A epidemia que começou na China e está a espalhar-se da Coreia do Sul à Itália
A Itália isolou onze locais públicos, pôs em quarentena cerca de 50 mil habitantes e cancelou o emblemático Carnaval de Veneza, desiludindo milhares de turistas. Na Europa, é o maior foco de coronavírus, a epidemia das incertezas que surgiu na província chinesa de Wuhan. No mundo, está em quarto lugar, superada apenas pela China, pelo Japão e pela Coreia do Sul. E foi da cidade italiana de Milão que chegou a última suspeita de covid-19 a Portugal, na noite deste domingo.
Desde que foi detetado no final do ano passado, o surto já provocou 2468 mortos e 78 971 infetados em mais de 30 países. Nos últimos dias, o número de mortes e de contagiados não tem aumentado tanto, mas, por outro lado, foram identificados casos sem ligação epidemiológica clara. "O que está a acontecer na Itália tem de ser visto com bastante atenção e preocupação, porque começam a surgir casos de transmissão com perda da ligação epidemiológica, ou seja, são casos em que não se consegue perceber quais os doentes com que estiveram em contacto ou o sítio onde contraíram a doença", diz ao DN o pneumologista Filipe Froes, porta-voz da Ordem dos Médicos para o tema do coronavírus.
Uma doente oncológica internada e dois idosos são as vitimas mortais italianas do novo coronavírus. Os três nas últimas 48 horas, quando o país começou a multiplicar o registo de casos. Os últimos dados apontam ainda para 155 pessoas infetadas pelo surto, posicionando Itália como o país europeu com mais casos de infeção pelo novo coronavírus e o quarto no mundo.
Para já, o covid-19 está circunscrito a quatro regiões do norte do país: Lombardia, Veneto, Emilia Romanha, Piemonte e Lazio, mas toda a Itália está em estado de alerta. Na rua, há placards que aconselham as pessoas a permanecer em casa, encerraram lojas, escolas, empresas, bares, monumentos, foram adiados três jogos de futebol, cancelado o Carnaval de Veneza, restringidas as entradas para a Semana da Moda de Milão e há mais de 50 mil pessoas em quarentena.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) não deu entretanto qualquer indicação para serem restringidas viagens para a Itália e mantém as mesmas recomendações, que passam por seguir o plano das autoridades italianas. Apesar disto, enviou uma equipa de profissionais de saúde para o país "para trabalharem em conjunto e conhecerem mais informações sobre a propagação do vírus", explicou, no Twitter, o responsável da OMS na Europa, Hans Kluge.
O governo italiano declarou o estado de emergência a 31 de janeiro e nomeou o responsável pela proteção civil, Angelo Borrelli, como comissário especial para a emergência, que neste momento tem como principal preocupação a determinação do paciente zero, o primeiro caso em território italiano, para que possam traçar o historial da propagação.
À medida que os dias passam aumenta o volume de trabalho que não foi feito na China. Os cidadãos estão em casa, há escritórios e fábricas desertos e a economia mundial começa a ressentir-se. Existem empresas que só têm dinheiro para pagar mais um salário aos trabalhadores. Estão a sufocar e se os bancos não começarem a libertar fundos para empréstimos, muitas correm o risco de fechar portas, num país onde a iniciativa privada emprega cerca de 80% das pessoas. "Se a China não conseguir conter o vírus neste primeiro trimestre, acredito que um número elevado de pequenos negócios vá abaixo", afirmou Lv Changshun, um analista da consultora chinesa Zhonghe Yingtai, citado pela Bloomberg.
O prejuízo económico da China também mereceu a preocupação da diretora-geral do Fundo Monetário Internacional. No discurso de encerramento da reunião dos ministros das Finanças e de governadores de bancos centrais do G20, que decorreu no fim de semana em Riade, na Arábia Saudita. Kristalina Georgieva sublinhou a importância de ajudar financeiramente a China a recuperar. "Acima de tudo, o covid-19 é uma tragédia humana, mas também tem impacto económico negativo. Relatei ao G20 que, mesmo no caso de rápida contenção do vírus, o crescimento na China e no resto do mundo seria afetado. Obviamente que todos esperamos uma recuperação rápida, mas, dada a incerteza, seria prudente prepararmo-nos para cenários mais adversos", advertiu Kristalina Georgieva.
Para o presidente da China, esta já é a maior emergência de saúde desde a fundação do regime comunista, em 1949, sendo certo que o país já tinha sido o ponto de partida da epidemia da síndrome respiratória aguda grave (SARS), em 2002 e 2003, que vitimou 650 pessoas em território chinês. Xi Jiping admitiu, em declarações transmitidas pela televisão estatal, "lacunas" na resposta ao coronavírus, que considera estar a ser "muito difícil de prevenir e de controlar".
99% dos casos de covid-19 encontram-se na China, onde já morreram mais de duas mil pessoas e há outras 77 mil infetadas.
O Japão é o segundo país no mundo com mais casos de coronavírus. Estão infetadas 769 pessoas, destas mais de 600 encontram-se a bordo do cruzeiro Diamond Princess, ancorado no porto de Yokohama, a sul de Tóquio, onde estão cinco portugueses, um deles infetado. Adriano Maranhão, 41 anos, um canalizador da Nazaré que trabalha há cinco anos para a empresa, é o primeiro português que se sabe estar infetado com o vírus.
Apesar de os cidadãos no navio estarem em isolamento desde o início do mês, o português só fez o teste do covid-19 há três dias. Acusou positivo, embora não apresente sintomas coincidentes com os do surto (febre, dificuldades respiratórias, tosse), e permanece fechado na sua cabina à espera de ser transferido para um hospital, no Japão, o que pode vir a acontecer só na próxima terça-feira. As autoridades portugueses garantem estar a acompanhar o caso, mas Adriano Maranhão desespera. "Não tenho tido a resposta mais rápida que esperava das autoridades portuguesas. Só quero que isto se apresse o mais depressa possível para ser hospitalizado e começar a ser tratado", disse neste domingo ao DN.
No navio, já morreram três pessoas, todas idosas e com problemas de saúde.
A Turquia, o Paquistão, o Afeganistão, o Iraque e o Kuwait fecharam as fronteiras com o Irão e proibiram a entrada de cidadãos iranianos nos seus territórios. Alarmados pelas 43 pessoas infetadas e pelas oito mortes que ocorreram no país, optaram por estreitar o contacto com os vizinhos.
Encerraram "temporariamente" estradas, caminhos-de-ferro, cancelaram voos. Mas não foram apenas os países à volta. A Jordânia, por exemplo, proibiu a entrada no país a qualquer cidadão não jordano proveniente da China, do Irão ou da Coreia do Sul, os três países com mais casos mortais provocados pelo novo vírus. Também o Kuwait, a Arábia Saudita e o Bahrein tomaram precauções.
O Ministério da Saúde do Irão encerrou escolas, universidades, cinemas, teatros e outros locais em 14 das 31 províncias do país. As autoridades municipais ordenaram ainda a suspensão do funcionamento de fontes de água, o encerramento de bancas de venda de doces, os transportes públicos passaram a ser alvo de medidas de higienização diárias e há pessoas em quarentena: 180 alunos que estiveram em contacto com turistas sul-coreanos (alguns infetados pelo covid-19).
"O problema do covid-19 atingiu um ponto de inflexão", anunciou o presidente sul-coreano, Moon Jae-in. O governo subiu o alerta por doenças contagiosas para o nível "vermelho", o máximo da escala, devido ao aumento de contágios do coronavírus, que já infetou 602 pessoas e matou seis no país asiático. O executivo decidiu ativar o protocolo depois de o número de contágios ter-se multiplicado por 17 nos últimos cinco dias, especialmente em torno da cidade de Daegu, no sudeste do país.
Vários países cancelaram ou restringiram ligações áreas com o país, nomeadamente Macau. A Coreia do Sul é considerada uma das zona de alta incidência do covid-19 e, por isso, as pessoas que entrem Macau e que tenham estado na Coreia do Sul nos últimos 14 dias, antes da sua chegada, serão sujeitas a exames médicos indispensáveis exigidos pelos serviços de saúde.
O surto no Irão começou num encontro religioso da Igreja de Jesus Shincheonji, em Danegu, onde os fiéis terão estado sentados no chão, muito próximos uns dos outros, de acordo com o The New York Times. Na cerimónia estaria uma mulher de 61 anos, considerada a paciente zero do país, sendo certo que não estaria permitida a utilização de máscaras e estar doente não seria aceite como argumento para faltar ao dever de ir à igreja, na ótica destes religiosos.