Derrapagem no Hospital de Belém. Acusado ex-diretor-geral do Ministério da Defesa
O MP considerou o desvio, em mais do triplo, no custo das obras do antigo Hospital Militar de Belém matéria de "responsabilidade financeira" imputável ao ex-diretor-geral de recursos de defesa nacional e quer que seja julgado no Tribunal de Contas
O Ministério Público (MP), junto ao Tribunal de Contas (TdC), deduziu acusação contra o antigo diretor-geral de Recursos de Defesa Nacional, imputando-lhe responsabilidade financeira pela derrapagem em mais de dois milhões de euros nas obras do antigo Hospital Militar de Belém (HMB), transformado, em 2020, no Centro de Apoio Militar Covid-19.
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O MP alega que este responsável não informou devidamente o ministro, que teria de autorizar a despesa. Em vez dos 750 mil euros que foram inicialmente avançados pelo Ministério da Defesa Nacional (MDN), acabaram por ser gastos 3,2 milhões (com IVA). mais do triplo do previsto.
"O Ministério Público desencadeou um procedimento de efetivação de responsabilidade financeira", confirmou fonte oficial o TdC ao DN.
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Esta decisão surge na sequência de uma auditoria às despesas da empreitada, noticiada pela TSF, realizada pela Inspeção-Geral da Defesa Nacional (IGDN) e que foi remetida aquele organismo pelo ex-ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, em março de 2021, na qual foram identificadas irregularidades nos procedimentos de aprovação das despesas.
"Os atos e procedimentos administrativos e financeiros auditados denotam inconformidades legais", principalmente devido à "falta de evidência do pedido expresso à tutela para autorizar a despesa (...) e consequente ausência de competência por parte do Diretor-geral da DGRDN para autorizar a despesa, escolher as entidades a convidar, aprovar as peças do procedimento e decidir a adjudicação", concluiu a auditoria.
Mas Cravinho relativizou
O diretor em causa era Alberto Coelho, presidente do Conselho de Jurisdição do CDS, um dos mais antigos quadros superiores do MDN a quem Cravinho não poupou elogios quando foi inquirido no parlamento sobre o desvio, que relativizou, questionando se era mesmo uma derrapagem.
Ao mesmo tempo que anunciou que não iria renovar a comissão de serviço a este diretor-geral (naquele cargo desde 2015), o governante reiterou que se tratava de uma "pessoa extremamente qualificada e capaz" e "prestou enormes contributos ao ministério, que lhe estará sempre grato".
Cravinho remetia para o Tribunal de Contas a avaliação de "eventuais irregularidades, mas antes de saber esse resultado (que só veio agora), o então ministro deu uma prova de confiança e nomeou Alberto Coelho para Presidente do Conselho de Administração da ETI (EMPORDEF - Tecnologias de Informação, S.A), uma empresa do universo da holdind IdD Portugal Defence (Indústrias de Defesa), detidas pelo Estado, onde se encontra ainda atualmente - uma iniciativa que o PSD, na altura, considerou "precipitada e imprudente".
A auditoria, que o Ministério queria manter classificada, foi desencadeada por pressão do ex-secretário de Estado Adjunto da Defesa, Jorge Seguro Sanches, que elencou um vasto conjunto de procedimentos sobre a empreitada que lhe suscitavam suspeitas, "questões não esclarecidas, "informação incompleta", dando nota da dificuldade em obter informações do então diretor da DGRN.
"Avançar a todo o gás"
Contactado pelo DN Alberto Coelho não quis prestar declarações. No contraditório pedido pela Inspeção-Geral, Alberto Coelho nota que informou o ministro numa apresentação presencial sobre o início do procedimento e autorização para a realização de despesa, tendo recebido permissão da parte do ministro que num despacho de 20 de março de 2020 dava indicação para "avançar a todo o gás".
Mas a Inspeção entendeu que tinha de haver um pedido formal de autorização de despesa e que "o avançar a todo o gás" presente no despacho era "uma mera orientação, não contendo as autorizações e as delegações de competências alegadas" pela DGRDN".
Na sua defesa, o antigo diretor-geral considera parcial a intervenção da Inspeção-Geral, que não ouviu nem Cravinho, nem Seguro Sanches, responsável pela secretaria-geral do MDN, nem o Exército que ficou com a coordenação da empreitada.
De acordo com um memorando interno, noticiado já pelo DN, quando assumiu essa gestão o Exército solicitou logo à partida "trabalhos extra" no valor de "cerca de 420 mil euros: na rede elétrica; equipamentos de climatização; estores; gás e águas sanitárias; quatro elevadores".
Depois foram ainda somados mais 470 mil euros em "trabalhos adicionais", com a reabilitação de mais um piso, para reuniões, armazém e farmácia, segurança privada, a reativação da morgue e "alimentação com serviço de nutricionista".
Ao todo houve, logo em março, estavam as obras a começar, um desvio de mais 890 mil euros em relação aos 750 mil indicados.
No entanto, confrontados com estas informações de um documento oficial, tanto o ministro como Seguro Sanches negam ter permitido os "extra" citados.
"Não foram autorizados nem tão-pouco propostos ao governo trabalhos extra do Exército", disse o gabinete de Gomes Cravinho.
"Nunca foi autorizada nem proposta nenhuma despesa extra acima dos 750 mil euros. Não é verdade o que está neste documento. O Exército nem sequer tutela a DGRDN, que nunca podia ter autorizado esta despesa", garantiu o secretário de Estado da Defesa.
Alberto Coelho, o único acusado neste processo, alega que durante as três semanas em que a obra se realizou a contrarrelógio houve omissões por parte de responsáveis diretamente envolvidos, que agora o MP não inquiriu.
Gastos os 3,2 milhões de euros, o CAM foi desativado passado um ano, mas em dezembro passado foi transformado num centro de acolhimento para 133 refugiados do Afeganistão.
O destino deste antigo hospital, criado em 1890 e antes denominado Hospital Militar de Doenças Infetocontagiosas, uma unidade pioneira do país neste campo, seria ser transformado numa unidade de cuidados de saúde continuados em parceria com a Câmara Municipal e Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
No entanto, conforme o DN noticiou, o governo decidiu retirar o HMB da lista de imóveis da Defesa a "rentabilizar e entregar a sua tutela ao Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA).
O gabinete do CEMGFA prometeu um estudo para identificar "possíveis linhas de ação para conferir utilidade funcional ao antigo HMB no âmbito da saúde militar", com conclusões até ao final do ano passado, mas nada foi conhecido publicamente até agora.
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