89 Hells Angels acusados. Associação criminosa, homicídio, violência e tráfico

Está concluída a acusação contra o grupo violento de <em>motards</em> Hells Angels (Anjos do Inferno), resultado de uma investigação da Unidade Nacional de Contraterrorismo da PJ, coordenada pelo DCIAP.
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O Ministério Público (MP) concluiu a investigação aos crimes do gangue Hells Angels: 89 motards foram acusados por vários crimes, entre os quais associação criminosa, homicídio na forma tentada, ofensas à integridade física qualificada, tráfico de droga e posse ilegal de armas.

Foram reunidas provas que o MP considera suficientemente fortes para levar a julgamento estas quase nove dezenas de arguidos. Nos últimos anos, concluíram os investigadores, usaram a violência e ameaças para impor, pelo medo, o seu domínio, entre as organizações de motards e na segurança da noite.

O seu financiamento era, alegadamente, resultante do tráfico de droga, bem como de casos de extorsão.

Há várias nacionalidades entre os acusados: alemã, sueca, inglesa, holandesa e romena.

Em comunicado, a Procuradoria-Geral da República elenca todos os crimes que sustentam a acusação: associação criminosa, homicídio qualificado, na forma tentada, ofensa à integridade física qualificada, extorsão qualificada, dano qualificado com violência, roubo, tráfico de estupefacientes, detenção de armas e munições proibidas, bem como consumo de estupefacientes.

A PJ reconheceu que esta investigação e as dezenas de detenções tinham sido "uma machadada na organização do grupo", que estava a ser monitorizado há 17 anos, desde que se instalou em Portugal. Quando a diretora da Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT) da PJ, Manuela Santos, fez estas declarações, em julho de 2018, em conferência de imprensa, tinham acabado de ser presos 56 membros dos Anjos do Inferno.

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No último ano a investigação, coordenada pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), cresceu e permitiu capturar e constituir arguidos um total de 89 pessoas - dos quais 37 estão em prisão preventiva e cinco em prisão domiciliária.

O último a ser detido foi um cidadão belga associado à organização Hells Angels Motorcycle, no Algarve, no passado dia 25 de junho. É um dos que está em prisão preventiva.

Em causa estavam "factos suscetíveis de integrar a prática dos crimes de associação criminosa, homicídio qualificado, na forma tentada, roubo, ofensas à integridade física graves, ofensas à integridade física qualificadas e detenção de armas proibidas", explicou a Procuradoria-Geral da República.

Esta grande investigação teve o seu ponto alto em março do ano passado, quando cerca de uma centena de motards do grupo Hells Angels, portugueses e alguns estrangeiros, planearam e executaram a invasão de um restaurante no Prior Velho, concelho de Loures, para atacar o grupo Red&Gold / Bandidos, criado pelo radical de extrema-direita Mário Machado.

Os dois gangues rivais entraram em confrontos dentro do estabelecimento comercial, com facas, paus, barras de ferro e outros objetos. Houve feridos graves, entre os quais um alemão dos Bandidos, que tinha vindo daquele país para apadrinhar o novo grupo.

"Foi a primeira manifestação tão poderosa e em força como associação criminosa. Foi a primeira vez que cem elementos atuaram em grupo com o objetivo comum de eliminar a concorrência", explicou Manuela Santos.

Houve várias detenções nos últimos meses, entre as quais vários estrangeiros que participaram no ataque ou na sua preparação. Em maio deste ano, uma nova megaoperação da PJ levou à detenção de mais 17 motards, suspeitos de estarem a tentar reativar o clube, depois de todos os seus cabecilhas terem sido detidos.

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A operação da PJ, em julho do ano passado, acabou por ser acelerada pelo Serviço de Informações de Segurança (SIS), que alertou para a iminência de um violento contra-ataque dos Bandidos contra os Hells Angels, durante a concentração de motards, em Faro.

Em janeiro, o Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa declarou a especial complexidade do processo para poder ter mais seis meses (até 18 de julho) para deduzir a acusação, dilatando assim o prazo da prisão preventiva.

O grupo Hells Angels existe em Portugal desde 2002 e, desde então, tem sido monitorizado pela polícia, com vários inquéritos na PJ, e pelos serviços de informações.

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As ligações à extrema-direita e aos skinheads de alguns elementos dos Hells Angels confirmados pela PJ são alvo de preocupação acrescida para as autoridades.

Dois dos detidos foram condenados no processo de homicídio do cabo-verdiano Alcindo Monteiro, em 1995, no Bairro Alto, caso em que também esteve envolvido Mário Machado. Tiago Palma, conhecido por "Martelos" (por ter sido atleta de lançamento de martelo), fez parte do grupo de Nuno Monteiro, outro dos detidos nesta megaoperação, que espancou violentamente vários negros nessa noite, um deles, Alcindo, até à morte.

Ambos foram condenados à pena mais pesada de prisão, 18 anos de cadeia, juntamente com outros quatro arguidos. Tiago Palma por homicídio qualificado e nove crimes de ofensas corporais com dolo de perigo. Nuno Monteiro também foi condenado pelo assassiínio e por seis crimes de ofensas corporais, também muito graves.

Além de Tiago Palma e Nuno Monteiro, um outro detido do grupo Hells Angels, Eduardo Lima, esteve também no Bairro Alto nessa noite, embora não tivesse estado envolvido nas agressões. A sua ligação aos skinheads está documentada pelas autoridades, tendo sido arguido por discriminação racial. Foi condenado, nos últimos anos, por crimes de sequestro, extorsão, agressões, coação e por posse de arma proibida.

Outro ponto comum entre alguns dos motards detidos é a sua ligação à segurança privada.

Em maio deste ano, os Hells Angels foram banidos da Holanda em resultado de uma decisão judicial. "A organização Hells Angels é um perigo para a ordem pública", argumentou o tribunal de Utrecht.

O grupo assume-se como "um clube à margem da lei", referiu a sentença do tribunal, sublinhando que os seus membros fazem parte de uma organização que "viola a ordem pública" e que a sua proibição "é necessária para proteger a sociedade".

"É um clube em que reina uma cultura de ilegalidade e em que a autoridade do governo é ignorada", consideraram os juízes, invocando a "violência grave" dos atos de que são acusados.

No último ano, desde a operação da PJ, que por toda a Europa as autoridades têm apertado mais o cerco a este tipo de associações de motards.

Em junho último, a polícia britânica anunciou a detenção de 34 motociclistas do grupo Hells Angels, acusando formalmente 12 deles, durante a celebração do 50.º aniversário deste clube norte-americano presente em 50 países.

As autoridades "foram muito claras com os participantes no evento dos Hells Angels, muitos deles vindos do estrangeiro, sobre não tolerar comportamentos criminosos e antissociais", disse o vice-chefe da polícia britânica, Constable Nev Kemp, confirmando a detenção de 34 pessoas, em Surrey e Sussex, por suspeitas de crimes relacionados com drogas e por posse de armas.

Os resultados da investigação das autoridades portuguesas, que levou ao maior número de detenções de sempre, em simultâneo, de membros dos Hells Angels, foi notada e elogiada nas agências policiais europeias.

A diretora executiva da Europol, Catherine de Bolle, esteve em Portugal poucos dias depois das detenções e não deixou de elogiar a operação da PJ contra os Hells Angels, que classificou de "frutuosa", assinalando a colaboração da agência e de outros países europeus.

Em resposta ao DN, esta agência europeia caracterizou estas organizações: "A principal ameaça à segurança pública dos gangues de motociclistas fora da lei resulta da sua propensão para utilizar formas extremas de violência. Isso inclui o uso de armas de fogo e dispositivos explosivos, como granadas." De uma forma geral, esta atitude "serve para exercer controlo sobre os membros do grupo, gangues rivais e outras pessoas, como por exemplo vítimas de extorsão".

A Europol destaca como principais campos de atuação destes gangues o tráfico de droga (principalmente cocaína e anfetaminas), extorsão, tráfico de seres humanos, branqueamento de capitais, tráfico e posse de armas de fogo. "A violência é um instrumento essencial para os gangues organizados de motards atingirem os seus objetivos e estes grupos são frequentemente sujeitos a investigações relacionadas com estes casos", sublinha a agência europeia de polícia.

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