardadas e ao seu dispor".

Sete dias depois, a 26 de março, a PJ, que já tinha chamado para depor os enfermeiros da Cruz Vermelha e do INEM que tinham socorrido Ihor, assim como o médico que certificou o óbito, mais os seguranças da Prestibel, começa a ouvir os inspetores do SEF que contactaram com o cidadão ucraniano.

Fica pois claro que desde o início da investigação da PJ havia pelo menos quatro altos funcionários do SEF, três dos quais na dependência direta da direção nacional, a saber que a morte de Ihor estava a ser tratada como homicídio.

E que antes de a notícia chegar aos media já havia inquirições de inspetores e de pessoal ao serviço do SEF - os seguranças da Prestibel - sendo assim pouco provável que aquilo a que Gatões apelida no seu depoimento à IGAI de "rádio alcatifa" não fizesse circular essa informação. Poderia Gatões nada ter sabido até dia 30, como sustenta?

"As condutas são tão imbricadas e confusas (com versões de facto incompatíveis entre si), que não é fácil pensar em enquadramentos criminais para elas", comenta o penalista Paulo Saragoça da Matta. "Antes de mais cabia assentar que concretos factos ocorreram, e a partir daí enquadrar juridicamente os comportamentos nos tipos. Dadas as aparentes "mentiras" de vários dos atores desta farsa, o mínimo que se pode dizer é que haverá possíveis abusos de poder, prevaricação, denegação de justiça e eventuais "acobertamentos" dos factos já julgados (o que hoje em dia constituiria cumplicidade nesses mesmos factos)!"

"Esta investigação ficou a meio", conclui um dos procuradores que aceitaram falar ao DN sobre o caso. Outro magistrado considera que as atuações descritas de Gatões e Henriques "devem ser investigadas separadamente" do inquérito que ainda está em curso, relacionado com a morte e possíveis outros responsáveis que direta ou indiretamente contribuíram para ela. "Embora haja alguns pontos de ligação, um inquérito podia acabar por retardar o outro, porque são diligências distintas."

O DN contactou o DIAP de Lisboa, dirigido pela procuradora-geral adjunta Fernanda Pego, para saber se os eventuais crimes de que se dá conta neste artigo do DN estão a ser já investigados ou podem vir a sê-lo, já que boa parte destes indícios só foram revelados recentemente no âmbito dos processos disciplinares da IGAI. O DIAP remeteu para o Gabinete da Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, que, apesar da insistência do jornal, não respondeu.

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