Reunião no Infarmed. Poucos dados para analisar, pedidos de reforço do SNS e críticas a "farsa política"
Na primeira avaliação conjunta com especialistas de saúde pública, no Infarmed, sobre os efeitos do desconfinamento na progressão da pandemia, Marcelo Rebelo de Sousa voltou a manifestar-se otimista, mas ressalvou que só em junho é que poderão existir mais certezas e dados mais concretos para analisar.
"O R [taxa que mede quantas pessoas cada infetado contagia] não mudou muito", garantiu o Presidente, "à semelhança do que aconteceu noutros países da Europa que começaram mais cedo a abertura das atividades económicas". Mas Marcelo reconheceu, logo a seguir, que "o desconfinamento em Portugal, começado a 3 de maio, foi muito contido", porque os "portugueses foram sensíveis ao que lhes foi pedido, de fazerem a abertura com pequenos passos". Pelo que, concluiu: "Não temos dados que nos permitam retirar conclusões firmes".
Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que há duas datas essenciais para confirmar a tendência positiva da evolução da pandemia de covid-19 em Portugal, que são as de 18 de maio - em que abrem as creches e escolas para alunos do 11.º e 12.º ano , restaurantes e comércio de maior porte - e a de 1 de junho - em que abrem as superfícies comerciais e haverá um regresso mais massificado ao trabalho. Pelo que só em junho, na primeira semana e depois na terceira, os especialistas já possam ter uma visão mais completa sobre os efeitos deste desconfinamento por etapas.
Contudo, Marcelo voltou a sublinhar os dados que apontam a "tendência" de diminuição dos casos de internamento, de internamento em cuidados intensivos e dos óbitos - veja aqui o que mostram os dados relativos às últimas 24 horas. Para concluir que "tem havido comunicação muito boa entre entidades sanitárias e os portugueses", a quem voltou a atribuir a nota de "comportamento exemplar" nesta terceira fase da pandemia.
Marcelo, ainda antes de ter sido emitida uma nota da Presidência da República sobre o assunto, escusou-se a responder às perguntas dos jornalistas sobre a crise entre o primeiro-ministro e o ministro das Finanças por causa da injeção de capital no Novo Banco. Tema que foi alvo de censura por parte de dois líderes partidários, o do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, e do Chega, André Ventura.
Nesta reunião com os especialistas de saúde pública estiveram novamente presentes líderes partidários e representantes dos partidos. Pelo PS, o secretário-geral adjunto José Luís Carneiro disse que os dados disponibilizados na reunião "não permitem olhar para esta tendência como consolidada", mas "ilustram um nível de confiança em relação ao desconfinamento", porque "são positivos".
O responsável socialista reiterou que só no mês de junho será possível avaliar as consequências do desconfinamento na evolução da pandemia. E voltou a lançar um apelo: "Vamos conviver com a pandemia vários meses, o que exige um comportamento individual e coletivo da maior responsabilidade". Que será maior, admitiu, no outuno e inverno.
O deputado do PSD Ricardo Batista Leite começou por se dirigir aos pais que estão numa situação de "ansiedade" perante o regresso dos filhos às creches e ao ensino secundário, manifestando a abertura do Parlamento para receber as suas dúvidas. Admitiu que o facto do R [taxa de contágio] estar em muitas zonas país próximo do 1% nos coloca no "fio da navalha", em que "a atitude e a responsabilidade dos portugueses vão ser criticas para sair desta situação".
Lembrou ainda as debilidades do Serviço Nacional de Saúde para pedir um reforço de meios, além de um investimento que "é preciso ser feito para o próximo inverno", que é o da vacinação da gripe. E afirmou que Portugal, ao contrário de outros países, ainda não começou o procedimento concursal para adquirir a vacina.
Pelo Bloco de Esquerda falou o deputado Moisés Ferreira, que voltou a admitir que ainda é cedo para perceber o impacto das medidas de desconfinamento. "Mas olhando os indicadores é possível perceber que do ponto de vista epidémico a covid-19 está controlada em Portugal".
Moisés Ferreira insistiu nas medidas necessárias nesta fase, sobretudo na proteção de pessoas especialmente vulneráveis e o reforço do SNS. Sobre as primeiras, frisou que devem ficar dispensadas de se apresentarem no trabalho sem perderem rendimentos por isso. Aos mais desfavorecidos, é importante garantir, disse, que tenham bens essenciais, habitação e que sejam garantidas as prestações sociais. O deputado frisou que dos dados disponibilizados na reunião do Infarmed ficou claro que há 20% da população que não tem dinheiro para adquirir máscaras porque são caras. Defendeu, por isso, que o preço seja tabelado e se concretizem iniciativas de distribuição deste equipamento à população.
Sobre o reforço do SNS, Moisés Ferreira insistiu que é preciso um orçamento suplementar para o SNS, porque todos os gastos e investimentos que foram feitos no combate ao covid-19 não devem sair das verbas do Orçamento do Estado para 2020 previstas para o setor.
O líder do PCP voltou à nota positiva do desconfinamento, mas sublinhou também a necessidade de um reforço do SNS, tanto a nível orçamental como de profissionais.
Jerónimo de Sousa alertou também para os graves problemas económicos e sociais, que classificou de "dramáticos" e com "consequências imprevisíveis" que podem pôr em causa a saúde e a sobrevivência de muitos portugueses. "Há centenas de milhares de trabalhadores e de pequenos e médios empresários que precisam de uma resposta". E acrescentou: "Que não se acrescente ao drama do vírus o drama social".
Apelou ainda ao reforço das medidas de higiene e de segurança nos locais de trabalho e nos transportes públicos.
O líder do CDS considerou que a "evolução da situação revela estabilidade", mas apelou a que se mantenha o foco e se protejam os mais vulneráveis. Francisco Rodrigues dos Santos aproveitou aquele palco para censurar fortemente Presidente da República, primeiro-ministro e ministro das Finanças pelo "fait-divers" político que deixou as necessidades dos portugueses em suspenso". Numa alusão ao diferendo entre António Costa e Mário Centeno sobre a injeção de dinheiro no Novo Banco e, posteriormente, o apoio do líder do governo a uma recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa a Belém. "Uma novela que devia fazer corar de vergonha quem mergulhou o país nesta discussão", disse, "quando há portugueses a perderem rendimento e a passar fome e muitos tiveram de fechar negócios".
Francisco Rodrigues dos Santos partiu da crítica para as propostas do CDS para responder à crise económica e social com que o país se confronta. Anunciou que o CDS apresentará no Parlamento um plano de reforço das verbas para o setor social, em que uma das propostas é a de as instituições serem reembolsadas pelos impostos pagos em eletricidade. O líder centrista defendeu também um plano extraordinário de recuperação das listas de espera nos hospitais.
Instou também o governo a pagar que deve aos portugueses, seja na devolução rápida do IRS, seja no desconto pelas empresas das dívidas do Estado nos impostos a liquidar
O deputado do Chega foi o único que saiu da nota de otimismo dos restantes partidos sobre a evolução da pandemia e os efeitos do desconfinamento. André Ventura começou pelos efeitos económicos, com "40% dos portugueses a perderem parcial ou totalmente os seus rendimentos". "Não estamos em situação de segurança ou confiança", assegurou, já que estamos numa situação que nos coloca "num dos piores cenários da Europa Ocidental".
Afirmou também que a calendarização do desconfinamento, em três fases de 15 dias, foi mal pensada quando se salta de uma etapa para a outra sem a análise segura dos seus feitos. "Vamos dar um salto grande sem segurança dos dados". Criticou o facto de, por exemplo, se ir retomar a I Liga de futebol e a Festa do Avante! sem pensar nos surtos que podem acontecer posteriormente e apelou a que se repensem os calendários do desconfinamento.
E, por fim, também criticou fortemente a "farsa" com as eleições presidenciais, que Marcelo Rebelo de Sousa não se demarcou, desencadeada por António Costa.