A grave crise americana

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Independentemente do valor da soberania e da independência dos Estados, que se alargou com a intervenção do princípio do fim do colonialismo sobretudo ocidental, a regra da cooperação global orientou o encontro de todas as diferenças culturais, éticas, étnicas e religiosas, na ONU. Tratando-se de ter a paz como um valor assim reforçado, não seria realista deixar de prever, e antecipar, regras e condutas que viessem a repetir violações do direito internacional, que teriam como primeira resposta, impedindo o agravamento do contencioso, a criação de tribunais internacionais, com reconhecida autoridade judicial. Seria menos raro, na lógica dos apelos mais documentados pelas exigências, em que se destacam as duas Guerras Mundiais do século passado. Infelizmente não foi possível evitar guerras que exigiram lideranças personalizadas, para intervirem a favor ou contra as perceções políticas em confronto, sendo talvez Churchill o mais saliente estadista dos que ficaram na história (1939-1945), quando, enfrentando o nazismo alemão, gritou: "We shall fight on the beaches, we shall fight on the landing grounds, we shall fight in the fields and in the streets, we shall fight in the hill: we will never surrender." Lembrado nesta data inquietante em que a gravidade da pandemia parece cobrir de um nevoeiro espesso a desregulação da ordem internacional, e que vai como que sendo silenciada a integridade imaginada pelos fundadores da ONU.

Na União Europeia, o presidente Macron, ao mesmo tempo que nega qualquer deriva autoritária, enfrenta desordens inquietantes como o ataque das violências civis sem liderança, e a cruel morte do professor Samuel Paty, que fez crescer um anti-islamismo de severas consequências globais, ao mesmo tempo que as relações diplomáticas com a Rússia são vistas por um dos seus diplomatas com a simplicidade de informar o público, que "não será uma lua-de-mel" o esperado regime de sanções para todos os suspeitos de violações dos direitos humanos, que seria aprovado antes do fim deste ano. Será, esperava-se, apagado o veto da Polónia e da Hungria contra o orçamento, mas sobretudo recusando o plano financeiro originado pelo desastre causado pelo ataque do covid-19, com a generalidade dos responsáveis europeus cientes de que "o veto é uma opção real", esperando melhores resultados da intervenção do primeiro-ministro português.

A questão do mar é identificada por analistas autorizados como "mar tenebroso"; a situação da América Latina, ela toda, esquecida a sonhada relação entre o norte dos EUA, solidário com o sul onde o Brasil foi historicamente sonhado como fundamental, crise que parece não poupar nenhuma das mais notadas identidades nacionais do continente.

É surpreendente que as maiores potências, admitindo no conceito a que tiver direito de veto no Conselho de Segurança da ONU, perante esta situação que amargura todos os povos, não tenham encontrado estadistas convergentes como os que conduziram à vitória de 1945, e que o principal sucessor deles, que usaram os meios militares e humanos na intervenção vitoriosa nessa guerra mundial, julgou apropriado destacar a gestão americana que agora finda e que julgou possível a travagem verbal do crescimento mundial da China, de tal modo que vozes militares avisaram do risco da guerra. Uma declaração que logo coloca em evidência o facto de esse presidente ter proclamado como "vitória" a circunstância de o Tribunal Penal Internacional ter declarado que não investigará crimes contra a humanidade, porque nenhum Estado lhe presta cooperação.

Dentro da preocupação da CPLP, espera-se, o problema dos atacados macondes não vai tornar possível que prestem mais atenção ao regozijo da paz do que ao sofrimento militar. Entretanto, absorvido pela adjetivação que criou para a China, esse vencido Presidente, Trump despediu, por limitada inteligência o considerado mais importante sábio americano abrangendo a pandemia, governando assim um país que, segundo as notícias publicadas, sofreu milhares de mortes por dia, e documentos hostilizados, quando a Agência Federal da Saúde Pública americana denunciou três meses como "o período mais difícil da história dos países" neste domínio da saúde. Os governantes desta Europa, que mantém a NATO, têm um programa sério contra a pandemia. O presidente americano, não empenhado na luta contra a pandemia que considerou sem conteúdo, anunciou festejar o Natal na Casa Branca, para repetir o seu privativo anúncio do resultado das eleições.

Felizmente o Natal não pode ser o mesmo em todo o mundo. E sobretudo porque o novo presidente eleito, tomando posse apenas em janeiro, tem uma fidelidade conhecida a valores e princípios, em relação aos quais não admitirá nem finalidade nem ação, mas seguramente proclamando intervenções reformadoras, e por isso demoras com riscos, até violações anunciadas da ordem jurídica. O seu Natal, que será antes da posse, deverá ser enriquecido pelo apoio dos múltiplos governos, paciente e duradoiro, valores que até agora foram atingidos. Com preocupação e paciência, pela criatividade do civismo mundial frequentemente esquecido no mandato anterior.

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