O que o regresso dos partidos nos diz sobre o futuro
Na Festa do Avante!, depois de uma troca de graças com um governante, Jerónimo de Sousa fixou um prazo: "Esperamos que nos próximos 15/20 dias exista uma proposta de OE." Até lá, as negociações vão manter-se como até agora, calmas e quase sem história, até agora, a julgar pela crítica de Catarina Martins: "Neste ano o governo decidiu fazer as coisas de uma outra forma, com menos tempo."
Essa será a parte principal da agenda política, nas próximas duas semanas. Por muito que o governo mostre otimismo, os parceiros do PS nesta maioria parlamentar de esquerda, BE, PCP e PEV, olham para este último orçamento da "geringonça" como a última oportunidade de causarem uma boa impressão aos seus eleitores. Daí as graças entre Jerónimo e Pedro Nuno Santos, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
Pedro Nuno Santos foi à Festa do Avante!, e lá previu o êxito da negociação orçamental, com um determinismo: "Não há três sem quatro." Jerónimo de Sousa achou graça, mas avisou: "Cuidado, que é preciso não contar apressadamente com o ovo no dito cujo da galinha."
Para explicar a sua ideia, o secretário-geral comunista falou a sério. "Gostaria de deixar claro que o PCP criou condições para que este governo existisse, mas, desde o princípio, nunca disse que assinaria de cruz e que estaria de acordo com políticas e medidas que colidem com aquilo que é o nosso ponto de vista, com a nossa proposta."
Catarina Martins fez o mesmo, neste domingo, lembrando que o BE assume um compromisso "para a legislatura" mas isso não garante nada quanto ao próximo Orçamento: "Nós nunca perdemos a determinação nem a vontade de chegar às melhores soluções."
O PS, em bom rigor, não é um partido completamente unido no entusiasmo sobre a "geringonça", como Pedro Nuno mostrou ser: "Hoje temos uma maioria que é da responsabilidade de quatro partidos de esquerda. Já não é novidade, é só uma coisa boa. No futuro espero que a cooperação entre estes partidos continue, porque isso é sinal de que o povo português vai continuar a ter vitórias muito importantes para as suas vidas."
Se continua, ou não, a cooperação, só o futuro sabe. Por agora, várias são as propostas que estão em cima da mesa, embora nenhuma delas esteja já acordada. O PCP elencou algumas: a melhoria do abono de família, o alargamento da gratuitidade dos manuais escolares para alunos do ensino secundário, a valorização das pensões e reformas e o aumento do salário mínimo nacional. O BE outras: aumento das pensões, investimento público, melhorias nos serviços do Estado.
Outras, como a descida do IVA para o escalão mínimo de 6% na fatura da luz e do gás estão, há muito tempo, apontadas como prioritárias, tanto pelo BE como pelo PCP, mas ainda não receberam qualquer resposta do PS.
O Bloco apresentou também a proposta de uma taxa para travar a especulação imobiliária. "Estamos a negociar tanto o prazo da operação em que se aplica a taxa como o valor da taxa, julgamos que esta é uma medida que vai para a frente. Se o governo concorda connosco que ela é importante temos abertura para negociar prazos, valores."
O Orçamento dirá como os partidos da esquerda chegam ao seu último ano de experiência. Mas ainda em setembro há outro assunto quente na vida política. O fim do mandato de Joana Marques Vidal como procuradora-geral da República (PGR).
Aí, António Costa pode contar com alguma folga no debate à esquerda. É no PSD e no CDS que estão as vozes mais assertivas. Por uma razão simples: nem o PCP nem o BE encontram nesta discussão (também ela inédita) qualquer vantagem.
Já Assunção Cristas e vários destacados dirigentes do PSD intuíram neste tema uma fragilidade do primeiro-ministro. A nomeação da PGR costuma ser um assunto recatado, tratado nos bastidores, gerador de consensos e silêncios. Nunca, como agora, os partidos se pronunciaram desta forma veemente. Essa novidade tem o poder de condicionar António Costa.
Sendo uma escolha final do Presidente da República, parte de uma indicação do primeiro-ministro. Neste caso, Costa quase só pode dar-se por vencido - o que explica boa parte da politização neste debate. Se indicar Joana Marques Vidal, entrará em contradição com o que parecia ser um consenso com a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, de que o mandato único é ideal para o cargo de PGR. Pior: a leitura pública dessa continuação será sempre a de que o primeiro-ministro foi forçado a aceitá-la. Pelo contrário, se optar por sugerir uma substituição, as críticas que já lhe são feitas aumentarão de tom. Costa será apresentado como o primeiro-ministro que se opôs a uma PGR que muitos consideram insubstituível.
Rui Rio optou, desde cedo, por não entrar neste debate. E essa é a sua marca neste verão: contrariar aquilo que os mais destacados apoiantes de Passos Coelho dizem que devia fazer.
"Veem-me ser politicamente incorreto porque, na prática, o politicamente correto é a ausência de criatividade e de coragem para mudar o que tem de ser mudado", explicou Rio, no domingo. O politicamente correto, sublinhou, "é seguir a agenda política dos grandes meios de comunicação. Na política temos de estar em nome do serviço público, nos meios de comunicação estamos ao serviço das vendas e do lucro".
Rui Rio pretende fazer uma ligação direta entre as suas ideias e os eleitores. Não acredita que retire qualquer vantagem de aparecer como um líder da oposição elogiado pelos comentadores. "Se tenho medo das notícias, não estou aqui a fazer nada."
É precisamente isso que anima os seus rivais à direita. O CDS mostra-o. No sábado, em Valongo, Assunção Cristas lançou um slogan: "A alternativa somos nós!" E acrescentou, se restassem dúvidas quanto ao destinatário principal do remoque, o PSD: "Somos o único partido que recusa servir de muleta a António Costa."
Por isso, na agenda do CDS estão ideias fáceis de compreender: baixar todos os escalões do IRS, alargar a ADSE a todos os portugueses, eliminar a sobretaxa do ISP.
Com isso, Cristas não atinge apenas Rui Rio - é conhecido o efeito do voto de protesto, que faz que haja transferências de voto entre o CDS e o BE, apesar da distância das convicções que defendem.
Essa distância diminuiu, entre os dois maiores partidos. PS e PSD têm agora um terreno comum, que manifestamente lhes faltou nos últimos anos. Mesmo que Rui Rio aponte o dedo à política económica - "O governo não deve investir, são os privados que têm de investir. É um governo que promete o que não pode cumprir. O ministro das Finanças tem uma prática que é de austeridade e o primeiro-ministro anda a dizer que acabou. Se é um país das maravilhas, os professores podem pedir aquilo a que têm direito."
António Costa conta, precisamente, com a economia para mostrar o seu êxito: o emprego cresceu, o desemprego caiu, o défice aproxima-se do zero, as críticas das agências de rating e de Bruxelas deixaram de abrir telejornais. Numa imagem: há pouco mais de um ano, todos os partidos portugueses estavam a pedir a demissão do líder do Eurogrupo, o holandês Jeroen Dijsselbloem, quando ele disse, a um jornal alemão, que os países do Sul tinham um problema: "Não se pode gastar todo o dinheiro em copos e mulheres e depois pedir ajuda." Hoje, o líder do Eurogrupo é Mário Centeno e isso é um trunfo que só não funciona com os partidos à esquerda.
Ficará, porém, na memória a crítica que setores importantes do PS fizeram quando Centeno elogiou o fim do programa de intervenção europeu na Grécia. Essa é a tarefa mais próxima de António Costa e aquela que mais gosta de fazer, juntar peças.