A China mostrou músculo e capacidade de inovar ao mundo durante a realização do seu maior desfile militar de sempre para marcar o 80.º aniversário da vitória no que chama de “Guerra de Resistência do Povo Chinês contra a Agressão Japonesa e na Guerra Antifascista Mundial”. A tríade nuclear, constituída por mísseis estratégicos lançados do ar, do mar e da terra, foi exibida pela primeira vez e foram postas a descoberto novas armas e equipamentos, como um laser ou um míssil balístico com 20 mil quilómetros de alcance. No seu discurso, o presidente Xi Jinping mostrou não estar somente à frente de um dos maiores países do mundo, mas também de ambicionar tomar as rédeas de um grupo de países que preferem a estabilidade, um conjunto de regras e as trocas comerciais a um bloco ocidental cujos princípios estão em choque com a presidência da sua maior potência. Tendo na tribuna mais de 20 chefes de Estado e de governo além do russo Vladimir Putin e do norte-coreano Kim Jong-un, como por exemplo o iraniano Pezeshkian, o indonésio Subianto ou o eslovaco Robert Fico, Xi deu o pontapé de saída das comemorações ao proceder à revista das tropas enquanto seguia de pé numa limusina ao longo da avenida Chang’an (“Paz Eterna”), ao som de música militar tocada por uma banda de mil instrumentistas. Seguiu-se uma salva de 80 tiros de canhão comemorativos e, com o cenário a incluir estruturas a imitar a Grande Muralha com as datas 1945 e 2025 no topo, o presidente chinês começou por lembrar os sacrifícios do passado. “O povo chinês levantou-se para combater um inimigo poderoso com determinação de ferro, formando uma grande muralha com a sua carne e o seu sangue para defender a nação e alcançar a primeira vitória completa na resistência a uma agressão estrangeira dos tempos modernos”, disse, antes de se referir ao papel do seu país no presente e no futuro. “Camaradas e amigos, a nação chinesa nunca se intimida perante qualquer agressor. Hoje, a humanidade, mais uma vez, deve escolher entre a paz e a guerra, o diálogo e o confronto, a cooperação mutuamente benéfica e o jogo de soma zero.” . Tomando de empréstimo uma expressão repetida vezes sem conta por Moscovo a propósito da guerra na Ucrânia, instou os países a “eliminarem as causas profundas da guerra” e desse modo “impedirem que tragédias históricas se repitam”. Mas para que não restem dúvidas sobre a resolução e assertividade do seu país, disse que “o povo chinês é um povo que não tem medo da violência, é autossuficiente e forte”. Ao concluir o discurso, declarou: “O rejuvenescimento do povo chinês é imparável, e o nobre objetivo do desenvolvimento pacífico da civilização humana deve triunfar.”Em Washington, Donald Trump, que diz ter boas relações pessoais com Xi, Putin e Kim, reagiu ao discurso e ao desfile de mais de 10 mil soldados e uma profusão de armamento na sua rede social. “Que o presidente Xi e o maravilhoso povo da China tenham um dia de celebração grandioso e duradouro. Por favor, transmita os meus mais calorosos cumprimentos a Vladimir Putin e Kim Jong -un, enquanto conspiram contra os Estados Unidos da América.”Em Bruxelas, a chefe da diplomacia europeia não alertou para conspirações mas para “um desafio direto ao sistema internacional baseado em regras” ao ver os líderes da China, Rússia e Coreia do Norte lado a lado. “Não é apenas simbólico. A guerra da Rússia na Ucrânia está a ser sustentada pelo apoio chinês”, disse Kaja Kallas. Transplantes e imortalidadeComo seria de esperar, nada foi deixado ao acaso na coreografia militar e Xi Jinping, no final, enquanto presidente da Comissão Militar Central, assinou um despacho a elogiar todo o pessoal que participou no evento. O texto sublinhou que as tropas presentes realizaram um “evento espetacular que transmitiu o espírito forjado na guerra de resistência, incorporou as características da época, mostrou a postura de um grande país e exibiu a força de um exército poderoso”. Mas foi exibido - ou antes, ouvido, graças ao microfone ligado do canal estatal CCTV, cujo sinal foi retransmitido para agências noticiosas estrangeiras - mais do que o líder gostaria. . Ao caminhar em direção à tribuna onde iria assistir ao desfile, Xi, ladeado de Putin e de Kim, e à frente dos restantes convidados, conversou com o russo sobre o envelhecimento. “Antigamente, as pessoas raramente viviam até os 70 anos, mas hoje em dia, aos 70, ainda se é uma criança”, disse Xi a Putin, ambos com 72. “A biotecnologia está em constante desenvolvimento”, respondeu o russo, segundo o que o tradutor disse em mandarim. Pouco depois continuou: “Os órgãos humanos podem ser transplantados continuamente. Quanto mais se vive, mais jovem se fica e é possível até alcançar a imortalidade.” Ao que Xi respondeu: “Há quem preveja que os humanos possam viver até aos 150 anos neste século.”Em 2018, o regime chinês acabou com a limitação de dois mandatos na presidência. Em 2023 Xi Jinping iniciou um terceiro mandato presidencial de cinco anos, tornando-se no líder chinês mais longevo nos tempos modernos, sinal de uma acumulação de poder sem precedentes que o poderá levar a perpetuar-se nos mais altos cargos. Na Rússia, depois de ter trocado de cargos com Dmitri Medvedev (presidência e chefia de governo), Vladimir Putin viu a Constituição ser moldada à sua vontade em 2021. Desta forma pode apresentar-se ao eleitorado e manter-se no Kremlin até 2036, ou seja, aos 84 anos.O dia ficou ainda marcado por um encontro entre Putin e Kim. Ao fim de duas horas e meia de reunião, o líder norte-coreano comprometeu-se em continuar a ajudar a Rússia em “tudo o que necessite” na guerra da Ucrânia. Depois de terem morrido pelo menos 2 mil dos 15 mil soldados enviados por Pyongyang, a dinastia Kim prepara o envio de mais 6 mil para “combater o neonazismo moderno”, segundo palavras do presidente russo, ao agradecer o gesto da Coreia do Norte. .Novas armas e equipamentos chinesesMísseisEntre os novos mísseis revelados no desfile estava o Dongfeng-5C, ou DF-5C, um míssil nuclear estratégico intercontinental com “alcance global”, uma vez que pode percorrer mais de 20 mil quilómetros. Dongfeng significa “vento do oriente”. Pode ser lançado a partir de silos no norte da China e é capaz de lançar várias ogivas independentes contra um único alvo.. Foi também exibido um novo míssil balístico nuclear intercontinental, o DF-61. Terá capacidades hipersónicas e distingue-se por ser móvel.Os mísseis hipersónicos antinavio YJ (de yingji, o “ataque da águia”), 15, 17, 19 e 20, capazes de ultrapassar em cinco vezes a velocidade do som, também foram revelados.. Drones e novas tecnologiasLY-1 é um laser gigante capaz de queimar ou desativar equipamentos eletrónicos e que, ao serviço da Marinha, poderá inclusive derrubar mísseis antinavio.AJX-002 é um veículo subaquático não tripulado grande, com 20 metros de comprimento, para missões de vigilância e reconhecimento.GJ-11 é um drone de ataque furtivo, com a característica de poder acompanhar um avião de caça tripulado e auxiliá-lo nos seus ataques.Também foram mostrados os “lobos robóticos”, que podem ser usados para várias tarefas, desde reconhecimento e eliminação de minas até perseguir soldados inimigos.Veículos de combateTanque tipo 100, é um veículo da quarta geração, no qual a aposta é sobretudo na tecnologia e na capacidade de se defender das armas antitanque e dos drones.AviõesJ-20 e J-35, caças furtivos de quinta geração, e o KJ-600, aeronave de reconhecimento (AWACS). Tanto o J-35 como o KJ-600 foram concebidos para operações baseados em porta-aviões.