Uma questão toponímica…
O Doutor António de Sousa de Macedo (1606-1682) que dá o nome ao largo em que se inicia em Lisboa a Calçada do Combro está longe de ser um desconhecido. É verdade que não foi a literatura que o celebrizou e que Ulissipo - Poema Heroico (1640) é uma obra mitológica sua que hoje quase passa despercebida. Não foi como poeta ou escritor que se singularizou. Alberto Manguel, novo munícipe naquele Largo, conta que perguntou quem conhecia o literato, mas ninguém soube responder.
Há alguns anos esclareci, aliás, uma confusão entre este António de Sousa de Macedo, do século XVII, e um seu descendente que foi ministro da Instrução Pública, o primeiro, num Governo do marechal Saldanha em 1870, conhecido como D. António da Costa. É bom encontrar alguém que se interrogue sobre quem merece ser imortalizado numa rua.
Esta honra toponímica não veio, porém, da escrita, mas do facto de se tratar de um dos mais célebres diplomatas, em momento decisivo da história pátria. Nascido no Porto em 1606, veio para Lisboa pelas funções do pai, desembargador na Casa da Suplicação, seguindo para Madrid. De novo em Lisboa, frequentou o Colégio de Santo Antão (1619-1623), depois do que rumou a Coimbra, para frequentar Direito Civil. Voltou a Madrid com seu pai e então escreveu Flores de España, Excelência de Portugal (1631), onde elogiou Lisboa e enalteceu os espanhóis, o melhor dos povos, à exceção dos portugueses. Regressado a Portugal, obteve o grau de Doutor em Leis (1632), sendo enaltecida por Barbosa Machado a qualidade das suas prestações académicas - a merecer "inveja e veneração dos Catedráticos daquela insigne Atenas".
Num momento triste da família, o pai foi destituído de funções. O jovem casa-se com Maria Lemercier, de ascendência holandesa, mas vê recusado o seu nome para contador-mor. Era secretário do Conselho de Portugal Miguel de Vasconcelos, e houve razões pessoais e políticas para esta recusa. Pouco depois dá-se o golpe de 1640, no qual não participa diretamente mas que apoia com entusiasmo. Então é nomeado secretário da Embaixada em Londres com Antão Vaz de Almada, sucedendo-lhe como representante, e é essencial a sua ação, quer no reconhecimento da Restauração quer ao conseguir a nomeação de um prestigiado embaixador britânico para Lisboa, Henri Compton, o que foi essencial para a legitimação de D. João IV.
Volta a Lisboa como desembargador da Casa da Suplicação e em 1648 é juiz das Justificações do Reino. Em 1651 é embaixador nos Países Baixos, onde não concorda com o padre António Vieira. Com a subida ao trono de D. Afonso VI, é nomeado secretário de Estado, ao lado de Castelo Melhor. Quando o rei é afastado cai em desgraça e é exilado a 30 léguas da Corte, para a Vila de Penela (1667). O certo é que foi um importante político, diplomata e influente membro do Conselho da Fazenda.
Conheço bem o largo, nele foi-me possível usufruir da hospitalidade extraordinária de Helena e Alberto Vaz da Silva, queridos amigos. Helena era descendente de Sousa de Macedo, por via materna, ainda que a casa onde nasceu e viveu não fosse a do seu antepassado, mas no Palácio Cabral, em frente, do século XVII, largamente beneficiado depois do Terramoto, e recentemente alvo de revelações históricas importantes. Eis esclarecida a questão.
Administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian