Desconfinamento. Números são bons, mas 1.ª fase só trouxe mais 2% de portugueses para a rua
A suavização da contenção não teve, para já, impacto na curva epidemiológica portuguesa, à semelhança do que está a acontecer noutros países. Especialistas apontam civismo da população e passos de bebé no regresso ao novo normal. Apenas mais 2% dos portugueses saíram à rua, segundo a Escola Nacional de Saúde Pública.

Plano de desconfinamento português tem três fases. Primeira terá corrido bem e, por isso, segunda fase avança na segunda-feira. Reabrem escolas, creches, lojas e restaurantes.
© Leonardo Negrão / Global Imagens
A primeira análise ao desconfinamento português é otimista. As autoridades de saúde falam em ausência de impacto na curva que traça a evolução da pandemia de covid-19 no país. E o Presidente da República acredita que os "portugueses foram sensíveis ao que lhes foi pedido". Segundo a investigação da Escola Nacional de Saúde Pública, apenas mais 2% saíram de casa, durante a primeira de três fases de desconfinamento. Todos os indicadores (novos casos, mortes, contágios por pessoa, internados em cuidados intensivos) se mostram a favor de Portugal, mas o balanço é feito antes do tempo: ainda faltam cinco dias para que o país complete duas semanas desde a primeira suavização das medidas, tempo apontado como mínimo para retirar conclusões epidemiológicas.
Relacionados
"O desconfinamento foi bastante leve; é esse mesmo o objetivo das medidas faseadas", diz Carla Nunes, investigadora e diretora da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Universidade Nova de Lisboa, que se encontra a estudar a evolução da pandemia no nosso país e no mundo. Segundo a especialista, enquanto vigorou o estado de emergência, cerca de 9% da população estava a sair de casa, sem ser em situações estritamente necessárias. Agora, em estado de calamidade e com o plano de desconfinamento em marcha, esta percentagem subiu para 11%. São mais 2 pontos percentuais.
Os números foram obtidos através de inquéritos elaborados pela ENSP e "não diferem" dos dados recolhidos "por big data, por exemplo pela Google [através do registo dos movimentos dos cidadãos nos telemóveis]". Ou até pela utilização de cartões de multibanco, que "não apresentam grande variações" e que mostram que as pessoas continuam a concentrar os gastos em hipermercados.
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
"Efetivamente, toda a gente continua em teletrabalho e mesmo os negócios de rua, autorizados a abrir, nem todos o fizeram. Ainda não há confiança", refere Carla Nunes. Apesar de os números, pelo menos os recolhidos até à data, serem animadores. Nesta semana, pelas contas do DN, a média de novos casos é de 175, quando a dos últimos sete dias de confinamento obrigatório era de 205. "A situação mantém-se. Não descemos nem subimos", refere a investigadora.
"Passaram mais de dez dias sob as medidas de desconfinamento e não se refletiu ainda (não quer dizer que não venha a refletir-se) nenhuma influência na curva [epidemiológica]", afirmava a diretora-geral da Saúde, durante a conferência de imprensa diária no ministério."Tudo indica que, apesar de termos retomado a atividade, os portugueses mantêm as medidas de segurança."
Graça Freitas deixava, no entanto, a ressalva: continuarão a aparecer casos e as medidas de distanciamento social, de higiene e de etiqueta respiratória são para manter. "É expectável que todos os dias surjam 200 a 300 novos casos." Mensagem reforçada pelo secretário de Estado da Saúde, que sublinhou querer que "os portugueses tenham confiança, mas sempre com a salvaguarda da segurança". "Não facilitemos", apelou.
Neste momento, em média, cada pessoa infetada transmite a doença a outra. Ou seja, o R0 [o indicador que mede precisamente o contágio provocado por cada doente] é de um, mas tem variações por região. A zona do país onde é mais elevado é Lisboa e Vale do Tejo por causa "de pequenos surtos, como o da Azambuja ou do Montijo", esclareceu Graça Freitas.
Também a taxa de letalidade do país tem-se mostrado constante, a rondar os 4%, e o número de internados desce, tanto em enfermaria como nos cuidados intensivos. Nesta quinta-feira, estão hospitalizados 680 doentes (a última vez que este valor esteve mais baixo foi a 31 de março, quando estavam internadas 627 pessoas), destes 108 encontram-se nos cuidados intensivos. As hospitalizações representam apenas 2,4% do total nacional de infetados; os restantes recebem tratamento em casa.
Luz verde para a 2.ª fase. "Há uma segurança que nos permite avançar"
Os dados - mesmo que ainda incompletos tendo em conta os dias que faltam para um balanço mais fiável - renovam a confiança no plano de desconfinamento do Governo, sem necessidade de marcha-atrás (hipótese que tinha sido levantada pelo primeiro-ministro). Avança então a segunda fase, na próxima segunda-feira, que prevê a reabertura de escolas, creches, lojas de rua até 400m2, restaurantes, cafés, pastelarias, esplanadas, museus, monumentos, palácios e galerias de arte. "Havia um calendário apresentado. Agora é preciso ver os efeitos da sua concretização e isso havemos de ver em tempo oportuno", comenta o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, depois de uma reunião entre epidemiologistas e políticos, no Infarmed, onde foi feito um ponto da situação do país.
Já o pneumologista Filipe Fróis, coordenador do gabinete de crise para o covid da Ordem dos Médicos, diz que "com base neste dados há alguma segurança que nos permite avançar para a segunda fase do desconfinamento". No seu entender, a reavaliação constante é fundamental, mas os portugueses têm-se revelado à altura do desafio e estão a seguir as indicações das autoridades de saúde. Na rua, Filipe Fróis vê pessoas com máscaras a manter o distanciamento social. Imagem também referida pelo presidente do Conselho de Escolas Médicas Portuguesas, Fausto Pinto, que se mostra mais cauteloso a olhar para os números "razoáveis": "Acho que ainda é um bocadinho cedo para tomarmos já decisões muito definitivas", indica.
O cardiologista do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, acredita que o principal objetivo foi atingido - o sistema de saúde tem sido capaz de dar resposta ao surto -, mas é preciso "ter muita ponderação" nos próximos passos. Em causa está a possibilidade de uma segunda onda da pandemia.

Segunda fase do desconfinamento avança na próxima segunda-feira.
© Reinaldo Rodrigues / Global imagens
Lá fora, desconfinamento não foi diferente
Tal como em Portugal, os novos contágios noutros países que iniciaram o desconfinamento, mais ou menos na mesma altura, mantém-se dentro da expectativa. A progressiva saída à rua "não tem provocado grandes alterações", refere a diretora da ENSP, que também tem estado a olhar para o situação internacional.
No país vizinho, a fase zero do plano de desconfinamento começou a dois de maio, com a possibilidade de praticar desporto individualmente ou de dar um passeio com a família, mas desde a segunda-feira passada que os espanhóis já se reúnem à mesa da esplanada para partilhar tapas. Cedo demais para conclusões sérias, o número de novas mortes em Espanha tem-se mantido constante, rondando as duas centenas.
Na Alemanha, país que "tem tido semelhanças connosco nas medidas tomadas", de acordo com Carla Nunes, "também não se tem sentido o efeito". Existem apenas relatos de surtos localizados, "como lares, empresas, fábricas, que interessam obviamente identificar e tratar mas que não são coisas disseminadas na sociedade". Situação semelhante à vivida na região de Lisboa e Vale do Tejo, que Graça Freitas garante estar a ser vigiada e que não altera a confiança na realidade nacional.