Turismo. Donos de AL resistem ao "Renda Segura" com medo de perder licença
Maioria dos alojamentos locais estão nas zonas de contenção e isso leva a que os proprietários receiem não reaver a licença. Contratos com a Câmara de Lisboa são de cinco anos e isso é considerado muito tempo.
Passaram cerca de dois meses e meio desde o lançamento do Programa Renda Segura pela Câmara de Lisboa e é já um dado adquirido que os proprietários do alojamento local vão aderir timidamente porque receiam não poder regressar ao setor do turismo. Acreditam que a quebra brutal no turismo provocada pela pandemia de covid-19 não durará sempre e que, provavelmente na Páscoa de 2021, o mais tardar verão, o setor recomeçará a respirar.
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Ao incluí-los no programa, a autarquia argumenta com um rendimento "atrativo e seguro", "sem riscos", mas os proprietários de AL consideram o plano pouco atrativo, a começar pelo facto de ficarem cinco ano presos a um contrato ou o facto de perderem a licença de AL - uma vez que a maior parte dos alojamentos se situam em zonas de contenção, temem não voltar a conseguir reavê-la.
Job Furtado, gestor da Rent2You, que trabalha com cerca de 50 alojamentos na capital, responde com uma pergunta à tímida adesão dos proprietários de AL (cerca de 25% das candidaturas) ao programa municipal que arrenda casas a privados para as subarrendar a preços acessíveis: "O que é que o programa tem de interessante, que rentabilidade é que traz?"
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Para quem está com as casas vazias, com reservas sucessivas canceladas desde que foi declarada a pandemia, receber, no máximo, 450 euros por um T0, 600 euros por um T1, 800 euros por um T2, 900 euros por um T3 e 1 000 euros por um T4 até parece um bom negócio. Mas não é isso que entendem os proprietários das chamadas casas do Airbnb. Preferem acreditar que virão aí melhores dias ou optar por outras soluções, como a locação de curta duração.
Num país em que turismo representa um em cada cinco empregos e 16,5% do produto interno bruto, a pandemia fez muita mossa. Em todo o planeta, os governos avançaram com o desconfinamento, mas são poucos a arriscar férias para fora do seu país - o resultado é que os aviões estão em terra, e as economias debilitadas, sobretudo aquelas que, como a portuguesa, tanto dependem do turismo. Acresce ainda o facto de o Reino Unido manter Portugal na lista negra dos destinos inseguros.
O caso já é notícia lá fora
Lisboa - eleita no ano passado o melhor destino de férias da Europa pelo World Travel Awards - sente bem a falta dos turistas e até nos bairros típicos já se lamenta a ausência daqueles que eram considerados invasores e que cuja procura foi responsável pela explosão do alojamento local - o assunto e o facto de os proprietários de AL resistirem ao programa da câmara liderada pelo socialista Fernando Medina foi esta semana tema de um artigo da Bloomberg. Que publica um mapa da capital com uma caracterização curiosa de algumas zonas: o Parque das Nações surge como a zona que antes era lixo e se transformou numa zona bem planeada, Alvalade como o local das famílias ricas, o Príncipe Real dos "estrangeiros ricos", Marvila como "trendy nos próximos anos", ou Alfama como a "terra do Airbnb".

A forma como a Bloomberg vê os bairros de Lisboa.
© DR
Não quer isto dizer que os proprietários de AL estejam contra o programa que custará cerca de quatro milhões de euros anuais à autarquia e que consiste no subarrendamento de casas a preços mais baixos através do Programa de Renda Acessível. Os proprietários interessados em arrendar os seus imóveis à Câmara Municipal de Lisboa irão beneficiar de isenções fiscais - além disso terão a opção de receber uma renda mensal ou anual, num máximo de três. Um investimento seguro e sem riscos, face à conjuntura atual, sublinha a autarquia.
Mas por que razão o programa não atraia os donos das casas inscritas nas plataformas?
Eduardo Miranda, presidente da ALEP - Associação do Alojamento Local em Portugal, considera que o Programa Renda Segura é apenas uma alternativa entre outras pelas quais o AL pode optar para fazer face à crise trazida pela pandemia - neste momento, a taxa de ocupação dos cerca de 20 mil alojamentos de Lisboa não vai além dos 15%, diz. A taxa sobe a nível nacional, nas 94 mil casas disponíveis no mercado, sobretudo devido às zonas de praia onde ronda os 30/40 por cento contra os habituais 90%.
"O arrendamento não traz emprego, traz uma solução para a habitação"
"Não estamos a aconselhar esta alternativa que resolve apenas os problemas de alguns segmentos", afirma Eduardo Miranda, sublinhando que não abrangerá mais do que 3 a 5% de AL. "Resolve o problema de uma minoria e o nosso problema é de uma maioria. Se houvesse uma forte adesão, quando a situação do turismo estabilizar haveria um problema muito grande no emprego. O arrendamento não traz emprego, traz uma solução para a habitação. E o alojamento local produz milhares de empregos, desde os negócios, fornecedores, limpezas, lavandarias, as pessoas que fazem os check-in..."
Por isso, entende que o foco deve ser o acesso aos apoios, nomeadamente através do Turismo de Portugal. Ao mesmo tempo a ALEP está a trabalhar com o Governo no sentido de incluir os proprietários de AL nos subsídios da segurança social, uma vez que não descontando não puderam usufruir de apoios. "Precisamos de um balão de oxigénio, porque só na Páscoa do ano que vem poderemos ter algum sinal de normalidade."
Sendo o Programa Renda Segura "uma alternativa", o presidente da ALEP considera que a opção número um de todos é manter a sua vocação, ou seja, manter-se no setor turístico - sublinha aliás que 50% dos turistas que visitam Lisboa preferem o AL. No Porto cifra-se em 40% e outros 40% a nível nacional.

Entrevista Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP).
© Sara Matos/Global Imagens
O arrendamento de longa, ou mesmo de curta duração, é outra alternativa, mas a esse nível diz que "há bastante receio no arrendamento em geral e desconfiança nas regras do jogo dada a indefinição do mercado". E nesta equação entra igualmente o Programa Renda Segura da Câmara Municipal de Lisboa.
Acresce um contrato de cinco anos, que para muitos é demasiado longo. "Com todo este tempo, tem que ser uma decisão muito bem ponderada. Além disso, há a perda de licença de alojamento local e, situando-se a maioria dos imóveis em zonas de contenção, o proprietário pode nunca mais reavê-la", diz Eduardo Miranda.
Em novembro do ano passado, a câmara publicou no Diário da República o Regulamento Municipal do Alojamento Local de, no qual são estabelecidas áreas de contenção absoluta e áreas de contenção relativa. Integram a zona vermelha o Bairro Alto, Madragoa, Castelo, Alfama, Mouraria, Colina de Santana, Baixa e eixos Avenida da Liberdade, Avenida da República, Avenida Almirante Reis. Já nas áreas de contenção relativa, que limita os AL, estão a Graça e o Bairro da Colónias.
Sair do AL mas ganhar benefícios fiscais
O arrendamento dos imóveis ao município significa a migração do AL, explica a câmara de Lisboa no site acrescentando que, "na realidade, no município de Lisboa não há licença, mas mera comunicação de registo." Sobre esta questão, diz ainda que o Orçamento de Estado para o ano de 2020 estabelece o fim da tributação de mais-valias para todos os imóveis que transitem do Alojamento Local para arrendamento de longa duração, o que pressupõe o cancelamento do registo.

Fernando Medina, em Alfama, em 2018, na apresentação de medidas para conter alojamento local em Lisboa.
© Gerardo Santos/Global Imagens
Além da não tributação das mais-valias, quer os proprietários de AL, quer os proprietários de imóveis tradicionais, beneficiam de isenção de tributação em sede de IRS, IRC e do pagamento de IMI. A estas vantagens elencadas pela câmara, que faz questão de sublinhar que se trata de "um rendimento atrativo e seguro, porque sem risco", acresce a garantia de devolução dos imóveis no final do prazo do contrato em condições idênticas à da situação inicial e a possibilidade de liquidez imediata, com antecipação do pagamento das rendas.
Job Furtado, gestor da Rent2You, admite que embora as rendas propostas pela câmara não sejam muito rentáveis, pode ser considerado um rendimento seguro, para os proprietários que já tenham a casa paga. Mas argumenta igualmente com o problema da licença e dos cinco anos que dura o contrato: "Como a maioria está as zonas de contenção, os proprietários desistem do registo e não podem voltar a colocá-lo."
Das cerca de meia centena de AL que gere, cerca de 80% estão nas zonas de contenção.
Aluguer de curta duração atrai estudantes
Por isso, para os proprietários que ainda estão a pagar o imóvel ao banco, considera que pode ganhar mais com outras alternativas, nomeadamente a locação de curta duração. A empresa está a sensibilizar os proprietários para o alojamento de média duração, no máximo de 12 meses, podendo assim manter o registo, ao mesmo tempo que evitam o desgaste das casas.
A procura está a ser boa, garante. Estudantes universitários que estão no último ano ou a fazer mestrados ou quadros de empresas que vivem por curtos períodos de tempo no nosso país são quem mais procura. "Com os preços mas baixos podem arrendar agora um T2 em zonas como o Príncipe Real, Chiado, Rato, por 1000 euros sem terem que fazer contrato de água, luz ou gás, quando antes viviam em quartos onde pagavam cerca de 400 euros."
Job Furtado diz que estão a fazer contratos até ao verão do ano que vem, numa expectativa de que o mercado de AL recupere e os turistas voltem. "Há de haver um registo que será o novo normal e que compensa muito mais que este tipo de programa", afirma.
O primeiro concurso do Renda Segura terminou no início deste mês de julho. Segundo a autarquia, registaram-se 338 entradas na plataforma, com registos de 188 proprietários, dando origem a 177 candidaturas concluídas para arrendamento. Das 177 casas a alugar pela autarquia, 45 são provenientes do Alojamento Local e 83 são casas mobiladas.

Imagens como esta são agora raras nos bairros típicos de Lisboa.
© Orlando Almeida/Global Imagens
Foram apresentadas candidaturas de imóveis em todas as 24 freguesias da cidade, com especial incidência em Santa Maria Maior (21 imóveis), São Vicente (21), Ajuda (13) e Arroios, Beato e Penha de França (10 cada freguesia). A divisão por tipologia foi a seguinte: 15 T0; 42 T1; 72 T2; 36 T3; 11 T4; 01 T5. O valor médio da renda solicitada à CML foi de 723 euros.
Das 177 casas propostas à CML já foi feita a vistoria a 78 e estão agendadas mais 45. Depois da negociação de renda, que já foi feita com mais de 60 proprietários, a próxima fase é a conclusão dos contratos com os proprietários para colocar estes fogos no próximo programa de Renda Acessível.