"Se já existia falta de professores antes da pandemia, agora existirá ainda mais"
Só quando o novo ano letivo começar é que será possível ter uma noção concreta da dimensão do problema, mas se forem muitos os professores que, pela idade ou por pertencerem a grupos de risco, não se apresentarem nas escolas, não será fácil substituí-los.

© Manuel de Almeida/Lusa
Como o DN adiantou em julho, a questão não é nova. Todos os anos, há vagas para professores que ficam por preencher. Lisboa e Vale do Tejo e Algarve são as regiões mais problemáticas. Matemática, Inglês, Geografia e TIC são as disciplinas mais deficitárias. Neste ano de pandemia de covid-19, o problema poderá agudizar-se se os professores mais velhos e pertencentes a grupos de risco recorrerem ao atestado médico para não se apresentarem na escola.
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De acordo com Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), ainda é cedo para fazer essa contabilidade. "Para já, foi colocada a generalidade dos professores pedidos pelos agrupamentos de escolas. Depois, tudo depende dos professores que puserem baixa médica ou apresentarem atestado. Mas nesse caso podemos pedir substituição", diz.
"Não é que não haja condições para contratar professores, não há é professores, porque é uma profissão que os nossos jovens já não escolhem", diz Filinto Lima, da ANDAEP.
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A facilidade ou dificuldade de os substituir é que é a grande questão, mas essa, segundo o responsável, não tem que ver com a pandemia, mas com uma carência que há anos se verifica na renovação da classe docente. "Não é que não haja condições para contratar professores, não há é professores, porque é uma profissão que os nossos jovens já não escolhem e essa é uma questão que merece reflexão e ação", afirma o presidente da ANDAEP, que esclarece que há zonas do país e grupos disciplinares em que esta dificuldade se sente de forma mais aguda.
Seja como for, Filinto Lima não está pessimista. "Esta questão também foi muito comentada quando, a 18 de maio, o secundário regressou às aulas presenciais. Temia-se que os professores não se apresentassem, e correu tudo sem problemas."
"Do pré-escolar ao secundário, há uma imensa lista de professores por colocar"
Manuel Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional de Professores (ANP), também considera que só depois do início do ano letivo é que a situação pode ser avaliada com mais precisão. Especialista em concursos, colocação e contratação de professores, garante que estes estão a correr normalmente.
"Os horários que foram pedidos pelos agrupamentos de escolas foram colocados, todas as vagas foram preenchidas. Todas as semanas, à sexta-feira, há um concurso, que se chama reserva de recrutamento, em que são colocados professores de acordo com as necessidades dos agrupamentos e existe uma imensa lista de professores na reserva de recrutamento. Portanto, não há falta de professores para colocar", diz o dirigente, que esclarece que, quanto aos professores que apresentarem declaração ou atestado médico, o Ministério da Educação já disse que esses podem ser substituídos.
"Se forem substituídos através da reserva de recrutamento, facilmente a substituição acontece numa semana. É só o agrupamento pôr na plataforma as vagas disponíveis, que os professores, que estão ávidos de trabalhar, concorrem e podem ser contratados."
"Por vezes, com o preço das casas e o salário que vão receber, que em início de carreira não chega aos mil euros líquidos, não é comportável para um professor aceitar a colocação noutro ponto do país", diz Manuel Oliveira, da ANP.
Apesar de concordar com Filinto Lima, quando este diz que se formam cada vez menos professores porque a profissão não é atrativa, Manuel Oliveira mantém que, desde o pré-escolar ao secundário, há uma imensa lista de professores por colocar.
"Não há falta de professores, o que acontece é que muitas vezes esses professores não aceitam as colocações porque, por exemplo, há 'n' vagas num agrupamento em Lisboa ou no Algarve e os professores disponíveis são todos do Porto. Com o preço das casas e o salário que vão receber, que em início de carreira não chega aos mil euros líquidos, não é comportável aceitar a colocação", explica o dirigente da ANP, para quem é urgente criar apoios ou ajudas de custo que motivem e facilitem a deslocação.
"Se as aulas começassem agora e nenhum professor pusesse atestado médico, a maioria dos alunos teria professor", diz o mesmo dirigente.
"No ano passado, a Câmara Municipal de Cascais tomou uma medida interessante: disponibilizou casas a baixo custo a professores deslocados e o que é certo é que não houve falta de professores naquela região. A verdade é que há um desequilíbrio territorial, há mais professores no norte do país e mais vagas na região de Lisboa e no sul, Alentejo e Algarve", diz.
Se as aulas começassem agora e nenhum professor pusesse atestado médico, todos os alunos teriam professores? Não é fácil responder a esta questão. Provavelmente não, como aconteceu nos outros anos, porque o sistema de colocação de professores é muito complexo e dinâmico, "mas a maioria teria", diz Manuel Oliveira, que faz concursos de milhares de professores e assegura que não é nada fácil.
"Todas as semanas aparecem imensas vagas para substituir professores que entram de atestado médico ou se reformam ou porque há aumento de alunos e se cria uma nova turma, há sempre vagas a abrir e nem sempre é fácil preenchê-las devido ao desequilíbrio territorial e à falta de apoios à deslocação de que lhe falei. Mas vamos ver a lista da reserva de recrutamento e há milhares de professores por colocar a contrato."
"Há um défice claro de professores"
Para Luís Lobo, dirigente da Fenprof, é inequívoco que vai verificar-se uma falta de professores no início deste ano letivo. "Já aconteceu no ano passado, sem esta situação de pandemia, em que chegámos a meados do segundo período e havia professores a menos para determinados grupos de docência, particularmente em algumas regiões do país, como Lisboa e o Algarve, portanto neste ano o problema vai recolocar-se com maior gravidade ainda."
De acordo com o dirigente sindical, o compromisso do ministro da Educação de reforçar as escolas com mais 2500 professores não foi cumprido, apesar de reconhecer que de facto os professores contratados colocados foram mais cerca de 2500 do que no ano passado.
"Não abriram mais vagas do que aquelas que seria desejável numa situação em que vai ser necessário mais professores, até para garantir que as aulas funcionam de forma segura nas escolas e o número de professores contratados colocados - mais 2500 do que no ano passado - não cobre aquilo que foi o número de aposentações, de professores que abandonaram a profissão ou que por outras formas de mobilidade estão a exercer funções noutros serviços. Portanto, há aqui um défice claro relativamente à expectativa que tinha sido criada", diz.
"Andamos desde 2007 a chamar a atenção para a necessidade de criar condições para que os nossos jovens queiram exercer a profissão docente e nada acontece", diz Luís Lobo, da FENPROF..
O problema é de fundo, num contexto em que a classe docente está envelhecida - quase metade dos professores têm mais de 50 anos, 20 por cento têm mais de 60 e apenas 0,4 por cento têm menos de 30 -, e há pouca renovação de quadros.
"Andamos desde 2007 a chamar a atenção para a necessidade de criar condições para que os nossos jovens queiram exercer a profissão docente e nada acontece. O número de vagas que existem nas escolas de formação inicial é muito baixo, os candidatos são muito poucos e não há renovação. Vão ficando os mais velhos, que se vão aposentando", diz Luís Lobo, que critica a decisão governamental de não autorizar que os professores que pertencem a grupos de risco se mantenham em teletrabalho.
"É uma situação muito esquisita esta de que quem tem doenças crónicas, como diabetes, hipertensão, problemas do foro oncológico ou outros, não possa ficar em teletrabalho e tenha de apresentar atestado médico, porque são pessoas que têm doenças crónicas, mas não estão impedidas de exercer a profissão", diz, considerando que deviam ser criados mecanismos de proteção dos professores que não os impedissem de trabalhar.
A FENPROF estima que, se o número de professores nos grupos de risco a pôr atestado médico for elevado, existirá um número muito significativo de professores em falta nas escolas.
"Uma das soluções possíveis seria, como aconteceu, por exemplo, quando o secundário regressou à atividade presencial no terceiro período, o professor do grupo de risco dar a sua aula a partir de casa e o colega que o coadjuva estar dentro da sala de aula com os alunos. O Ministério da Educação não atendeu a esta situação e deixa as escolas com um problema."
Como consequência, a Fenprof estima que, se o número de professores nos grupos de risco for elevado e se a figura a que recorrerem para justifica a sua ausência for o atestado médico, existirá um número muito significativo de professores em falta nos agrupamentos e nas escolas não agrupadas.
"Se nada for feito, em breve estaremos a recorrer a pessoas sem qualificações para a docência"
Para Luís Lobo, está nas mãos do Ministério da Educação resolver a questão, a imediata e a de fundo, mas para isso "é preciso que aceite discutir as questões que têm que ver com o emprego, as colocações e os concursos de professores e a salvaguarda destas situações. Estamos há um ano e meio a pedir uma reunião com o ministério para discutir isto e não há resposta. Há um bloqueio absoluto à negociação".
Abrir mais vagas para a formação inicial de professores, dignificar e tornar atrativa a carreira docente, reduzir o tempo para a aposentação e apostar numa política de rejuvenescimento, criar boas condições de trabalho e incentivos à fixação em zonas isoladas ou desfavorecidas são algumas das medidas que a Fenprof quer ver tomadas para "incentivar os jovens a escolher a profissão docente", diz Luís Lobo, que teme que, se nada for feito, "estamos condenados a dentro de algum tempo estarmos a recorrer, como já acontece em alguns países, a pessoas sem habilitações para a docência. Não somos só nós que o dizemos. Às vezes, as pessoas dizem: lá estão os sindicatos. Não são só os sindicatos, é o Conselho Nacional de Educação, são as escolas de formação inicial, são as associações de pais, são as associações científicas. Todos apelam à dignificação da carreira para que as pessoas sintam incentivo para ingressar nela".
Enquanto isso não acontece, a dúvida persiste: o ano letivo de 2020-2021 terá o número de professores suficiente para funcionar com as exigências acrescidas não só em termos de segurança, mas sobretudo em termos pedagógicos, que é a missão primeira da escola? O tempo dirá e o Ministério da Educação, assim como o primeiro-ministro, não têm dito outra coisa: estão a trabalhar com as escolas, os professores e os pais para manter, a todo o custo, o ensino presencial como prioridade.
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