Quando o Pai Natal folga, chegam duendes, bruxas e trolls
Travessos, brincalhões, mas também assustadores, os 13 Yule Lads do folclore islandês são visita anual obrigatória naquele país insular do norte da Europa. Duendes, nascidos há séculos no imaginário popular, deixam prendas à criançada, mas também espalham sustos.
Estes filhos de trolls, vindos das montanhas, poucas afinidades físicas e de carácter partilham com a figura bonacheirona do Pai Natal, embora ambos sejam visita chegado dezembro. Como também o é, sempre que retorna o mês 12 do calendário, o Krampus, personagem mitológica que ensombra o imaginário em diferentes territórios, como a Alemanha e a Áustria.
Jovens mascarados, de rosto oculto atrás de máscaras, envergam peles de ovelhas e chifres para recriarem um ritual encantatório nas ruas das localidades. Personificam "homens selvagens" que acompanham a figura de São Nicolau.
Antes ou depois do dia 25 de dezembro, por vezes antecedendo-o ou sucedendo-lhe semanas, o mundo veste-se a rigor para o Natal. Das Filipinas à África do Sul, da Austrália aos Estados Unidos, uma mescla de celebração que é, a vários tempos, manifestação pagã e cristã, como bem nos recorda o biólogo norte-americano Desmond Morris no seu livro Mistérios de Natal (Publicações Europa América, 1992): "Apesar de, oficialmente, o Natal ser a celebração do nascimento de Cristo, quase nada do que fazemos durante os festejos de Natal tem a menor ligação com o Cristianismo e muito menos com a chegada do Menino Jesus. Exceto as cerimónias religiosas e as cenas relacionadas com a Natividade, quase tudo o resto deriva de antigas práticas pagãs ou é o resultado da moderna inovação comercial."
Poder comercial do Natal personificado numa prática do Japão, no Extremo Oriente. Embora sem assinalável histórico de festejos nesta época do ano, o país dos samurais tornou tradição um golpe de marketing da década de 1970, por parte de uma marca norte-americana de frango frito, ao associar o consumo desta ave às celebrações da natividade. Acontecimento natalício renovado a cada ano.
Atualmente, milhões de famílias reservam, com meses de antecedência, mesa nas lojas da cadeia de fast food nascida no estado do Kentucky pela mão do coronel Harland Sanders, em 1939. Sai poupado o peru, peça maior no cardápio do Natal europeu, descendente de aves suas antepassadas do Novo Mundo, consumidas pelos índios que habitavam o território do atual México e embarcadas nas caravelas ainda no século XVI pelo conquistador espanhol Hernán Cortés. Ave então rara no Velho Continente, assim se fazendo especial à mesa e a substituir ganso, pavão, cisne e afins.
Ainda no que toca a Natais a Oriente, as fervorosas Filipinas fazem da quadra momento maior com uma série devocional de missas, as Simbang Gabi, a partir de 16 de dezembro, prolongando-as por nove dias. Junta-se-lhes celebração de luz no sábado anterior ao Natal. O Ligligan Parul, Festival das Lanternas Gigantes na cidade de San Fernando, atrai a competição entre aldeias que apresentam grandes luminárias laboriosamente trabalhadas.
Manifestações natalícias ao ar livre que congeminam, no hemisfério sul, com as benesses do verão austral. Vai o Pai Natal surfar nas praias dos estados de Queensland e Nova Gales do Sul, na Austrália, e juntam-se os comensais em torno de churrascos ou piqueniques. Momentos servidos de mariscos e carnes frias como fiambre e peru assado. Ave galiforme com lugar cativo à mesa dos latinos italianos e espanhóis. Cabe, ainda, na mesa transalpina o bacalhau, as massas, as enguias e o milanês panettone, um pão doce. Na mesa espanhola, não falta o presunto, mariscos, peixes diversos, cordeiro assado e o roscón de Reyes (bolo também comum no México e Argentina), parente do nosso bolo-rei. Espanha que guarda o 6 de janeiro para a troca anual de prendas.
Noite grande, servida com cardápio à altura na Alemanha, com carne de porco, enchidos e o bolo Stollen, amanteigado com passas e fruta cristalizada. Dos comestíveis para os prazeres da decoração, cabe aos germânicos forte afeição pela árvore de Natal, de tal forma que a trazem de práticas pagãs de adoração ao carvalho. Fez o cristianismo a ponte entre a árvore de culto pagão e uma outra que passou a significar a Santíssima Trindade. O abeto, por representar os três vértices de um triângulo, sintetiza Deus Pai, Deus Filho e o Espírito Santo. Ainda para os alemães, cai na ornamentação do Natal a coroa do advento com as suas quatro velas, devidamente acesas, à vez, no quarteto de domingos que antecede o 25 de dezembro. Como também, por tradição, chegam à mãos da pequenada as ofertas carregadas por Christkind, o "Menino Jesus" que não falta à chamada na noite de 24 para 25 de dezembro.
Da meninice para idades maduras, ainda por Itália, a Befana, personagem do folclore local, representa mulher de larga idade, voa em vassoura e é visita assídua da criançada na noite de 5 para 6 de janeiro. Nas meias dos mais pequenos, cabe a sorte de caírem caramelos ou carvão e alho. Ofertas de generosidade proporcional ao comportamento dos petizes no ano findo.
Não dependente de bom ou do mau comportamento, antes da sorte, a República Checa põe as suas solteiras a arremessar um sapato sobre o ombro. O modo como o dito sapato cai ditará a futura sorte no casamento de quem o faz voar.
Em latitudes mais a norte, na Suécia, são mimados na mesma época os duendes. Cabe aos humanos zelar pelo bom humor dos Tomte, criaturas fantásticas cuidadoras das casas. Tradicionalmente, na véspera de Natal, há que lhes deixar alguma comida. Seja o contrário e a má sorte entra nos lares com o novo ano. Alimentado o Tomte, à família cai em fortuna mesa de Natal farta: o julbord, com almôndegas, costeletas, arenque em conserva, linguiça, salmão, caçarola de batata com anchovas e pudim de arroz. A acompanhar, o vinho quente.
Sem duendes, mas com um imaginário fértil, a Catalunha dá as boas-vindas ao Natal com a tradição do Caga Tió. Um tronco, o Tió de Nadal, é coberto com uma manta e enverga o tradicional barrete catalão. Às crianças cabe o dever de "alimentar" o portador das prendas natalícias. Finalmente, na noite de Natal, o tronco é transportado para a lareira. Aí, os pequenos batem com afinco no Tió de Nadal e acompanham o ato de uma lengalenga local: "Caga tió, Caga torró/ Avellanes i mató/ Si no cagues bé/ Et daré un cop de bastó/ Caga tió." Ao pedido, ausentes as crianças, os pais escondem as prendas sob o cobertor.
Também não destituído de exultação física, o Natal peruano leva, a 25 de dezembro, à província de Chumbivilcas, na região de Cusco, o Festival Takanakuy, o que numa tradução livre verte para a expressão "bater uns nos outros". É literalmente o que acontece, com lutas sob regras previamente definidas entre diferentes comunidades ou pessoas. Estas pelejam como forma de resolverem diferendos e antigos conflitos. Combates que remontam a tradições indígenas, atualmente acompanhados de música e dança. Ainda pelas Américas, o México (também na Guatemala e em Cuba) rende-se, chegado o Natal, às Las Posadas, festas que decorrem de 16 a 24 de dezembro, com figurantes a interpretar os papéis de Maria e José. Ainda no México, o Natal carrega a tradição da piñata, jogo que obriga a fustigar um pote de barro suspenso e repleto de guloseimas.
Em África, na Etiópia, cabe ao Natal a denominação de Genna. Naquele país do Corno de África, as regiões montanhosas assistem à prática de jogo semelhante ao hóquei, neste caso disputado entre aldeias. A competição, a 7 de janeiro, decorre ao ar livre, com os contendores a empurrarem com bastões uma bola para a aldeia vizinha. Crê a lenda que o jogo recria um outro, antigo, interpretado por pastores na noite em que Jesus nasceu. Também no continente africano, abaixo da linha do equador, as crianças da África do Sul anseiam pela visita do Pai Natal. A 25 de dezembro, deixam-lhe a meia que acolherá as prendas e bolachas para lhe agradar. À mesa, a celebração inclui língua de boi, peru, saladas e pudim de Natal.
Não são meias, mas picles o que os residentes em terras do Tio Sam encontram nas árvores de Natal. O Centro-Oeste dos Estados Unidos mantém a tradição do Weihnachtsgurke. Uma prática assente em várias histórias apócrifas que sustentam que a réplica de picle, oculto na árvore natalícia e que trará boa sorte a quem o encontrar, chegou com vagas de emigrantes provindos da Alemanha. Uma versão que carece de fundamento, assim como a narrativa que ascende o picle de Natal ao século XIX e à Guerra Civil Americana. O soldado bávaro John C. Lower, alistado na infantaria, teria sido capturado e sobrevivido, na véspera de Natal, graças aos picles fornecidos por um guarda prisional. Liberto, terá anualmente decorado a árvore de Natal com os seus picles de afeição.